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Quase ao amanhecer do dia, por volta de cinco da manhã, a sra Peixoto acordou com uma panela caindo na cozinha. Levantou-se, rapidamente, calçando a pantufa e saindo pela porta do quarto. Desceu as escadas com passos lentos, não queria espantar o impertinente. Estava quase certa de que era um rato invadindo a cozinha. Ouvia os grunhidos destes em cima do sótão, ou, quando não, os via de canto de olho correndo pela varanda, bem ariscos. Com a luz do celular nas mãos, iluminou a sala entrando até à cozinha onde viu uma panela de pressão caída mesmo ali. Só pode ser essas pragas, resmungou. Ao subir as escadas, para voltar para a cama, se espantou com Janete saindo do quarto com uma toalha na mão.

— Janete!

— Bom dia, sra Peixoto.

— O que está fazendo?

— Vou tomar um banho.

— Mas a esta hora? Está tão frio.

— É o costume.

— Por acaso, você desceu ainda agora até à cozinha pra fazer alguma coisa?

— Não. Acabei de acordar. Por quê?

— É que ouvi um barulho na cozinha e encontrei a panela de pressão caída.

— Acho que me acordei com o barulho dela também.

— Devem ser ratos. Esta época do ano eles aparecem. Tire o dia para limpar este sótão. Deixe que eu cuide da Joaninha por hoje.

— Tudo bem, sra Peixoto. Agora vou tomar meu banho. Com licença.

Quando a noite veio, Janete fez sua cotidiana oração. Fechou os olhos e viu os desenhos na parede. Eram tristes, feitos nitidamente com as mãos tremendo. O quarto, por si só, era triste, lúgubre. Sentia-se mal, com uma inquietação no corpo. Olhava para o teto e enxergava apenas o breu. Era estranho, às vezes pressentia que alguém estava lhe olhando ali do alto. Algo pingava do teto e caía nas pernas, às vezes no braço ou no rosto. Não eram pingos de chuva, pois não chovia. Podia ser ovos de baratas ou outra coisa. Aquilo a perturbava a noite inteira. Acordava sempre cansada no dia seguinte, com as pálpebras pesadas. O remédio que comprara até que deram jeito nos espasmos. Mas agora era outra coisa que temia.

A primeira semana de Janete na casa dos Peixotos foi assim. Muito trabalho e pouco sono. Dias depois, quando novamente não conseguia uma pestana, resolveu ler o pequeno diário de Fátima. Pediu perdão a Deus pelo o que estava fazendo. Não era certo, sabia. Mas parece que alguma coisa impulsionava aquilo.

Sentou-se na cama e a chuva castigava o telhado com uma fúria perversa. Abriu o pequeno caderno e leu:

Escrito por Fátima 23 de...

Hoje é meu primeiro dia na casa da família Peixoto. Como estou feliz. Me encantei com a pequena Joana de nove meses de idade. Ela é um anjo lindo de Deus. Seus filhos também parecem legais, apesar de não terem falado muito comigo. A senhora Jamila Peixoto aparenta ser uma patroa muito legal, o sr Antônio também. Foram cordiais neste primeiro dia.

Chorei quando parti de casa, mas minha mãe me disse que seria melhor assim, que eu não podia mais ficar ali, passando fome com os restos dos manos. Acho que vou podê-la ajudar quando conseguir meu emprego, assim que me formar. Obrigada meu Deus pelo o novo começo de vida.

"Que lindinha", disse Janete virando a página.

"A sra Peixoto foi muito rude comigo hoje. Disse que a louça estava mal lavada e deu com ela na minha cabeça. Caí no chão, tonta, quando Bianca entrou na cozinha rindo da minha cara. O galo está crescendo muito na minha cabeça. Minha mãe disse que quando a gente não cuida dele ele canta a noite inteira e vem bicar nossa cabeça. Estou com muito medo disso acontecer. Este quarto é quente e escuro, não tem janela e não bate um vento. Tenho vergonha de pedir um ventilador à sra Peixoto. Vou ter que dormir assim mesmo, com medo do galo vir me pegar e com as muriçocas me comendo viva a noite toda".

"Meu Deus! Que barbaridade!", exclamou agora Janete, absorta. "Não sabia que a sra Jamila Peixoto fosse tão rude assim.

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