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DIÁRIO DE FÁTIMA

"Minha mãe me disse que vai ser melhor assim: na minha nova casa eu terei comida de qualidade todo dia, além de frequentar a escola e ter amigos.

Eu sei, mãe. Pensei comigo. Mas eu queria mesmo era estar com vocês. Principalmente com minha irmãzinha Catarina.

Minha mãe dobrou os beiços e me abraçou tão forte como nunca havia me abraçado antes".

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No dia seguinte, Janete se apresentou oficialmente para o trabalho. Petrificou-se com a bela casa da família Peixoto. O modelo era do tipo bem padrão do bairro, com dois andares, muito bem dividido. No térreo, uma bela sala de estar dominava praticava quase todo o compartimento. A cozinha ficava aos fundos, também muito ampla, muito boa para se trabalhar, pensou Janete. O andar superior era composto de cinco quartos sendo quatro com suíte, e um solitário, distante dos demais. A família Peixoto chamava de o quarto dos fundos.

A sra Peixoto mostrou os já descritos compartimentos da casa e em especial o de Joaninha que já estava de pé coçando os olhos quando Janete e a Sra Peixoto entraram.

— Meu amor. — disse a sra Jamila pegando a filha no colo e lhe dando um beijo. — Acordada à esta hora! O que aconteceu, caiu da cama?

— Quem é essa mulher? — perguntou a menina toda tola com o dedo indicador quase na cara de Janete.

— Essa mulher se chama Janete e será a nova empregada da casa, e sua babá também.

— Mas e a Fátima, quando vai voltar?

— Acho que já conversamos sobre isto, Joaninha.

— Eu sei, mãe, mas é que ainda vejo coisas suas pela casa. Se ela foi embora, por que não levou tudo? — dizia a garotinha fazendo careta de confusa.

— Oi, mocinha. Como você está? — disse Janete.

— Tudo bem. — respondeu a garotinha se escondendo entre as pernas da mãe.

— Ah, ela é tímida. Não precisa se acanhar. Seremos agora melhores amigas.

— Melhor que a Fátima?

— Não sei. Vou tentar. — sorriu Janete.

— Fátima era a minha melhor amiga. Sempre brincávamos juntas de boneca. Você gosta de bonecas?

— Sim, adoro. Tenho uma coleção de antigas bonecas. Guardo desde que tinha sua idade.

— Nossa! Elas devem ser bem velhas. — disse franzindo o cenho.

Janete e sra Jamila soltaram uma gostosa gargalhada.

— Joaninha, que isso! Janete não é velha. A propósito, quantos anos você tem, Janete?

— Quarenta e sete, senhora.

— Oh, bem nova.

— Nem tanto. — sorriu Janete, novamente.

— Venha, vou levá-la ao quarto em que descansará. — disse Jamila com as chaves nas mãos.

— Pois não. Até daqui a pouquinho, Joaninha. — disse Janete.

Janete acompanhou a sra Peixoto por um breve corredor adornado de belos lustres. O quarto onde agora seria o seu aposento durante a estadia na casa dos Peixotos, ficava numa parte esquecida da casa, era um compartimento escuro, triste, com paredes sujas e infiltradas. Quando a sra Peixoto abriu a porta, um cheiro forte de mofo quase lhe derruba. A sra Peixoto tossiu, com um lenço na boca.

— Entre. —  disse Jamila Peixoto.

Alguns desenhos chamaram atenção de Janete. Parecia ser feito por uma criança triste e solitária. Uma cama baixa, de um colchão sujo e velho, estava à disposição de Janete, a nova dona do quarto.

— Vá desculpando o mau zelo do quarto, é que a pequena que morava aqui era uma benção. Olhe o que ela fez com estas paredes que eram tão lindas, riscou todas, além de sempre urinar no colchão que a presenteamos. Mas não se preocupe, estes dias mesmo compraremos um novo.

— Não precisa pressa, sra Peixoto. Ficarei bem.

— Que bom. Adoro pessoas humildes.

Janete assentiu.

— E esta moça que morava aqui, é a quem Joaninha estava falando?

— Sim, sim. Fátima. Pobre menina. No fundo eu tinha pena dela. Morreu de pneumonia, aí mesma nessa cama, você acredita?

— Aqui nesta cama?

— Sim.

— Meu Deus!

— Sim. Uma menina tão nova. Dávamos de tudo para ela, porém tinha problemas. Era imunda. Mal criada. Sempre me desrespeitava. Eu sempre a dizia que ela tinha o sangue ruim, pois pra mim essas coisas de maldade vêm do sangue, ou da criação, sei lá. Meus filhos não são assim como você verá. São crianças maravilhosas, você os vai conhecer. Olhe, Janete, apesar de tudo que ela me aprontava, eu não a tratava mal. Deus do céu esta vendo tudo. Dávamos tudo que uma pessoa podia ter. Mas infelizmente ela era assim.

— Quantos anos ela tinha? — perguntou Janete, interessada.

— Doze anos. Eu a peguei do interior para criar. Seus pais eram pobres, pobres, tadinhos. Vendiam bombons em ônibus na estrada para sobreviver. Sempre enviávamos dinheiro a eles, para ajudar, sabe. Somos uma família religiosa e sempre presamos para fazer o bem ao próximo. Você tem religião, Janete.

— Sim. Sou crente.

— Crente? Ora, também sou crente. Especifique a crença.

— Sou Cristão. Isso basta.

— Ah, muito bem. — disse a mulher, com desdém. — Bom, vou deixá-la só agora para ir ajeitando as suas coisas. Seja bem vinda, Janete. Mais tarde chega o resto das crianças e o meu esposo Antonio. Fique a vontade.

— Obrigada, sra Peixoto.

— Com licença.

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