Capítulo Catorze - Chute novo, vida nova

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Um dia inteiro se passou desde a festa da humilhação. Não consegui sair da cama até então.

Lembro vagamente de ter entrado no carro depois de sair da mansão e ouvir o celular tocando, mas não atendi. Fiquei alguns minutos estática, sentada, deixando que todo aquele sentimento angustiante tomasse conta de mim.

Após me recuperar parcialmente, mandei uma mensagem para minha mãe que já havia ligado 9 vezes, avisando a ela de que estava bem e de que tinha achado o filho perdido de tia Rose.

No final das contas ele estava bem. Muito bem.

Ao chegar fui recebida com a promessa de um castigo e palavras severas, mas ignorei. Apenas subi as escadas e me tranquei no quarto. Nenhum castigo seria o suficiente para me punir pela minha burrice de se preocupar de ir atras de alguém que não se importava comigo. Aliás, que nunca se importou.

    Olho para o relógio e vejo que já é o final da tarde, o sol deve estar quase se pondo. Preocupada e irritada minha mãe bateu na porta algumas vezes durante o dia para saber o que tinha acontecido e se eu ainda estava respirando dentro do quarto trancado. Todas as vezes eu a mandei ir embora. Precisava de paz. Mas agora depois da completa imersão de quase um dia inteiro em sentimentos torturantes e sombrios, uma raiva avassaladora me preenche. Me revigora. Como o alimento é combustível para o corpo, a raiva alimenta minha alma, me dá sustento e me move a pegar o celular e discar para um certo número que eventuais vezes chamou em meu aparelho nesse dia.

    — Alô?! Elize? Graças ao deus do rock'n roll! Eu te liguei mil vezes depois que você sumiu ontem. Onde você se meteu? — a voz do outro lado soa dramaticamente preocupada. Respiro fundo antes de responder.

    — Eu topo, Natasha. Quando começamos?

                        ****

    Eu e minha amiga punk entramos dentro do estúdio de tatuagem vazio, que foi fechado em uma tarde tipicamente movimentada, especialmente para receber nossas ilustres presenças.

Curiosa, analiso cada detalhe no lugar estranho. As paredes são pintadas de vermelho e alguns quadros de caveiras e personagens sobrenaturais enfeitam o ambiente. Um sofá preto de couro surrado fica encostado na parede para os clientes se sentarem perto de um balcão que ilustra chamas flamejantes toscamente pintadas.

Ao fundo, atras de um uma cortina de miçangas, fica uma espécie de maca aonde é feito as tatuagens.

Vindo de lá um cara gordo, com uma pele morena, dois alargadores e piercings nas sobrancelhas e uma barba asquerosamente grande nos recebe.

    — Malcon! E aí meu brother? Como andam as coisas? — cumprimenta Natasha

    — Hey, garota problema, tudo de boa. É essa aqui a garota de quem você falou?— ele diz se referindo a mim. Engulo em seco.

    — exatamente. A menininha de família que está pronta para seguir o mau caminho.

     O homem ri da piada e coloca o braço em volta dos ombros dela.

    — Tem certeza que ela dá conta do recado?

    — Ela é esperta. Vai vender o bagulho que nem água.

    Observo a cena impaciente. Eles discutem sobre mim, como se eu não estivesse presente.

    — Mas da pra confiar? Ela pode ter algum parente da polícia.— o barbudo questiona sem se dar o trabalho de abaixar a voz.

    — Cara, eu conheço a peça. Se você confia em mim, então também pode confiar nela.

    Ele me olha. Me lança um completo escrutínio dos pés à cabeça como se decidisse se vale a pena apostar as fichas na garotinha desconhecida. Voltando seu olhar a Natasha ele diz:

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