O frio que fazia era mais que incomodo. As paredes lilás me separavam do mundo, me mantinha escondida. O disco de vinil tocava uma música natalina. "Meu" novo quarto é mais frio e mais tediante do que o que eu fiquei assim que cheguei. Era como o outro, infantil, com lençóis em cores rosa e lilás com desenhos infantis na porta do closet e o mesmo cheiro de perfume de bebe. No quarto só tinha um toca discos e discos com músicas antigas.
Me dostraia olhando pela janela, que ia do teto ao chão como a de Green, só que mais estreita. Ela dava uma vista razoável, mas não como a do quarto que talvez fosse de Green. Por algum motivo, que nem eu mesma entendi, eu peguei a mania de me machucar, seja me beliscando ou arranhando, ou com um pedaço de espelho. Desde que quebrei o espelho do banheiro, escondi os cacos pelo quarto. Ainda tenho 4; eles vivem procurando, mas quase nunca acham.Fico desenhando na pele com eles, me distrai da dor que sinto; não só de saudade da família e amigos, que fazem falta em datas comemorativas como essas, mas também da dor que sinto no pulso.
Observo a neve cair graciosamente, as árvores ganharem um novo visual, o jardim começar a parecer mais puro, pois ganhava uma boa camada de neve clara. Os seguranças pareciam pontinhos de longe, o portão negro e enorme ganhava destaque.
Via tudo isso sentada de frente para a janela, encolhida, vendo a vida seguir sem mim lá fora. Já fazia um bom tempo que sentava-me no mesmo lugar e via o céu escurecer, os dias passarem. Os meses não sei ao certo, pois desta vez eu não contei. O casaco de lã - provavelmente feito a mão - de natal escorregava por meus ombros, pois emagreci muito neste meio tempo.Só o que comia era uma tigela de sopa quando o sol começava a se por. Assim acabei emagrecendo muito, conseguia-se ver meus ossos, mas não tinha uma visão completa de meu corpo desde que quebrei o espelho.
Na noite do meu aniversário Green se irritou comigo, pois parei de falar novamente. Apareceu dois dias depois e ficou gritando comigo, então eu chamei-o de "cretino sádico" sem querer e ele me bateu, acabou quebrando meu pulso. Quando ele me arrastou para esse quarto eu pude ver a vermelhidão em seus olhos. Desde então não o vejo. O moço bonito que me deu a injeçao veio aqui algumas vezes para ver meu pulso, a primeira foi dois dias depois de eu ter o quebrado, quer dizer, eu acho que quebrei. Depois disso ele só veio olha-lo depois de enfaixado e falar que meu braço já estava bem.
Olhei para a meia 3/4 grossa em minhas pernas descobertas. Só o que eu vestia era o casaco, as meias e a calcinha, apesar do frio.
O horizonte era tão bonito daqui, os pinheiros cobertos pela neve, o horizonte plano também coberto por neves e uma estradinha onde passava um trator as vezes. Queria muito ter visto isso ano passado, para ajudar a me confortar, mas estava encarcerada.
O pedaço de espelho reluziu quando liguei o abajur, pois estava começando a escurecer. Peguei o pedaço de espelho e sentei-me mais perto da janela. Deixei minha respiração embasar o vidro e desenhei algumas formas. Estiquei a perna e levantei o casaco de lã até a cintura. A ponta do espelho afundou devagar em minha pele, arrastou-se lentamente deixando o sangue escorrer por onde passava. Terminei e fiquei observando aquela pequena palavra em inglês em meio aos outros desenhos já cicatrizado. Freedom. Liberdade. Tudo o que eu mais queria. Sentir o vento bater em meu rosto em uma tarde de domingo no parque. Ouvir a risada estrondosa de meu pai, a risada esganiçada de minha mãe, a risada engraçada de Teddy e a contida de blonde. O cheiro gostoso de peru que minha mãe fazia nesta época do ano. As histórias engraçadas que os pais de blonde contavam no final da ceia.
Só percebi que apertava o caco do espelho quando o sangue pingou em minha perna. Soltei-o no chão e olhei os cortes que sangrava. Uma lágrima pingou no corte, fazendo-o arder. Esfreguei minha mão em cima da palavra que acabara se escrever. Fechei os olhos e senti a saudade cada vez mais forte. Sem perceber, estava esfregando a mão suja de sangue no rosto. Todo o som sumiu, so ouvia a voz do que sentia saudade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Síndrome de Estocolmo
RomansaTalvez eu devesse ter continuado calada. Talvez seus olhos não tivessem me deixado tão fascinada. Talvez eu devesse ter ido para casa naquele fatídico dia. Talvez devesse acontecer muita coisa. Talvez não. ...