O céu estava desabando em água do lado de fora. A chuva torrencial que caía batia no telhado com força, mas dentro da casa só se ouvia o barulho abafado e baixinho. A visita inesperada estava sentada no sofá da sala de estar balançando um pé de forma inquieta e de vez em quando Samuel percebia as olhadas apreensivas que recebia.
— Você quer que eu ligue para ele? — ofereceu depois de quase quarenta minutos de espera.
O visitante não soube o que responde de imediato, mas então respirou fundo e mostrou um sorriso mínimo e simpático.
— Eu agradeceria muito — aceitou enfim.
Samuel deduziu que a visita apenas estava muito preocupada com o que tinha que tratar com seu primo, afinal ele chegou ali perguntando pelo "investigador Franco", devia ser algo sério. Caio não sabia nem como falar com o músico.
Ligou para Otávio mas não foi atendido, o celular tocou até cair na caixa postal.
— Acho que ele ainda está no trabalho, uma reunião ou alguma coisa assim.
— Tudo bem, eu espero — falou muito sem graça em forçar sua presença.
— Fica à vontade — concordou com um sorriso educado.
Caio seguiu balançando o pé de forma aflitiva, até seu celular tocar de repente. Samuel o observou discretamente, viu a tensão do visitante aumentar quando olhou na tela do celular quem ligava, até fez uma careta de quem estava encrencado.
— Oi... Por nada... Não foi ideia minha... Sim, está...
O rapaz passou a mão no cabelo, meio frustrado e meio sem jeito.
— ... Não muito bem... É diferente, a maioria das pessoas já sabem o que querem, eu estou absolutamente no escuro... Não é uma desculpa... Não se preocupe eu não desisti ainda amigo... Quanto tempo eu tenho?... Em circunstâncias normais é mais que o suficiente mas o você sabe melhor do que ninguém das adversidades dessa situação... Provavelmente...
De repente Caio tirou o celular da orelha e o encarou incrédulo.
— Ainda desliga na minha cara... Estúpido! — falou consigo mesmo e esfregou o rosto frustrado.
— Problemas?
Caio coçou a nuca, nitidamente escolhendo bem as palavras.
— Era um cliente mais estressado, as vezes eu fico me perguntando como eu ainda consigo trabalhar com o público.
— Entendo — concordou com um sorriso educado e compreensivo.
Caio engoliu a saliva da boca, meio nervoso.
— Você também trabalha com o público?
— Por aí. Eu sou professor de música, então... Sim. A parte mais difícil é lidar com os pais.
— Professor de música? Nossa, me deu até uma saudade do meu violão agora.
Samuel olhou rapidamente para o visitante, curioso sobre a última fala.
— Você toca? — interessou-se já olhando o notebook outra vez.
— Tocava. Por uns dois anos eu toquei na praça do centro, era artista de rua — contou um pouco sem jeito com a última parte.
— Porque não toca mais?
A conversa foi fluindo cada vez mais facilmente, aos poucos Caio foi se soltando, sorrindo com mais facilidade, de vez em quando conferia as horas. Para surpresa de Samuel o rapaz se mostrou um grande conhecedor de Jazz e Soul Music. A conversa acabou virando um debate quase acadêmico sobre as tendências de cada um dos dois estilos musicais, suas diferenças e características únicas, até acabar nas bandas favoritas.
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Unilateral
RomanceSamuel é um professor de música, depois de sete anos decide voltar a sua cidade natal para passar férias de fim de ano e tentar reencontrar velhos amigos. Mas estava surpreso ao encontrar Toni, o menino sorridente, pequeno e bondoso cresceu e havia...