Capítulo 9 - parte 4 (em revisão)

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A manhã já ia alta e Eduarda começou a ouvir um som diferente. Cutucou o amigo:

– Valdinho, estás escutando o som do mar ou é impressão minha?

– Eu também escuto – respondeu Valdo, distraído. Espantado continuou. – Mas como, se estamos em uma ilha dentro de um lago?

– Bah, Valdinho, essa ilha é muito maior que o lago de onde viemos. Se prestares atenção já andamos mais de hora e deve ter dado bem uns cinco quilômetros ou mais. Estamos em outro mundo, na verdade entre mundos; daí o perigo que Ezequiel falou, creio eu.

Andaram mais um pouco e a cordilheira terminou abruptamente, dando lugar ao mar com ondas altas e fortes. Eles sentiram logo uma queda abrupta na temperatura, que ficou muito mais agradável. Pararam e Eduarda apontou a floresta.

– Olha, a floresta voltou a ficar bem menos densa e deve terminar daqui a uns duzentos metros, pelo que parece. Podemos entrar para dentro da ilha por ali. Em algum lugar temos que encontrar muita gente.

– Bem, eu acho melhor ir pelo litoral – disse Valdo. – Geralmente povos primitivos constroem perto do litoral, não é?

– Acho que só se tiverem rios, por causa da água doce – contestou Eduarda. – Mas também não sei grande coisa de história antiga. Tudo o que sei é que não passaram por aqui.

– Como podes ter tanta certeza, Duda? – perguntou Valdo, espantado.

– Olha para o chão – respondeu ela. – Nem uma marca de pegadas de nada, nem de seres humanos nem daquelas coisas. Não há qualquer marca de civilização por aqui.

– Bah, não é que tens razão? – Valdo riu. – Daqui a pouco vou te chamar de Sherlok Holmes dos Pampas.

– Eu hein? – Eduarda riu. – Bem, precisamos de achar a civilização e, quando encontrarmos, teremos a maior probabilidade de encontrar Igor.

– Então o que fazemos? – perguntou o amigo. – Por sinal, tô louco por um café.

Eduarda pensou um pouco sobre o que seria melhor a fazer e decidiu bem rápido.

– Gwydion, tu poderias voar alto e ver se há vestígios de civilização perto? – perguntou, enquanto criava dois copos de café e oferecia um para o amigo. – Só não te afastes muito, por favor, que confesso que tenho medo daquelas coisas.

– "Sem problemas" – respondeu o pássaro, elevando-se ao ar.

― ☼ ―

Igor acelerou o passo e seguiu pela orla do bosque em direção ao sul. Não tinha pressa porque seus dons permitiam rastrear o portal mesmo depois de alguns dias, mas também não quis perder tempo. Por isso, marchava em passo rápido. Ele imaginava o que teria acontecido e também pensava que podia levar todos os mundanos e quem mais desejasse para outro mundo deserto, já que conhecia tantos, muitos deles de incrível beleza e vazios de vida inteligente. Depois de quase duas horas de caminhada, chegou ao lugar que julgava adequado e penetrou no bosque. Manteve os sentidos alerta e não demorou muito a notar a presença das criaturas pequenas. Avisado pela neta, não tomou iniciativas, aguardando que eles se manifestassem, o que não aconteceu. Enquanto caminhava, pensava no motivo e sabia que não havia ódio nem raiva, apenas curiosidade. Em dado momento, captou o pensamento de um deles que dizia a um companheiro recém-chegado que ele gozava de privilégios especiais por ordem da rainha-mãe e então compreendeu o motivo de não ter sido interpelado.

Quando passou por um rio, Igor sentou-se em uma pedra e fez um pouco de água voar até ele, bebendo-a com toda a calma. A seguir, materializou um café e bebericou devagar, pensando na esposa e sentindo saudades dela.

Voltou a caminhar até que chegou ao local das fadas, encontrando algumas sobrevoando ao som suave de uma música celestial. Viu a rainha-mãe sentada, sendo servida por um dos "homens". Ela ergueu os olhos e sorriu.

– "Vejo que voltou sem demora, Igor" – disse ela. – "Suponho que o motivo foi o distúrbio."

– "Isso mesmo, Irla" – disse ele, fazendo uma saudação formal das sacerdotisas mães. – "Foi uma abalo demasiado intenso, duplo e eu nada conheço deste local. Aqui as coisas parecem muito doidas!"

– "Nos últimos tempos têm ficado mais doidas, como você diz, mas, antigamente, não era assim."

– "Acha que foi a minha chegada que fez isso?" – perguntou Igor, preocupado. – "Nesse caso, eu ajudaria meu povo e partiria o mais rápido possível, uma vez que não atingi meu objetivo."

– "Não creio que seja o senhor, Igor, e a sua presença pode ser a nossa salvação" – comentou a fada. – "Presumo que tenha vindo aqui procurar a sua filha e por isso menciona esse fracasso. Eu acho que devia pensar melhor, meu jovem. Encontrou uma neta e uma bisneta que tem quatro filhas. O senhor encontrou descendentes dela e seres importantes dentro da sua sociedade."

– "Tem razão, Irla" – baixou a cabeça, triste. – "Acho que pode ser um grande egoismo da minha parte e claro que me apeguei de imediato por elas, especialmente Shayla, mas Morgana..."

– Morgana fez a sua escolha – disse a raínha-mãe, agora em português. – O seu sacrifício salvou nosso povo por pouco mais de duzentos anos porque a cada passagem do portal para o mundo das feras, mais estável e intenso ele ficava. Morgana acreditava que aquele mundo acabaria por arrebatar Avalon para ele. Segundo nossos cálculos, os distúrbios deviam ter começado há um ano e a esta hora estaríamos todos mortos. Todos nesta ilha devem a vida para ela.

– Eu compreendo, Irla – aquiesceu Igor, pensativo –, mas nem por isso deixo de ficar triste. Eu até tenho o poder de evitar isso, mas você tem razão: o tempo não é algo bom pra se mexer e já senti isso na carne.

– Eu sei, tanto pela sua mente quanto pela dela – comentou Irla. A fada ergueu-se e flutuou até Igor. – Tudo o que sua filha mais desejava na vida dela era conhecer o seu pai. Ela disse-me isso, mas eu também vi dentro da sua alma esse que era seu maior e mais profundo desejo. Então tenha essa lembrança como a melhor parte da sua filha, meu jovem, e a certeza de que ela teria muito orgulho do seu pai.

– Bem, Irla, agradeço pelos conselhos, mas vamos ao lado prático: sabe o que aconteceu ou pode estar acontecendo agora?

– Não, não sei – respondeu. – Temo que eles consigam reabrir o grande portal. Se isso ocorrer, além do trabalho da Morgana das Fadas ter sido em vão, estamos condenados à destruição.

– Vocês não conseguem retornar para o vosso mundo?

– Não – respondeu ela. – O nosso mundo estava morrendo, era muito velho. Quando o portal apareceu, atravessamos e acabamos aqui, mas o portal nunca mais voltou e achamos que ele morreu com o mundo.

– Quando foi isso?

– Foi há cerca de quinhentos mil dos seus anos – explicou ela, sempre tranquila. – O nosso problema é que vivemos tempo demais, tempo para ver um mundo morrer.

– Sinto muito, Irla.

– Não sinta, Igor. Nós gostamos daqui.

– Bem, eu vou para o território daqueles diabos atrás desse portal.

– Boa sorte, Igor – disse Irla, estendendo a mão, que brilhava, e tocando na sua cabeça. – Vá com a luz, mas tome muito cuidado porque até você pode perecer.

― ☼ ―

Pampas – termo gaúcho para campos. N. A.

O Mago e a Sacerdotisa de AvalonOnde histórias criam vida. Descubra agora