Alguns objetos na casa dos Peixotos estavam estranhamente sendo quebrados por aparentemente nada. À noite, copos de vidros caíam no chão, a pequena Joana inclusive cortou o pezinho esquerdo. Quadros despencavam da parede. Certo que a chuva estava vindo com violência naquele inverno, e, com ela, os vendavais, mas aquilo de fato era bem intrigante. O micro-ondas estranhamente parou de funcionar, e a sra Jamila Peixoto jogava o prejuízo nas costas de Janete, não explicitamente, mas de uma forma que qualquer idiota podia percebia, e Janete não era nada idiota.A família havia sido convidada dias atrás para uma Festa de aniversário do filho de uma vizinha, a senhora Jaqueline, uma mulher elegante e muito amiga de Jamila.
Complacentemente a família aceitou o convite. Era uma boa forma de se enturmarem com a vizinhança local, visto que estavam meio que afastados dos festejos locais. Antônio Peixoto achava aquilo bastante importante. Ser bem quisto por todos era um prazer inquestionável para ele, apesar de odiar a vizinha e aqueles filhos que faziam o diabo na casa impedindo o homem de tirar uma pestana à tarde nos dias de folga que tirava.
Ao chegar do trabalho, o sr Antônio teve de alertar sobre a festa. É hoje a festa da Familia Alvares. A sra Jamila Peixoto estava concentrada na novela e não a largava por nada na vida. Era sua única diversão, pois raramente saía para se divertir. Uma leve discussão deixou o clima um pouco tenso antes da festinha.
— Ela é sua amiga. — disse Antônio, irritadiço.
— Mas estou sem saco. — redarguiu Jamila. — Bianca provavelmente também não vai, e George está estudando.
— Pois eles vão. — disse Antônio, com fúria, subindo o quarto e os obrigando a se vestir. Janete estava no quarto com a pequena Joana contando historias da bíblia.
— Janete, apronte Joaninha. Vamos a um aniversário.
— Obaa! — comemorou a filha.
— Tudo bem, sr Antônio. — assentiu Janete.
Com muito custo, a sra Peixoto acabou cedendo à violência do esposo. Antônio era louco bastante quando estava cansado, e a mulher o conhecia os seus repentes.
Chegando na festinha, foram saudados pelos organizadores da festa, papai e mamãe do garotinho mimado de sete anos. O garotinho olhou para as crianças dos pés a cabeça e fez a indiscreta pergunta: Trouxeram algum presente? A sra Peixoto engoliu uma saliva e timidamente respondeu que não trouxeram por terem esquecido da data no aniversário, mas que com certeza ficaria devendo aquela. Prometeu isso diversas vezes para aquele mimadinho de sete anos toda vez que olhava de cara feia para a mesa da família. Sr Antônio Peixoto e Jamila não se dirigiam uma palavra e aquilo deixava a mesa da família meio que tensa.
— Pai, eu vou ter que ir na casa de uma amiga pra estudar. — disse Bianca com um total tédio na cara.
— Só quando batermos palmas pro aniversariante. – respondeu o sr Peixoto.
Bianca suspendeu os cenhos, respirou fundo e bebeu um copo de refrigerante.
— Vá brincar com as crianças, Joaninha. Veja como elas não param. — sugeriu o pai.
— Estou cansada, pai.
— Mas cansada de quê? — perguntou pai e mãe, em uníssono.
— Hoje eu e Fátima brincamos muito.
— Você é quem, minha filha? — perguntou a sra Peixoto, surpresa.
— Com a Fátima.
Pai e mãe trocaram olhares.
— Mas, minha filha, — disse sr Antônio. Fátima foi embora. É impossível.
— Não! É verdade, papai.
Mas um balão pairou perto de sua cabeça, então Joaninha ss levantou da cadeira e foi brincar com as outras crianças, acompanhada de Janete. George jogava fliperama com alguns garotos e Bianca foi para um canto da festa, com a cara de poucos amigos.
— O que ela quis dizer com isso? — perguntou Jamila, intrigada.
— Não sei. Vai ver a Fátima se transformou em sua amiga invisível.
Jamila Peixoto ficou ali, pensativa. As musiquinhas de crianças lhe deixava mais atordoada ainda. Já não suportava mais ouvir a voz da Xuxa e do Patati Patata. Aquela voz aguda da rainha dos baixinhos era capaz de quebrar até mesmo o copo de vidro que estava em suas mãos.
Ainda na festa, o sr Antônio Peixoto vislumbrou uma menina acenando a ele. Estava perto da porta principal. Era uma garotinha pálida. Seus longos cabelos caídos na testa cobriam praticamente todo o rosto. Peixoto acenou de volta. Aconteceu que a menina não tirava os olhos dele e começou a chamá-lo para que viesse pegar uma caixa de presente das mãos. O sr Peixoto colocou seu dedo indicador no peito dizendo: Eu? A garota meneou a cabeça. Bom, o que será que queria aquela garota? pensou Antônio Peixoto. A sra Jamila tinha ido ao banheiro, provavelmente exagerou no refrigerante e retocaria a sua maquiagem.
Antônio Peixoto resolveu ir até àquela criança. Aproximou-se em passos lentos mas a menininha começou a andar para trás, até sair para fora da casa. Ele a viu na rua, com seus cabelos longos, soltos e divertidos. A chamou, mas a menina não correspondia. Foi quando ela entrou, para sua surpresa, na sua casa, sumindo por entre a porta. "Que diabos quer essa menina", pensou. "E quem será que deixou a maldita porta aberta..."
Ao entrar em sua casa, sentiu um mal estar em seu corpo. Era um frio sinistro, trepidando os seus dentes. Chamou a menina:
— Garota! Vem aqui...Onde você está? Saia da já da minha casa.
Para onde foi àquela pálida menina de olhos tristes, se perguntava. Será que queria brincar de esconde-esconde? Não é possível, Era muito velho para aquele tipo de brincadeira. Examinou a casa por inteiro e nada de encontrar a garota. De repente ouviu passos vindos do andar de cima. Mas ele acabava de vir de lá. Começou a ficar nervoso e um leve medo o tomou conta. Foi examinar novamente o andar e ouviu um barulho vindo dos quartos do fundo, onde dormia Janete. Abriu a porta e ouviu atrás do guarda- roupa vozes de crianças. Pareciam articular alguma travessura. De repente as vozes viraram gemidos e depois gritos. Eram gritos de dor, suplícios mórbidos. Mesmo tremendo de medo, arrastou o guarda-roupa com certa dificuldade e não ouviu mais nada. Colocou seu ouvido sobre a parede para perscrutar algum som, mas as vozes tinham cessado. Sentou na cama quando os sons vieram novamente, dessa vez eram como crianças pulando no chão. Ao arrastar o guarda roupa de volta ouviu um...
"oi"
Colocou seu ouvido de volta à parede e escutou: O QUE VOCÊ ESTÁ PROCURANDO AQUI, SR PEIXOTO?
Antônio Peixoto se arrastou para perto da cama com o coração querendo sair pela a boca. Era a voz de uma menina, mas, no entanto, de um som mortal. Como a de um demônio.
Ainda no chão, pasmo, viu a porta se entreabrir com aquele som agonizante. Era Janete parada na porta do quarto. Tomou outro susto grande.
— Oi, sr Peixoto! Procurando por algo?
— Não. Nada não, Janete. – disse saindo do quarto com um medo indizível.

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Quarto Dos Fundos
HorrorO quarto dos fundos tem um segredo , um segredo inumano. Quando Janete chega na residência da famíliaPeixoto, começa a perceber que algo de estranho está acontecendo na casa. Objetos são quebrados, cadeiras se movem sozinhas, vozes. É quando encont...