Capítulo 8

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No fim de janeiro em uma quarta-feira estávamos no New York para comemorar o aniversário da escola de inglês, era uma festa mexicana, surpreendentemente André estava conosco naquela noite:

− Kate, estou preocupado contigo. Tive um sonho estranho uns dias atrás. Você estava numa casa velha e de repente uma senhora que vendia flores te deu alguma coisa que não lembro bem o que era, mas logo essa senhora se tornou uma serpente que se enrolava no seu dedo colocando uma espécie de corrente que ela segurava com a boca.

− Credo, eu hein, André, isso foi pesadelo e não sonho − retruquei.

− E como está seu coração? − perguntou.

− Está bem − respondi desviando o olhar. − Faz tempo que não vejo o Nino e estou ensaiando bastante para o teste em Porto Alegre − tentei mudar de assunto para evitar que ele descobrisse a verdade. − Estamos preparando tudo para a viagem, logo vou virar gaúcha.

A conversa continuou solta quando vi Nino na porta com mais duas pessoas a tiracolo, uma era o Beto, um colega que viera visitá-lo, e para minha surpresa, a terceira pessoa vinha de mãos dadas com Nino, uma menina muito bonita de olhos verdes-claros e cabelos cuidadosamente cortados negros e longos.

Pedi um conhaque com mel para o barman para disfarçar minha ansiedade e quando me virei eles estavam atrás de mim, consegui pronunciar um oi meio sem graça. Senti meu coração parar e voltar a bater acelerado.

− Oi Kate, esse é o Beto − falou.

Eu conhecia o Beto, ele morava em Alfenas e tocou com o Dani quando fomos lá uma vez comemorar o aniversário da Mila.

− Eu o conheço, tudo bom, Beto? − falei dando um beijo no rosto dele.

− Essa é Ester, minha namorada − falou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Era a garota do réveillon. Meus olhos treinados percorreram cada centímetro do corpo dela, pude analisar cada detalhe em um segundo, ela era bem magra e vestia uma blusa branca com uma jaqueta jeans por cima, estava com uma saia curta e botas de cano curto, quem colocava botas no verão? Apesar de que Poços de Caldas tinha uns verões esquisitos, quando chovia muito fazia frio. Ela segurava um cigarro entre os dedos, usava pouca maquiagem, bem, se ela usava batom já havia saído.

− Oi − disse apertando a mão dela e sentindo meu mundo cair.

− Oi Kate, eu sou a Ester − ela falava baixo e parecia um pouco tímida até, seu sorriso mostrava os dentes perfeitos.

Meus pés pareciam querer sair correndo daquele lugar para nunca mais voltar. Procurei por Mila, mas ela estava ajudando com os convidados da escola. Fui até a mesa onde estava Ju e André, me sentei tomando o conhaque quase todo que estava segurando.

− Oh, gatinha, calma, a noite é uma criança − brincou Ju.

Não conseguia responder, e uma lágrima queria sair dos meus olhos sem a minha permissão. O trio sentou em uma mesa perto do som, eu acompanhava Nino e tentava decifrar cada gesto que ele fazia, vi que Ester o beijava no pescoço com certa intimidade e sorria para ele que retribuía com grande entusiasmo beijando-a nos lábios. Aquela cena quebrava meu coração em pedacinhos que nunca poderiam ser remendados. De certa forma a tal entidade tinha razão, eu teria notícias dele, mas não eram as que eu esperava. André percebeu meu estado.

− Kate?

− Quê? − respondi em um sussurro.

− Você está branca, vem. Vamos sair um pouco, tomar um ar.

Me deixei arrastar por André e desabei chorando.

− Ei, o que aconteceu?

− Dé, o Nino está na-mo-rando − falei a última palavra entrecortada.

Eu o amava com todas as forças do meu coração, eu o idealizava como sendo o namorado ideal, aquele cara que toca e sempre leva junto a namorada que é atriz, um casal artisticamente perfeito, aliás eu tentava fazer de tudo para realmente merecer ficar do lado dele, conversava com todos, fazia os amigos dele rirem, ouvia as músicas que ele gostava, me interessava por tudo o que ele se gostava. Um dia nós faríamos sucesso e ainda estaríamos juntos dando entrevistas no Jô Soares. Eu estava amando uma ilusão.

− Você sente um grande vazio, né? − perguntou André se referindo a algo mais profundo.

− Sinto, na verdade parece que enfiaram uma faca no meu peito e fizeram um buraco enorme no meu coração.

− Você está vivendo uma vida perigosa, Kate. Nós quase não nos falamos mais porque sempre está em alguma balada atrás desse cara. Eu sei que rola droga de vez em quando. A Rita me contou que você não foi em alguns ensaios do teatro porque se esqueceu, mas você nunca se esquece dos seus compromissos, eu sei que você está saindo demais e fica cansada para ensaiar.

− Para, André, eu não preciso de sermão uma hora dessas. Tô sofrendo, você não está vendo?

− Tudo bem Kate, mas me preocupo com você, tenho orado pela sua vida, hoje eu vim aqui por sua causa, queria saber como você estava. Vamos embora desse lugar, se você voltar vai ser pior.

− Não! − gritei. − Se ele não me quer tem quem queira.

Respondi voltando para dentro, sem me preocupar se André voltava comigo, não o vi o resto da noite, então presumi que havia ido embora. Pedi uma marguerita dessa vez, e quando tocou The Doors eu subi na cadeira e dancei que nem uma doida. Todos acharam muito engraçado e ainda me aplaudiram. Queria mostrar ao Nino a mulher que ele estava perdendo, acabei impressionando o amigo dele, o Beto.

Quando desci da mesa quase me desequilibrei, Beto me segurou falando alguma coisa que não entendi, mas também não interessava, quando me dei conta estava ficando com ele. Beijava o Beto de maneira provocante, rindo a qualquer gracinha e tentando me fazer de indiferente. Podia sentir o olhar de Nino me fuzilando, não sei se de ciúmes ou de raiva por aquela situação ridícula.

Nino foi embora com Ester, e eu me sentia completamente rejeitada, acabada, bêbada. O Beto era bem bonito, negro de cabelo black power, tinha um estilo meio grunge, tocava baixo, não foi tanto sacrifício assim ficar com ele, eu estava carente e acabei esticando a noite no apartamento de um amigo dele. Eu me sentia péssima, a pior de todas as criaturas. Fiquei com o Beto somente para me vingar do Nino, vingança essa que não atingia o alvo, pois este estava pouco se importando, mas eu queria esquecer e me sentir amada naquela noite, então, o primeiro que abriu os braços eu me atirei.


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