Capítulo 5

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Naquela semana iria ter aulas com um instrutor no grupo de teatro que usava algumas técnicas orientais no trabalho do ator. Fazíamos alguns exercícios de meditação ativa para preparar o corpo para o trabalho. Ele seria nosso diretor na nova peça que montaríamos.

Estava ansiosa pela primeira aula, mas para variar eu estava atrasada. Depois do inglês mal me despedi dos meus amigos e me dirigi para o teatro. Nosso grupo se constituía de cinco pessoas, me sentei na rodinha já pronta meio desconcertada pelo atraso, reparei que Gilson, o novo instrutor, estava sentado na posição de lótus, era moreno, bem magro, baixinho, tinha uns olhos negros sedutores esquisitos, era bem feio na verdade para o meu gosto, usava calças de tactel largas e uma camiseta branca meio gasta, sua voz era mansa:

− As técnicas de meditação ativa – começou ele − compreendem uma série de atividades físicas conduzidas por músicas especialmente compostas para orientar as principais técnicas criadas por Osho, dando um suporte energético e aprofundando a intensidade do processo. As meditações consistem numa variação entre um chacoalhar, uma respiração, uma dança e terminando com relaxamento e silêncio.

Achei interessante essa tal meditação ativa, as outras me davam muito sono e não conseguia me concentrar.

− Quando você não está fazendo absolutamente nada – explicava embevecido, aquela careca me lembrava um filme que um monge tibetano contava a história de Buda − corporalmente, mentalmente, em qualquer nível, quando toda a atividade cessou e você simplesmente é, apenas sendo, isso é meditação. Você não pode fazê-la, você não pode praticá-la; você tem apenas que compreendê-la. Experimentamos um tremendo contraste entre a energia da vigorosa atividade física e a quietude e o silêncio.

Não sei bem o que tinha a ver com teatro aquilo, mas me interessei profundamente pela tal meditação, quem sabe assim o Nino não me olharia diferente.

− Hoje vamos começar com a kundalini – comandou Gilga, coincidência ou não era a mesma energia que havia pesquisado.

Dediquei-me com afinco no despertar dessa energia. Começamos num chacoalhar pequeno das pernas que reverberava por todo o corpo por aproximadamente quinze minutos, a música de repente mudava e nos levava para uma dança livre, depois sentávamos de olhos fechados percebendo as sensações físicas e mentais, logo depois deitávamos no chão em silêncio sem nos mover.

Dessa maneira, eu esperava conquistar Nino, mas não percebi que estava fazendo um pacto com o mal, o esvaziar o pensamento fazia minha mente ficar em um estado passivo, permitindo, assim, esse espírito me manipular conforme a vontade dele.

Depois de algumas aulas como essa, passei a sair mais, na esperança de me aproximar de Nino. Saía todos os dias, inventava lugares e coisas para fazer. Finalmente consegui tirar a carteira, portanto o Avokate superlotava na hora de ir embora, não me incomodava porque um passageiro em particular fazia toda rota comigo, Nino. Afortunadamente ele morava no caminho da minha casa e o deixava por último para desfrutar mais da sua presença.

Em um desses dias eu estava mais alegre que de costume, me arrisquei a tomar uma tequila. Essa bebida despertava o estranho efeito de liberar traços menos dignos da minha personalidade, falava demais, brincava e dizia que amava todo mundo, no fundo realmente sentia amor pelos meus amigos, mas a tequila aumentava profundamente esse altruísmo pelo resto da humanidade, além de ser um recurso que usava para passar o medo.

O trajeto para casa estava particularmente interessante nessa noite, coloquei um CD do Guns n' Roses e cantava com um entusiasmo admirável. Axl Rose, o real motivo de eu ter começado a fazer aulas de inglês me ajudou muito a aprender essa língua, comprava aquelas revistas de músicas traduzidas e decorava quase todas por horas a fio, naquela época a internet era pouco explorada, aliás ainda era discada e a gente só entrava depois da meia-noite porque era mais barato, você só pagava um pulso de telefone, então eu corria atrás das livrarias para conseguir as letras das músicas.

"Shed a tear cause I'm missing you. I'm still alright to smile. Girl, I think about you every day now. Was a time when I wasn't sure but you set my mind at easy. There is no doubt you're in my heart now" − eu cantava a letra certa e sabia exatamente o que ela queria dizer, ao contrário de Nino que me olhava com um leve sorriso.

Eu tremia enquanto dirigia, tentava fazer o tempo parar e o carro não correr, eu o olhava de relance e pensava o quanto gostava da sua presença, imaginando dizer algo que prendesse a atenção dele, me passava tanta coisa pela cabeça, queria dizer algo, mas quando olhava para ele tudo parecia banal, impróprio, as palavras estavam num cofre de difícil acesso e continuavam não ditas. "Não tenho coragem", pensava, gostava de vê-lo tão sereno, tão preocupado comigo, tão atencioso, isso ultimamente só acontecia quando estávamos sozinhos.

− Como se livrar das pulgas? − perguntou. Tira toda a roupa longe da cama.

Antes que ele pudesse terminar sua filosofia de como se livrar das pulgas quando parei no cruzamento, um cachorro que estava na esquina olhou nos meus olhos e avançou latindo por cima do carro.

− Sinistro − falei em um riso nervoso. − O que ele terá visto?

− Há perigo na esquina e não há mais sinal para nós que somos jovens − Nino cantarolou uma música cantada pela Elis Regina.

− Não pare na pista, tome cuidado para você se acostumar − cantarolei de volta uma música do Raul Seixas.

Rimos do acontecido, fiquei tentando inventar outras coisas para impressioná-lo, o caminho parecia curto e já me aproximava da sua casa. Nino começou a falar alguma coisa, mas quando olhei nos seus olhos eu só conseguia pensar: "Você não gostou de ficar comigo? Será que poderia se apaixonar por mim? Faça uma música para mim, eu procuro sua luz no fim do túnel, mas fico nervosa, não tenho coragem de te falar nada, eu..."

− Kate − gritou. − Vai devagar, essa esquina tem uns loucos.

Não notei que tinha avançado no pare desenhado no asfalto. Afinal minha mente não estava mais ali. Parei de súbito. Não sei se pelo susto ou pela atenção dele toda em mim, fiquei paralisada.

− Não precisa ficar meia hora também − ele riu.

Infelizmente aquela era a última esquina antes de chegar até a casa dele. Parei o carro, Nino ameaçou sair, peguei seu braço. Axl cantava os últimos acordes "I need you".

− Espera − disse abaixando o som, ele me olhava em um misto de confusão. − Nino, estou apaixonada por você − soltei sem pensar bem no que acabava de falar, acho que o Guns me encorajou.

− Kate, você é uma garota linda, inteligente e se não fosse inteligente eu nem falaria com você, mas...

− Tudo bem, não precisa continuar − eu já esperava por uma resposta negativa.

− Foi bom ficar com você, mas estou trabalhando muito para gravar meu CD, quero fazer sucesso e namorar não está nos meus planos.

− Desculpe, estou meio alterada, esquece o que eu disse, boa noite! − falei já sentindo a garganta ficar embriagada por um choro que iria despencar.

− Ah, garota vem cá − disse me beijando daquela maneira que só ele sabia fazer. Meu coração acelerou, queria prolongar o momento o máximo de tempo possível, mas logo ele parou. − Boa noite, gatinha!

Fiquei sem entender nada, mas rindo por dentro enquanto tecia esperanças de removê-lo da decisão de não namorar. Gostando de ser a única com carro, assim esse beijo poderia se repetir algum dia. Perdi o sono, o galo cantava distante.


Ahava- O amor é possívelOnde histórias criam vida. Descubra agora