O tiro e a dor

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“ Você vai sentir tanto a minha falta quando eu me for, Daryl Dixon”  A frase ecoa em minha cabeça repetidas vezes ao mesmo tempo em que vejo os olhos azuis de corça me encarando em minha mente. Beth Greene não tinha ideia do quanto ela estava certa quando disso isso.

Encontramos Noah, que nos contou sobre o tal hospital, e que por sua vez trouxe para mim um tipo de esperança que eu nunca tinha experimentado antes. Nada na minha vida antes tinha valido o esforço de sentir isso, mas saber que Beth estava viva foi como renovar minhas forças. Até então eu tinha certeza que a garota tinha me abandonado, ou até mesmo que estivesse morta, mas o que o garoto disse mudou tudo de perspectiva.

Fizemos o nosso melhor, dividimo-nos em grupos, e fomos até aquele hospital para salva-la, assim como a Carol. Conseguimos o tal contato com os filho da puta do hospital e então estávamos naquele impasse contra os idiotas vestidos de policiais. Quando eu a vi foi como se nada mais importasse. De alguma maneira ela tinha acabado ainda mais magra, mas isso não fazia diferença. Não importava porque ela estava ali e estava viva. Eu sorri e ela levantou a sobrancelha para mim, em um ato de desdém que tinha se tornado uma mania nos tempos que passamos sozinhos. O sorriso cheio de bondade  e esperança se abriu em seu rosto, e ela manteve os olhos fixos nos meus por todo o caminho até nós, enquanto empurra Carol.  Observei enquanto ela abraçava Rick, que por sua vez beijou a testa dela com carinho. Aproveitei o momento para notar os machucados em seu rosto e o gesso no braço, o que fez meu sangue correr mais rápido, cheio de raiva. Quero quebrar qualquer um que tenha tido coragem de toca-la, machuca-la.

E então ela estava sob mim, me abraçando com força. Fechei os olhos, aproveitando a sensação de tê-la ali novamente e a abracei de volta, da maneira certa, pela primeira vez. Se eu soubesse melhor, teria apertando-a mais em meus braços. O cheiro dela, por baixo daquele de antisséptico de hospital, era o mesmo e isso acalmou meu coração.

Ela se afastou para que Carol me abraçasse, mas eu não fui capaz de solta-la por completo, então mantive minha mão em seu pulso. Vi pela visão periférica ela abraçar Noah sem jeito, para depois voltar para o meu lado, rindo baixinho sobre a minha mão estar segurando-a ainda. Ela não disse nada, e nem eu. Não era momento para isso.

Estavamos indo embora quando a desgraçada da líder do lugar reivindicou Noah. Foi tudo muito instantâneo.  Os grupos estavam com armas novamente, e por puro reflexo coloquei-a atrás de mim.

-Daryl – ela resmungou baixo, meio brava, e então saiu dali ficando ao meu lado.

Notei que ela tinha assumido aquela postura feroz que aparecia as vezes. Eu poderia contar nos dedos os momentos que isso ocorria, mas tinha descoberto que era algo dela e que acontecia com mais frequência do que deixava aparentar. Ela é forte. Fiquei mais alerta em sua relação de qualquer maneira.

Rick começou a argumentar e discutir, mas a vadia não cedeu. Noah disse que tudo bem. Tinha vivido muito tempo ali, e que não se importava. Era mentira, é claro, mas ele não queria ninguém mais machucado.

Ele começou a caminhar quando Beth chamou por ele e seguiu para um abraço. Estavam se despedindo. Dawn falou algo com a loira, que virou para ela com os olhos de corça faiscando de ódio. Beth disse algo. Algo pesado, irritado e puxou o braço sutilmente. Dei um passo a frente, mas eu já estava atrasado. Tão atrasado. Se eu soubesse do que ocorreria a seguir teria segurado-a mais forte, não teria deixado que desse um maldito passo para longe. Nenhum.

As coisas ocorreram na velocidade da luz, mas a cena se passou em minha cabeça em câmera lenta. Beth puxou uma tesoura do gesso e enfiou no peito da mulher, que por sua fez atirou em sua cabeça. O barulho ecoou por mim com força, que em pura raiva e instinto atirei na cabeça da vagabunda.

As lagrimas subiram por mim como se eu fosse um maldito maricas, me sufocando e sem a menor chance de pararem. Beth Greene estava morta.  Minha visão embaçou,  e tudo era muito vago para mim. Os outros estavam apontando armas para o resto deles. Alguém disse que era tudo a respeito da desgraçada morta, que não queriam briga, mas pouco me importava, porque eu queria. Queria todos mortos, ardendo no inferno, esse lugar reduzido a cinzas.

Movi-me em direção ao corpo da loira, pegando-a em meus braços. Eu queria ser capaz de parar de chorar por um maldito momento, mas a dor era intensa demais, real demais. Ela não tinha mais vida. Ela não estava rindo em meu ouvido enquanto eu reclamava sobre seu peso. Ela não diria sobre esperanças, ou cantaria. Ela não veria mais Maggie, Judith, Carl. Eles não estavam mortos, como eu lhe disse um dia, mas ela agora está.

Ao sair encontramos Glenn e Maggie aguardando, e quando está se dá conta da realidade a dor é intensa demais para se manter de pé. É minha culpa. Não consegui proteger sua irmã, então sua dor e a minha são minha culpa, por ter falhado novamente. Como sempre.

Saímos do hospital. Ouço sobre funeral, enterrar, encontrar um lugar bonito. Algo em mim concorda, mas não tenho cabeça para expressar. Aperto-a em meus braços e continuo a andar. Entramos em um carro. As coisas depois disso são confusas.  Maggie sentada ao meu lado, fazendo carinho nos cabelos de Beth e soluçando baixo. Uma horda cercando o carro. Estamos atolados.

-Daryl sinto muito, mas temos de deixa-la.- ouço Rick falar. Finalmente ergo os olhos para encarar os dele.

-O que?- pergunto e sai como um rosnado. Aperto-a contra mim.

-Temos de abandonar o carro- diz e vejo dor em seus olhos também.

-Rick por favor- Maggie pede desesperada. Dor escorrendo por suas palavras. Glenn a abraça pelos ombros.

-Sinto muito amor, mas temos que ir- diz baixinho. Ela chora mais forte, olha ao redor e se dá conta, assim como eu, que não temos saída, então se inclina e beija a bochecha da irmã.

-Eu te amo- diz baixinho, convicta- Te amo muito e sou muito orgulhosa de você.

-Vão na frente- digo rouco.- Vou deixa-la bem, mesmo que seja aqui.

Eles concordam. O pessoal do caminhão de bombeiros ajuda a abrir caminho buzinando e chamando a atenção de alguns. Rick é o primeiro a sair, fechando a porta atrás de si. Glenn sai em seguida, puxando Maggie pela mão.

Eu a arrumo no banco, e encaro seu rosto por mais alguns segundos.

-Loira me desculpe. Não consegui protege-la. Eu falhei com você. Estava certa o tempo todo, e eu sei que sabe disso. Por favor me desculpe. Espero que descanse em paz, seja lá como for.

Puxo uma respiração funda, e abro a porta com um estrondo, jogando dois walkers para longe. Fecho-a bem em seguida, garantindo que nenhum desses nojentos chegue a ela, e mato mais deles do que realmente precisava para sair daqui. Cada golpe é recheado de ódio, dor e rancor.

Alguém me puxa pela manga para longe, e eu me dou conta de que é Rick. Quero relutar, porque odeio a ideia de deixa-la desse jeito. Se alguém merece mais nesse mundo de merda, esse alguém é ela. Mas não há opção. Mais walkers se aproximam e não posso fazer nada. Novamente estou imponente. Entro no caminhão e encosto a cabeça na lataria.

-Buzine- ouço Rick pedir a Abraham- Buzine para que nos sigam por um tempo e não permaneçam no carro.

Maggie sorri agradecida, e eu me limito a fechar os olhos.  Acredito que nenhum deles entenda o porquê de eu estar tão afetado com a morte dela, e a verdade é que nunca vão entender. Nunca.

Não vão saber que ela quebrou todas as minhas barreiras, se mostrou adulta e me ajudou a ver quem eu sou. Não vão saber que me consolou, me abraçou e me enxergou de verdade. Que me conquistou como nenhuma outra. Que eu a beijei.  Nunca vão saber que eu sempre vou sentir a falta de Beth Greene.

Porque como sempre, a garota estava certa, e eu estou sentindo tanto a falta dela agora que ela se foi.

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