Capítulo XXXIII

68 21 11
                                    



Depois de meia hora, Vanderwald cedeu às perguntas de Alice. Ao final, havia, de fato, duas passagens para o mundo dos humanos outrora desconhecidas. Uma delas era encontrada nas profundezas do oceano, num local tão frio que nenhum marinheiro ousara navegar, numa escuridão tão profunda que o próprio demônio tivera medo de visitar. Alice descartara tal possibilidade assim que a velha acabara de contar sobre ela, os dentes trincados e secos quase caindo de seus lábios murchos. A segunda passagem ficava ao oeste do mundo paralelo. Distante de tudo o que o Conselho coordenava. Ficava num local de terra batida, contornado por uma vegetação rasteira. A neve cobria aquele território a cada dois anos. Vanderwald os alertou que, se fossem rápidos o bastante, conseguiriam pegar a passagem ainda aberta. Por fim, a velha retornou ao seu estado semimorto, sua alma contida numa das mais belas adagas já criadas naquele mundo.

- Vou cozinhar alguma coisa. – Celeste se ofereceu para o serviço assim que chegaram na casa. Alice tinha a cabeça pesada. Como enfrentariam a neve com um grupo de crianças? Se a neve fosse tão alta quanto esperava, aquilo diminuiria sua velocidade consideravelmente.

- Não precisa! – Uma voz cantou da cozinha. Steffan apareceu no corredor que interligava a sala de estar até o ambiente em que um cheiro salgado emanava suavemente até os narizes nervosos das crianças, que brincavam descontroladamente na sala, pequenos gritos agudos e guinchos de felicidade. Alice sorriu. – As crianças estavam com fome, então começamos a cozinhar algumas coisas.

- Começamos? – Vincent indagou e, como se respondendo uma pergunta nunca feita diretamente, Max surgiu por trás do ombro de Steffan. – Ah, já entendi.

Steffan sorriu e voltou sua atenção para a frigideira que mexia tão agilmente.

Alice olhou para o lado. Riri brincava com os cabelos de Cindy, arrumando-os no topo da cabeça d agarota, suas madeixas castanhas formando uma espécie de vulcão. Riri deixou uma risada escapar e o vulcão se desmontou. Cindy também riu.

- Podem vir, a comida já está pronta. – A voz de Max os chamou. Todas as crianças correram na direção da mesa redonda. Todas com exceção de George, que permaneceu ali, sentado, de cabeça baixa e pés cruzados.

- O que foi, George? – Lena se abaixou e perguntou a ele. Alice permaneceu parada, observando-os. – Está se sentindo mal?

O menino fez que não com um leve movimento de cabeça.

- Então por que não quer se juntar às outras crianças? Venha, vamos comer juntos. – Lena sorriu enquanto estendia sua mão a ele. George a apanhou a contragosto, esboçando um sorriso tão amarelado quanto o de Vanderwald.

...

- Crianças... – Celeste começou, jogando seus cabelos para trás e pousando seus talheres ao lado do prato agora vazio. As costeletas que Steffan e Max preparam estavam deliciosas. Para as crianças, eles haviam feito frango e purê. – Vocês gostam daqui?

Apenas Riri respondeu, positivamente.

- Mas vocês sentem saudade de casa, não?

Desta vez, todos disseram que sim. George continuava a mexer em seu purê de batas com seu garfo de plástico, os olhos focalizados de mais em explorar aquele amontoado fofo e amarelado, uma camada arroxeada surgiu embaixo de seus olhos.

- Bom, e se eu dissesse que poderíamos leva-los de volta a seus pais? Gostariam disso, não?

Novamente, uma chuva positiva recaiu sobre a cabeça de Celeste.

- Pois bem. Faremos uma viagem...quando acharia melhor, Alice? – Ela indagou, mas a loira não respondeu.

- Talvez daqui dois dias. Um, talvez. Temos apenas de preparar as crianças e arrumar os suprimentos.

- Vanderwald disse que não teríamos muito tempo. – Lena ressaltou. – A passagem pode se fechar a qualquer minuto dependendo de quanta neve se acumule.

- Neve? – Max indagou. – O que é neve?

Steffan colocou o braço sobre o ombro do garoto, aproximando seus lábios do ouvido dele enquanto sussurrava:

- É simplesmente uma das melhores coisas que você terá o prazer de vislumbrar. – Ele lambeu o lóbulo da orelha do rapaz. – Isso se você nunca me vir sem roupas.

Max riu e erubesceu.

- Eu...eu quero conhecer a neve. - Max respondeu animado, embora ninguém tivesse, de fato, feito uma pergunta. A animação queimou em suas veias. – O que acha, Alice? Vamos conhecer a neve?

Alice levantou-se num salto.

- Alice? – Vincent indagou, incerto no tom de sua voz.

- George... – Foi a única coisa que ela pode dizer antes de ver o pequeno garoto caindo de sua cadeira, o garfo de plástico tombando ao lado de seu rosto enquanto uma gosma branca escorria de seus lábios finos. O brilho em seus olhos se perdia no meio da atmosfera. Seu coração palpitou demasiadamente rápido, quase explodindo em seu peito.

Alice correu ao lado dele, praticamente passando por cima da mesa. Ela repousou a cabeça dele sobre sua mão enquanto massageava seu peito, gritando para que reagisse. As outras crianças começaram a chorar, horrorizadas, enquanto corriam em direção aos braços de Celeste e Lena.

- George! – Ela chamou por ele minutos antes de ser arrancada de cima do garoto, as mãos de Vincent puxando-a para longe. – Não! George!

Mas não houve reação alguma. O peito do garoto já não se mexia. Os olhos não expressavam medo. Os lábios entreabertos pareciam implorar por uma segunda chance que nunca viria.

...

Lena ficou responsável por cuidar das crianças, tentando adormece-las no quarto do piso superior. Alice estava no frio, braços cruzados enquanto lágrimas geladas escorriam por seu rosto. Vincent cavava uma cova no jardim de grama fofa. A loira fungou e secou as lágrimas.

- O que acha que aconteceu? – Steffan surgiu ao lado dela. Tinha as mãos dadas para Max. – Eu...

- Nós partiremos pela manhã... – Ela anunciou, inexpressiva. – Avise aos outros.

- Alice, não creio que...

- Não estou pedindo, Steffan. – Ela olhou para ele, a voz firme contradizendo os olhos trêmulos. – É uma ordem. Ninguém mais deve morrer.

Max tocou os braços de Alice, seu calor sendo transmitido para a frieza dos braços dela. Ao vê-lo ali, as lágrimas desabaram por seu rosto. Ela o abraçou com toadas as suas forças, passando a mão por sua nuca, sentindo sua alma lutando para se recompor novamente dos frangalhos que já haviam sido remontados. Ela gritou de forma rápida e clara, ciando de joelhos enquanto assistia Vincent apanhando o pequenino corpo, coberto por uma mortalha cinzenta, colocando-o dentro da cova, a terra começando a cobri-lo.

- Vai ficar tudo bem, Alice. – Max disse enquanto a abraçava. Olhos fechados, sem coragem de ver tudo aquilo.

- Ele era apenas uma criança, Max. – Ela fungou, afastando-se dele. – Ele não deveria morrer. – Alice olhou para Vincent. Estava suado. Rosto frio e contraído. Ela se ergueu ao vê-lo terminar de jogar a terra sob a cova, tampando-a por completo, alisando os granulados marrons que insistiam em sobressair ao chão.

- Porra! – Ele arremessou a pá para longe, abraçando Alice, sentindo-a comprimida sob seu peito. – Me desculpe, Alice.

Ela sacudiu a cabeça de um lado para o outro.

- Chega. Chega de dizermos que sentimos muito. Chega de pedirmos desculpas. – Contornando o rosto dele com as mãos, Alice sentiu a fúria fluindo por entre seu sangue, dominando seu corpo, fazendo suas veias arderem feito brasa. – Agora é guerra, Vincent.

Seus olhos castanho fixaram-se nos dela, a convicção no brilho dos olhos amendoados de Alice fazendo-o ranger os dentes enquanto ela dizia:

- Nós vamos destruí-los. 

Voodoo Doll - O DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora