Capítulo 2

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Eram dez horas quando eu e Ju chegamos ao New York, ele havia me pedido uma carona para levar o equipamento de som, aliás, eu sempre estava dando carona para algum amigo, meu carro parecia uma lotação, arte no Brasil não rende muito dinheiro, então ninguém tinha carro, por isso o meu era bem requisitado, meu também era modo de dizer, tecnicamente ele pertencia à minha mãe, eu estava tirando a carteira, e corria um grande risco porque a polícia sempre estava dando blitz, mas a necessidade faz o ladrão, como eu poderia tirar carteira sem praticar? Afinal, se eu reprovasse mais uma vez no exame de rua iria acabar com o pouco de dinheiro que consegui economizar.

Fato é que minha mãe sempre me emprestava o fusca verde dela que foi carinhosamente apelidado de Avokate. Dani era um daqueles caras brincalhões onde tudo vira piada e às vezes viajava na maionese, ele era gerente de uma escola de línguas, a mesma onde eu e André estudávamos inglês, quando descobrimos que abacate era avocado, Dani imediatamente fez uma piada sobre o verde do meu carro com o verde do avocado, sua mente trabalhava rápido, não entendi bem a associação, mas meu carro foi apelidando de Avokate.

Avokate já estava virando atração turística da cidade, pois as pessoas já me associavam ao carro verde sempre cheio de gente pelas noites da cidade. Se ele falasse, teria muitas histórias para contar.

Estava pensando em André e na nossa conversa no Cristo, será que ele realmente estava virando evangélico? Como isso poderia acontecer com ele? Será que ele iria andar de terno com uma Bíblia na mão? Tinha a impressão que essas igrejas faziam lavagem cerebral nas pessoas. Eu já tinha assistido alguns programas na TV em que eles vendiam saquinhos de cimento abençoado, comprando o saquinho abençoado você estava garantindo a sua própria casa na Terra, ainda bem que era na Terra porque vender um pedaço do céu era incoerente, tinha também a vassoura para varrer o diabo da sua vida, rosa ungida, sabonetes de purificação espiritual entre outras coisas que para mim tinham a única finalidade de enganar pessoas e ganhar dinheiro, e não era muito diferente das indulgências católicas onde compravam-se favores de Deus. O impressionante era que a tal igreja tinha muitos membros e um mercado frutífero. Não era possível que André estivesse caindo num golpe tão grotesco como esse, ele sempre foi muito inteligente, estudado, se essa história fosse longe demais eu mesma teria que abrir os olhos dele.

Crente, parecia piada. Conheci uma menina crente certa vez, ela só podia usar saia, no inverno ficava com pena dela, achava um absurdo ela ter que passar frio por causa de uma doutrina tão bitolada como aquela. Ela também não podia cortar o cabelo e se fazia de santa, mas nem era tão santa assim porque apareceu grávida, sem marido e teve que parar de estudar para cuidar do rebento.

− Kate? − fui interrompida em meus pensamentos. − Pega o microfone que esqueci no carro para mim por favor.

− Claro, Ju − respondi mecanicamente.

Encontrei Mila e Dani no balcão se beijando.

− Ei, alguém tem que trabalhar para ganhar o leite das crianças − brinquei interrompendo a cena romântica que se desenrolava à minha frente entregando o microfone ao Dani.

− E aí, lady Kate? – cumprimentou Dani me dando um beijo no rosto e saindo para ajudar o Ju a ligar os equipamentos.

− Oi amiga.

− Oi Mila, você está com o batom borrado.

Mila era uma garota linda, loira de olhos azuis, eu a conheci na escola de inglês. Quando ela veio para Poços fazer faculdade de turismo acabou se apaixonando pelo Dani, a primeira vez que a vi pensei que ela nunca iria falar comigo, pessoas lindas como ela não falavam com pessoas esquisitas como eu, mas surpreendentemente ela foi se achegando devagarzinho, sorrindo um sorriso bobo, foi se aproximando e quando percebi, viramos melhores amigas. Assim, descobri que ela era linda por dentro também.

Ahava- O amor é possívelOnde histórias criam vida. Descubra agora