Capítulo Quatorze

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Samuel estava encostado na picape vermelha, esperando pacientemente há quase dez minutos do lado de fora da escola municipal onde Lucas estudava.

A lista de recomendações que foi obrigado a ouvir foi interminável, mas enfim estava ali, esperando o sinal tocar ao meio-dia, anunciando a famosa "hora da saída". 

Se entretinha com o celular, muito distraído, sorria um pouco ao ver as mensagens capciosas que Viviane lhe mandou logo de manhã, sempre cheia de frases de duplo sentido. Persistia com aquelas brincadeiras sobre ele "sair do armário". Tinha outras mensagens do seu primo Otávio, perguntando como estava e outras duas de uma colega de trabalho. Fez uma anotação mental para ligar para o seu primo quando ouviu o tão esperado sinal. Levantou a cabeça rapidamente e ficou constrangido com os todos aqueles olhares voltados para si.

Não tinha percebido, mas era um dos três homens ali, num verdadeiro mar de mães a espera dos filhos. A maioria delas o olhava com um misto de curiosidade e interesse. Samuel era um homem bonito, muito atraente, tinha um porte elegante. Sempre chamou a atenção do sexo oposto desde que entrou na puberdade, isso nunca mudou, mas também nunca teve muito jeito com as mulheres, flertar era o seu pior pesadelo, não tinha jeito para isso, ficava sempre travado e desconfortável quando pensava em uma possível interação romântica com uma delas.

Sua timidez era estratosférica e monstruosamente solidificada.

Aquela atenção toda só servia para constrangê-lo, fingiu não notar e ficou aliviado quando Lucas finalmente irrompeu pelo portão, abrindo o maior sorriso do mundo ao ver o músico parado ali. O menino veio correndo, muito alegre e abraçou Samuel, mas o gesto simples chamou muito mais a atenção das pessoas para os dois.

— A gente vai mesmo? — foi perguntando logo, se soltando do abraço.

Samuel sorriu da pressa da criança e numa olhada rápida viu os olhares indiscretos. A maioria tentou disfarçar quando o músico levantou a cabeça.

Nos seus poucos anos como professor acabou se deparando com situações como essa. O contraste da sua pele muito pálida com a pele negra do menino surpreendeu aquelas pessoas. 

Hipocrisia.

Preconceito indisfarçado.

As mesmas mulheres que antes se derretiam pelos seus olhos cor de mel e o cabelo loiro comprido agora não sabiam como olhá-lo enquanto abraçava um menino negro de cabelos crespos/cacheados que supostamente seria seu filho. Pessoas as vezes eram muito cruéis.

— Vamos agora mesmo, não podemos demorar. Sua mãe está esperando a gente para o almoço e ficou toda nervosa — falou calmamente, sorrindo para o menino, sem se importar que sua fala fizesse o resto das pessoas ali pensarem que Lucas era mesmo seu filho.

Rapidamente abriu a porta de trás da picape para o menino, fechando logo em seguida. Não queria que ele percebesse o clima que os rodeava. Uma criança não devia passar por esse tipo de coisa.

Assim que entrou no carro pediu para o menino colocar o cinto e ele obedeceu. Já foi tagarelando sobre muitas coisas diferentes ao mesmo tempo, em especial sobre música, foi fazendo perguntas e mais perguntas, contando coisas curiosas sobre a escola. Samuel lhe dava atenção na medida do possível, muito atento ao trânsito. Até o menino soltar uma pergunta que prendeu sua atenção.

— Tio o senhor já morou aqui?

— Sim, faz muitos anos. Por quê?

— Ouvi minha professora conversando com a dona Eulália, que é mãe de uma menina chata para caramba que estuda comigo e vive me azucrinando a paciência — até revirou os olhos para dar ênfase no quanto achava a colega de classe irritante.

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