Estava há 2 semanas sem escrever absolutamente nada. Isso é, escrevia uma poesia ou outra. Mas escritor algum vive só disso. Então eu olhava fixamente a tela do computador. O teclado era atraente, o barulho que as teclas faziam quando as palavras fluíam da minha cabeça, de forma ritma e quase sinfônica, ah, não tem preço. Mas, na maior parte do tempo, isso não acontece. Ser escritor é um tédio. Sem mais. Ninguém quer viver assim. Mas quando escrever é a única coisa que se sabe fazer, não há escolha.
Saí para beber alguma coisa durante a noite. A minha cidade, como em qualquer outra cidade pequena, é mal iluminada, fede, e assim que dá 11 horas da noite é quase impossível encontrar alguém andando por aí.Sempre carreguei uma agenda, que usava para escrever. Pode parecer trabalhoso sempre sair com isso, mas nunca se sabe quando um nova e boa ideia irá surgir.
- Uma cerveja, por favor - pedi.
- São dois paus - disse o velho do bar.
O bar onde eu estava era o menos frequentado da cidade. Disso eu tenho certeza.
Era velho e fedia a mofo. Era feito de madeira do piso ao teto. As paredes mal pintadas com tinta vermelha deixavam aquele lugar medonho. Luminárias douradas iluminavam o lugar em longos e gastos tubos de borracha. Era o tipo de iluminação que só se via em boates dos anos 80.
Sentei em uma mesa e comecei a escrever. Escrevi um poema sobre o quão é deprimente se ver sozinho e bebendo, e, ainda assim, o quão importante é para o próprio eu.
Não me julgue.
Só haviam três pessoas no bar. Eu, uma moça do outro lado do balcão, e o dono do bar.
A moça não parava de me encarar. E, quando eu menos esperava, ele se levantou e caminhou na minha direção.
Me assustei um pouco, pois estava concentrado, por mais incrível que possa parecer, no quadro atrás dela.
Ela se sentou na cadeira de frente com a minha, e me encarou de forma silenciosa.
- Olá? - Eu disse sem jeito.
- O que está escrevendo? - Ela perguntou, olhando por cima da mesa tentando ver o meu caderno.
- Um poema - disse.
- Posso ler? - Ela questionou em um tom interessado.
Olhei-a por uns instantes. Ela, apesar de bem esquisita, tinha um charme misterioso. Deve ser porque os olhos negros dela refletiam as luminárias.
- Claro - autorizei.
Ela pegou meu caderno e começou a ler.
Notei que ela ria, depois de alguns minutos de leitura.
- Que foi? - Perguntei desconfiado.
- Está um lixo.
- Como é? - Peguei meu caderno rapidamente.
- Está patético.
- Vá se foder.
Ela riu.
- Olha. Você escreve bem. Mas ninguém liga para esse tipo de coisa. Ninguém quer saber o que tem que fazer para se encaixar ou se diferenciar da sociedade. Ninguém liga para a felicidade em palavras.
- Como assim? - Perguntei sem chão.
Estava extremamente envergonhado.
- As pessoas querem se identificar com o que leem. Não querem ser repreendidas, nem corrigidas. As pessoas querem toda a tristeza e melancolia do mundo. Elas querem ler e ficar tristes. A tristeza faz com que as pessoas se encantem.
- Como sabe disso?
- Não importa - ela disse olhando nos meus olhos.
- Então, como farei isso? Não sou criativo.
- O que você entende por tristeza?
- Ah, não sei. É um estado psicológico da ausência de otimismo, esperança...
- Para com essa merda! - Ela gritou.
Fiquei em silêncio.
- O seu problema é se espelhar nas coisas demais. É falar das coisas como um cientista fala de uma pesquisa. Enfia a psicologia no cu. Engole qualquer tipo de moralismo. Abuse da liberdade de expressão. Sodomize a liberdade de expressão.
- Certo.
- Então, vai me pagar uma bebida ou eu mesma terei de pedir? - Ela disse.
- Eu pago. Uma cerveja aqui, por favor.
- Cerveja? Se fode. Quero uísque - ela repreendeu.
Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo ali. Não entendia como havia chegado naquele instante, e muito menos sabia como me deixei ser repreendido tão facilmente.
Aquela garota tinha uma coisa estranha. Ela me encantava, e eu não queria isso.
- Então, qual o seu nome? - Ela me perguntou.
- Marcos T. Santos. E o seu?
- Marcos? Credo. Eu não compraria um livro com um autor com este nome. Desculpa, mas não é nome de escritor.
- E o seu? - Insisti.
- Catarine. Mas me chama de Cate. É mais bonito.
- Certo, Cate - sorri.
- Quantos anos você tem? - Perguntei.
- Eu não respondo essa pergunta nem para a minha mãe - ela riu.
- Sua mãe não sabe? - Questionei.
Ela me olhou com os olhos meio fechados, e algo me disse que a resposta era não.
Eu e Cate conversamos por mais ou menos uma hora. Ela era bem legal, mas não fazia o meu tipo. Ela não faz meu tipo, repetia para mim mesmo toda vez que sentia atração por ela.
- Certo, Marcos. Nós vamos transar? - Ela disse como se perguntasse quantas horas eram.
- Como é!? - Tossi com a pergunta, chocado.
- Só que eu tenho uma condição.
- E qual é?
- Deve escrever um poema para mim. Bem triste e envolvente. Daqueles que se lê antes de cometer um suicídio.
- Para que isso? Olha. Eu não sou esse tipo de escritor. Não consigo ser.
- Então sem transa.
- Certo, ué. Sem transa.
Mais ou menos 40 minutos depois, ela se levantou.
- Vou indo, Marcos. Bom te conhecer.
- Tudo bem. Pode me dar o seu telefone?
- Se eu te passar, você promete escrever meu poema triste?
- Em outra ocasião, sim. Pode ser.
- Certo. Já deixei meu número dentro do seu caderno.
Ela saiu.
Três dias depois, eu me vi podre. Cate nunca me atendia.
A tristeza tomara conta de mim como um demônio se apodera de um corpo. Estava fumando mais que o normal. Bebendo compulsivamente. Perfeito, me apaixonei, pensava, a cada vez que chamava e ela não me atendia.
Deixei umas 14 ou 15 mensagens. Ia no mesmo bar praticamente todos os dias, e sentava sempre no mesmo lugar. Escrevia poemas tão tristes que eu não sabia mais quem eu era.
De Poetizisses
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M-48 Contos
Short StoryNova fase do Projeto Montag!! O nosso Projeto conta com um livro de poesias, que contém 83 poesias dos fundadores do projeto, e um livro de Bastidores, que contém entrevistas com os mesmos, contando suas inspirações, e histórias de vida. Agora damos...