Janete respirou fundo colocando sua valise em cima do colchão úmido, recheado de mofo. A luz fraca, cedendo seus últimos artifícios, iluminava debilmente o quarto esquecido por dias. O chão era como a rua, com muita terra, era o único compartimento da casa que não era lajotado.
O pensamento veio agora naquela coisa esquisita que viu no quarto da pequena Amy. O que seria aquilo? Um vulto provocado pelas córneas com princípios de catarata? Não! Era bem nítido. Mas negava ser algo sobrenatural. Sua crença não acreditava em coisas do tipo.
Os mortos não estão conscios de nada
Janete atribuía acontecimentos sobrenaturais sempre ao diabo, o opositor, o causador de todos os males da terra. Ajoelhou-se com a bíblia aberta no Salmos e fez uma breve oração, abençoando a casa e o quarto dos fundos onde aquela pobre menina morrera.
Observando agora o teto do quarto, percebeu que não possuía forro, parecia mesmo um quarto inacabado com várias vigas de madeiras entrelaçando-se, cheias de poeiras. Um guarda roupa velho, entulhado de panos sujos, cheirando a cravinho, ocupava o canto esquerdo da cômoda. Tirou-os dobrando cada um e colocou agora a pouca roupa que trazia. Eram camisas usadas que havia ganhado dos antigos patrões, bem como saias compridas e dois pares de sapatos para trabalhar.
Avaliando agora os desenhos na parede, feito não com canetas ou outro instrumento de escrita, mas sim com algum objeto pontiagudo, como faca ou agulha de crochê, viu uma família alinhada segundo a sua hierarquia. Pai, mãe, três filhos. Pareciam felizes com sorrisos nos lábios. Porém, no canto direito do desenho, bem afastada da família, quase que imperceptível, havia uma garota de longos cabelos, com trajes rasgados, triste e com os olhos lagrimando. Janete empalideceu. Era assim que a pobre criança se via na família Peixoto, como um animal abandonado, jogado no canto?
— Tadinha! — Janete não pôde deixar de exclamar.
Na hora do almoço, chegavam às crianças. Bianca e George Peixoto. O garoto George foi correndo para o seu quarto para testar um jogo que havia emprestado de um colega.
— George, venha conhecer a nova empregada! — berrou a sra Peixoto na sala de estar, cosendo algo novo.
— Depois, mãe! — gritou o menino fechando a porta com violência.
— Malditos jogos eletrônicos! — grunhiu a mulher.
— Oi, mãe. — disse a menina Bianca.
— Oi, filha. Esta é a Janete, será nossa nova empregada e babá da Joaninha.
— Que bom. — disse a menina nem sequer dirigindo um olhar à Janete que estava na porta da cozinha sorrindo um sorriso amável com seu avental molhado e as mãos cheirando a água sanitária.
Ao meio dia e meia, já estava tudo pronto para o almoço. Na verdade, tinha apenas uns bifes para fritar. Havia sobrado bastante arroz do dia seguinte e a sra Peixoto pediu apenas para requentar, pois não queria jogar comida fora como andava fazendo.
Joaninha já havia comido em sua cadeirinha especial. Era uma dócil menina que dificilmente dava trabalho. Passava o dia no quarto brincando com suas bonecas ou, às vezes, desenhando.
Meia hora depois, Bianca descia.
— Mãe, o Haroldo resolveu almoçar aqui também.
— GEORGE! – gritou como uma louca a sra Peixoto. – VENHA ALMOÇAR!
— Já vou, mãe
— AGORA! — disse estridente.
O garoto bateu a porta novamente com violência, descendo as escadas com passos pesados.
— Agora sente-se aí e se sirva. Já lhe disse que vídeo-game não enche barriga.
O garoto fez um gesto desrespeitoso com os olhos e começou a se servir.
— A propósito, esta é a Janete, a nova empregada. Espero não ouvir reclamações suas da parte dela.
O menino meneou a cabeça.
— Aff, mãe! — disse Bianca, com a cara feia. — Essa comida é de ontem.
— Sim, é de ontem. Seu pai disse que anda sobrando muita comida. Então coma o que tem para comer.
— Não é possível que agora temos que comer comida de pobre nesta casa.
— Isso não é comida de pobre, Bianca. A comida está boa e bem conservada.
— Mas tá azeda! Por que a senhora não bota a nova empregada pra fazer uma comida que preste!
— O quê, sua insolente! Peça desculpa agora à Janete!
— Não!
— Peça, Bianca. Não me faça fazer vergonha pra você na frente de todo mundo aqui na mesa.
O clima na mesa estava tenso. Janete pensou em dizer algo, deixar para lá, essas coisas. Mas não podia se meter na conversa de família. Aquela era uma das regras de se trabalhar na casa dos outros.
— Peça desculpa, Bianca. Não seja tão orgulhosa. — disse Joaninha com sua vozinha dócil.
— Vou comer alguma coisa na rua. Aqui não dá. — finalizou Bianca saindo para rua.
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O Quarto Dos Fundos
HorrorO quarto dos fundos tem um segredo , um segredo inumano. Quando Janete chega na residência da famíliaPeixoto, começa a perceber que algo de estranho está acontecendo na casa. Objetos são quebrados, cadeiras se movem sozinhas, vozes. É quando encont...