Capítulo 19 - parte 4 (em revisão)

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Igor e a esposa levantaram-se bastante cedo e tomavam café da manhã quando o telefone dele tocou. Bastou uma vista de olhos no painel para desconfiar que não vinha coisa boa dali, mas atendeu sem pestanejar.

– Fala, Valdinho – disse ele. – Caíste da cama, tchê?

Eduarda olhou para ele com cara de curiosidade e Igor piscou o olho, sorrindo. Após, a sua expressão ficou mais séria e preocupada.

– Bah, cara, mas tu não dormiste por quê?... não, não, claro que não. Estávamos tomando café... sem dúvida que vou, meu amigo. Me dá uns quinze minutos que já te encontro lá... que é isso, não precisas agradecer.

Desligou e olhou para a mulher, que enrugou a testa e encolheu os ombros, aguardando.

– Acho, amor, que as coisas não deram nada bem para o nosso amigo. Toda aquela história do filho...

– Filho? – perguntou interrompendo e voltando a franzir a testa, fazendo Igor sorrir. – Que papo é esse de filho, amor?

– Ele não te contou!? – espantou-se Igor. – Ele sempre foi mais confidente teu do que meu.

– Não, não me contou nada! – respondeu. – Que tal começares a desembuchar?

– Bem, é natural que hesitasse em falar contigo, pois é um assunto um tanto masculino e, no caso dele, delicado. Foi um corre-corre tão grande que não tive tempo de te contar. Digamos, resumindo tudo, que naquela noite ele não dormiu com a Nealie inconscientemente. – Eduarda arregalou tanto os olhos que o marido quase começou a rir. – Ela pediu-lhe um filho e isso era um dos seus desejos mais íntimos, exatamente como tu.

– Mas que barbaridade! – exclamou Eduarda. – E daí, me conta o resto.

– Eu prometi que ia falar com ele, amor, depois conto.

– Fala sério, Igor – zangou-se a esposa. – Levas apenas cinco segundos para trocar de roupa e dar a volta ao mundo, então sobram quatorze minutos e um monte. Desembucha.

Igor sorriu e cedeu, contando de forma resumida o que conversaram e as dúvidas do amigo.

– Bah, eu não queria estar na pele dele, tadinho – comentou Eduarda, compadecida. – Vais estar onde? Pretendo levar as gurias à Redenção para passearmos no brique. Afinal, hoje é domingo.

– Ele está na redenção – disse Igor. – Assim que resolvermos essa conversa, eu te ligo e marcamos o local de encontro.

– Ok.

Igor levantou-se e caminhou os dois passos que o distanciavam da esposa, mudando de roupa ao mesmo tempo. Deu-lhe o beijo caloroso e, quando se ergueu, desapareceu de casa.

Eduarda deu uma risada e limpou a mesa usando os mesmos métodos nada ortodoxos. Levantava-se quando Morgana apareceu, vestida com roupas comuns que eram da Eduarda, embora um pouco grandes porque a sacerdotisa era mais baixa. Com uns retoques, ela ajustou o tecido que encolhia sozinho, moldando-se ao corpo "filha".

– Estás muito linda, Morgana – disse, dando um passo atrás e aprovando a sua obra. – Assim que Ailin acordar, vamos passear.

― ☼ ―

No parque da Redenção, perto das traseiras da reitoria da Universidade Federal, havia um grupo de árvores e arbustos que formava uma pequena parede viva. Aquele lugar era menos frequentado e foi ali que Igor surgiu do nada. O amigo estava no Recanto Oriental, não muito longe dali, e ele viu-o em um banco ao lado de uma pequena construção que lembrava um mini-templo budista. Ele estava sentado no encosto do banco, com os pés sobre o assento e a cabeça apoiada nas mãos, por sua vez com os cotovelos nas pernas. Seus olhos pareciam perdidos no infinito e Igor sentiu pena do amigo porque notou logo que ele não estava bem.

Aproximou-se devagar, sem ser notado, e apoiou-se no encosto, ao lado dele.

– Então, meu velho – começou por dizer. – Gostaria de estar errado, mas noto que vida complicou um pouco.

– Posso te garantir que tu está errado, tchê – respondeu Valdo, virando o rosto para o lado. – Se fosse pouco, eu estava feliz. A minha vida complicou muito mesmo, demais, um absurdo de enrolada. Nem sei mais quantos advérbios, adjetivos ou seja lá o que for que definam isso posso adotar para expressar essa desgraça.

– Bah, cara. – Igor deu a volta e sentou-se ao seu lado. Olhou nos seus olhos e disse. – Vamos lá, as coisas não podem ser tão ruins assim.

– À são, são sim – insistiu Valdo. – Preciso retornar a Avalon e desfazer isso. Ela não devia me ter dado esse dom.

– Que história é essa, cara? – perguntou Igor sem entender grande coisa. – Que dom? Afinal, que eu saiba foi o portal que te alterou e a equalização temporal não reverteu o processo na volta.

– Não é isso, Igor – disse Valdo, contendo as lágrimas. – A fada fez alguma coisa comigo, não lembras? Cara, é demasiado assustador, é como brincar de Deus e eu não quero isso!

– Não tô entendendo nada...

– Ela estava morta, Igor – interrompeu quase gritando. – Ela caiu morta ali bem na minha frente, quase nos meus pés. Simplesmente isso, o carro passou, pegou a guria que voou uns quinze metros de altura e caiu mortinha da Silva. Teodoro viu que estava morta e disse para irmos embora, mas eu achei que era muita crueldade morrer assim de forma tão estúpida. Na hora nem pensei grande coisa, só que ela era muito jovem e não merecia ter morrido desse jeito. Também pensei que eu queria que não tivesse acontecido, mas não sabia o que fazer. Daí, minha mão começou a brilhar e ela voltou a viver. Quando terminei, a única prova que ela tinha sido atropelada era o carro todo amassado e as roupas cheias de sangue. Cara, eu ressuscitei uma guria. Quem mais tem esse poder todo?

– Nenhum mago tem, Valdinho, só os dragões. Lembras que eles também me ressuscitaram? – perguntou Igor. – Mas esse dom é único e maravilhoso, irmãozinho, então não sei por que motivo te preocupa tanto.

– É simplesmente porque isso me torna um Deus no meio dos homens, Igor – explodiu Valdo. – É muito ruim ter o poder de vida e morte, cara, sem falar que nos faz muito solitários. Imagina ter que escolher quem vive e quem morre!

O Mago e a Sacerdotisa de AvalonOnde histórias criam vida. Descubra agora