Amor Fati

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Quis começar este conto com a letra "q". Quis por que quis. O querer sem razão é sincero. Minto, quis por me atrever a uma aliteração com uma letra difícil. Podem notar que fracassei. Então esqueçam, melhor, finjam que após a terceira oração veio esta: A emoção vem de dentro, não tentemos explica-la, portanto, limita-la: vivamos.

Amor, você é meu tudo, quão sortudo eu sou por tê-la, imagine só, eu só, sem você, não haveria motivo, não haveria ação, talvez seja isso, quero dizer, seria você a minha motivação?, perguntou,

Ela sorriu, o olhou no olho com meiguice em superfície. Não havia profundidade na declaração. Ouvia suas palavras sem medo de se afundar. Há amor no raso? Seu primeiro beijo fora numa piscina, acabara de se lembrar, Hum, foi gostoso, sussurrou, Molhado, rápido, apavorante, e meu deus, estava deveras nervosa, bem, pensando melhor, acho que a ideia que criei daquele momento é que fora boa, na verdade, não foi nada agradável, nossa, e me tremia inteira!, dessa vez apenas pensou, não botara pra fora. Ele ainda estava lá, com um sorriso galanteador, na expectativa de uma resposta, embora sem sentir tensões tremerem o estômago, afinal, supôs que sua declaração havia a deixado desconcertada, achava-se o último dos românticos, tirava-se como poeta, mas quem é o poeta, senão voce, leitor? Poeta é quem interpreta. Preta, ta ai? Volta pra terra, meu amor! Tava pensando em mim? Se emocionou?perguntou, Te amo, afirmou,

Sim, sim, me desculpe, me emocionei, te amo muito, muito, reafirmou, murcha, mas convicta. Convicções são tão voláteis, passageiras, lembrou-se de quando acreditava que sua irmãzinha viera de uma pílula cor de rosa e que seu irmão viera da pílula azulada comprada na farmácia pela mamãe, Ideologia de gênero, resmungou, essas redes sociais nos fazem ser politicamente corretos até inconscientemente, Que mundo careta, desabafou pra dentro, Pelo menos quem comprara fora a mamãe e não o papai, aliviou-se, acreditar que os pais faziam parte da caretice não a confortava - convicções são voláteis, contradições que nos sustentam, apoie-se nelas. Pensando nisso, a pergunta que ela fará logo logo saltou de sua boca como a um cuspe inesperado em meio a uma conversa séria, Você me ama mesmo, amor?,

Por que há dúvidas? Sabe que te amo, voce é minha, é minha, como não te amar?, respondeu. Sou dele?, perguntou-se, Não, não devo, não quero, afinal, propriedade?, ora, quero ser livre, livre com ele, já que não posso, livro-me dele, pensou, de novo pensou, com uma vontade imensa de dizer. Por quê, Deus, por quê, Alá, por quê, Razão, guardamos os mais importantes dizeres dentro de nós?, pensei, dessa vez eu, narrador, prossegui devaneando, Sentimos-nos autores de obras-primas, irmãs, tias, melhor, mães!, mães que por terem feito filhos tão belos, tão perfeitos, e por medo de que a feiura do mundo possa corromper tão linda criatura, os abortam antes de verem os raios de sol queimarem suas íris?!, respondi-me, Não, porra!, deixe de tentar me enganar!, cansei da hipocrisia, da verdade inventada e reconfortante! Deixe-me você, narrador dos pensamentos, encarar a realidade em sua crueza, encarar a dor e a delícia do existir, e agora respondo-lhe, narrador, respondo-lhe, jovem iludida: não dizemos, não botamos pra fora, por medo!, medo!, medo de nos expormos, medo do nu, a moral cristã nos deixou careta!, careta!, receio dizer que éramos livres nas eras pagãs, que nostalgia careta!, tudo é careta!, mundo careta!, e vocês me tiram para louco?!, proponho-lhes, portadores da mente sã num corpo são, exporem ao mundo seu mais profundo desejo, sentimento, sensação, se fizerem, queimem este conto de suas memórias, se não, leiam e releiam, e releiam, e releiam, até me deixarem rico como Stephen King!

Ei, amor? Você sabe, né?!, o garoto reforçou a pergunta, embora, agora, com tensões, Eu sei, amor, desculpa, tava pensando em quão feliz sou por tê-lo.

#Bípede Nu, de JotapeSL

M-48 ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora