O Quarto Dos Fundos

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Na manhã seguinte, a sra Peixoto acordou com um sono pesadíssimo. Parecia que não tinha dormido a noite inteira. Olhou-se no espelho e viu que seus olhos pareciam como de pandas após uma longa noite de farra. Havia sonhado a pequena Fátima. Ficou um pouco deitada na cama, o esposo já havia ido trabalhar, pensava então no que a filha tinha dito na noite passada quando estavam na festinha de aniversário. Havia brincado o dia inteiro com aquela moleca? Pensou. Crianças! Sorriu.

No quarto à frente, Bianca e George ainda dormiam.

— Que merda! Antônio não chamou as crianças para i à escola.

Também pudera. Antônio Peixoto também ainda estava atordoado com o que viu na noite passada. Nunca havia presenciado algo sobrenatural na vida. Não quis contar nada a ninguém,  guardaria aquilo para que não caísse no ouvido das crianças.

Após abrir a porta do quarto e ver que os filhos ainda estavam por lá, a sra Peixoto gritou:

— Acordem para o colégio! — o berro que fez com que os dois pulassem da cama.

Foi até à sala de estar e sentiu um cheiro formidável vindo da cozinha. Eram ovos mexidos. Adorava ovos no desjejum. Parecia que Janete queria lhe agradar àquela manhã.

Ao sentar na mesa, Janete colocou os ovos, bolo, chocolate quente e umas frutas para acompanharem o café. Quando Jamila Peixoto colocou os ovos em seu prato, exalou um odor repugnante. Os ovos estavam podres. A sra Peixoto olhou de soslaio para Janete e tampou imediatamente a panela.

— Merda! Estes ovos estão podres! Você não viu isto, Janete?

— Podres?! Mas como?

— Veja você mesma, mulher.

— Não entendo! — respondeu Janete, apreensiva. — Os ovos estavam perfeitos.

— Sim, sim, estavam. Mas você já comeu o que estava bom e me deu essa merda pra comer. O que está acontecendo com você, Janete?!

— A sra acha que isto foi proposital?

— É o que está parecendo. Ou você não sentiu esse cheiro de bosta quando preparou? — a sra Peixoto parecia mesmo irreconhecível.

Janete saiu lagrimando da cozinha para a sala após preparar um misto quente para a patroa. Não entendia porque os ovos estavam podres daquele jeito. Preparou com tanto amor para a família. A sra Peixoto continuava resmugando na cozinha, "Será que essa mulher não viu isso, pelo o amor de Deus. Já não bastam minhas louças, meu micro-ondas e enceradeira que ela andava quebrando. Isso já é demais, vou ter que descontar no salário dela", pensava Jamila.

O que ela estava falando? Já ganhava tão pouco para a patroa descontar. Não era justo aquilo. Nem mesmo havia quebrado essas coisas como dizia a patroa. Nunca havia tocado no micro-ondas até então. Mas como explicar isto para uma pessoa fora de si como a sra Peixoto? Jamais pensou que a mulher falara um dia assim com ela. Afinal, parecia uma pessoa tão espirituosa.

Janete precisava de descanso, era verdade. Mas com o quê? Sua vida era dedicada apenas ao trabalho. Achava tudo quanto era diversão uma perda de tempo. Talvez estava ficando velha. Mas por que tem que ser velha para ser rabugenta, indisposta e antiquada para a diversão? Na verdade ela sempre foi daquele jeito, desde que fora uma criança que cuidava da casa dos outros em troca de uma refeição e não tinha tempo nem pra pular corda.