Naquela madrugada Samuel despertou com batidas suaves na porta do quarto e antes que pudesse fazer qualquer coisa ouviu a voz rouca de Toni ecoar no quarto.
— Entra Lucas.
Ouviu a porta abrir e fechar, achou estranha a visita noturna do menor, mas continuou quieto, tentando voltar a dormir apesar do calor que fazia ali.
— Toni... posso dormi contigo? — ouviu a voz infantil cheia de receio, certamente com medo da recusa.
— Sabe que pode maninho. Por que bateu na porta?
Samuel ouviu o barulho da cama ranger e panos, Lucas devia estar se espremendo na cama de solteiro do irmão.
— Por que o moço tá dormindo aqui contigo.
A resposta despertou seu interesse na conversa mal sussurrada.
— E daí?
— Tu sempre disse para eu bater antes de entrar quando o tio César tá aqui.
— Mas não é a mesma coisa. Agora vai dormir.
— Eu sonhei com ele de novo... Toni... tô com medo.
— Não fica não. Foi só um sonho moleque.
— Mas e se ele aparece de novo, igual da última vez? — a voz infantil estava sobrecarregada de medo e a leve hesitação denunciava o choro que estava sendo preso na marra.
— Mas não vai maninho e se aparecer eu dou um jeito, dorme aí vai.
Apesar da fala rápida e truculenta Toni falava com ternura, fazendo Samuel sorrir silenciosamente. Mesmo que o moreno tenha crescido e estivesse maior e mais forte que Samuel agora, continuava com o mesmo coração mole de sempre.
Logo o silêncio tomou conta do quarto outra vez, mas Samuel continuou desperto, o calor era quase insuportável, agora finalmente entendia porque Toni estava quase pelado. Tinha esquecido como o quarto dele era quente. Quando acordou já passava das nove da manhã, a luz do sol entrava pelas frestas da janela de madeira, jogando uma luz bruxuleante no quarto. Ainda deitado esfregou o rosto, tentando acordar de vez, moveu a perna direita apenas para confirmar o que já sabia, seu joelho estava pior do que ontem. Ter ficado tantas horas no carro, sem movimentar a perna prejudicou sua articulação.
Ignorando a dor já muito familiar jogou as pernas para fora da cama e sentou, tentando afastar a preguiça. A cama ao lado da sua já estava vazia e devidamente arrumada. A curta conversa que ouviu no meio da noite entre os irmãos voltou aos seus pensamentos, aquilo o deixou intrigado. Imaginava se Toni costumava dividir o quarto com algum conhecido, pelo menos foi o que entendeu do diálogo.
Sentado na cama repassou o dia anterior, desde o momento que chegou até a hora que adormeceu. Estava frustrado, tudo estava diferente, ou melhor, Toni estava diferente, não parecia nem um pouco à vontade com sua presença, as vezes até foi agressivo. Não era bem isso que esperava. Começava a se questionar sobre sair de casa e enfrentar seus maiores temores apenas para rever estas pessoas, talvez não tenha sido uma boa ideia afinal.
Enquanto se preparava para descer e tomar café reparou melhor no quarto. Na noite anterior ficou refletindo no quintal até tarde, já que Toni aparentemente não queria muito contato. Pelo que via agora, com a luz do dia, o quarto não estava tão diferente, a cor era outra, a pintura parecia ser recente, o tom azul ajudava transmitir tranquilidade. O ventilador de teto, agora era inteiramente de metal, lembrava bem que o antigo era de madeira e ferro. Foi impossível não notar que os móveis eram os mesmos, desgastados e arranhados, se falassem podiam contar muitas histórias, inclusive do próprio Samuel.
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Unilateral
RomanceSamuel é um professor de música, depois de sete anos decide voltar a sua cidade natal para passar férias de fim de ano e tentar reencontrar velhos amigos. Mas estava surpreso ao encontrar Toni, o menino sorridente, pequeno e bondoso cresceu e havia...