Mike é um verdadeiro babaca. Não sei como Natasha não consegue ver isso, ou se vê, ela simplesmente ignora.
A primeira impressão é aquela que fica, é o que dizem. Pois bem, ao ouvir o barulho da buzina tocando na rua nos dirigimos ao carro do cara que esperava por nós, porém tive uma péssima surpresa quando vi que o automóvel era rebaixado, tinha faróis fortes e azulados que chamam a atenção aonde quer que passassem,—incluindo os guardas de trânsito, pois acredito que isso seja proibido — desenhos de labaredas ornamentavam as laterais do carro, juntamente com a propaganda de um show de rock estampado do vidro traseiro. E o toque final — porque o 'melhor' sempre fica para o final — era o alto som de heavy metal tocando nos alto-falantes automotivos.
Quando entrei no carro e sentei no barro de trás, no couro brega, falso e desgastado, por alguns minutos achei que o barulho insuportável estouraria os meus tímpanos, sem contar a continua sensação incômoda da vibração das caixas de som ressoando pelo meu corpo. A cada batida da música era um pulo involuntário que eu dava do assento. Logo, tive que me segurar na porta do carro para não ser arremessada para frente por causa da tremedeira frenética.
Mas enfim, não que eu seja uma pessoa que julgue os outros só pela aparência ou estilo de vida diferente, ou ate mesmo os gostos musicas — conviver com Natasha e ter me tornado amiga dela me fez aprender isso — contudo, alguma coisa nesse homem não parece certa. Ele cheira a encrenca.
Quando Natasha o abraçou e ficou de costas para mim, o olhar me ele me lançou e que ela não pôde ver, me encheu de repugnância e me fez sentir nua. Em poucos segundos, ele fez um escrutínio completo pelas partes desnudas do meu corpo enquanto estava nos braços da minha melhor amiga.
Diante disso, um alarme silencioso soou em minha cabeça. Como poderei alerta-la sem que ela fique chateada? Embora eu nem o conheça direito, quero que ele fique bem longe de mim e dela também.
Chegando ao local, uma boate, percebo que há mais gente do que pensei que teria. Não se trata de nenhuma mansão enorme como naquela em que fui na Festa da Humilhação, e exatamente por isso que fico com a impressão de que o número de pessoas aqui é maior, já que o local é tão apertado que quase chega a ser uma missão impossível se locomover pelos cantos. Mike, o 'cavalheiro', se oferece para ir pegar umas bebidas para nós, dando a oportunidade de deixar eu e Natasha às sós por um momento.
— Por favor, Mike, eu vou querer algo que não tenha álcool. — peço antes de ele ir.
— Gatinha, eu acho difícil que alguma bebida aqui não tenha álcool. — ele diz — Mas vou ver o que posso fazer. — pisca para Natasha e se vai.
Aproveitando a deixa do rapaz ela se aproxima do meu ouvido e fala alto por sobre a música dançante.
— E então, o que você achou dele? Ele é mó gostoso, não? — ri com malícia.
— Bom... Ele é... dentro do esperado. — respondo.
— E o que isso quer dizer? — ela me lança um olhar curioso e ligeiramente desconfiado.
Subitamente sinto um nervosismo e encurralada. Tento disfarçar.
— Q-que ele tem um estilo "maneiro" e é... legal. — engulo em seco — Mas talvez seja bom que você fique de olho nele... — ela franze as sobrancelhas e percebo que estou me complicando. — Quer dizer, conhecer ele melhor... Mais a fundo... Antes de depositar muitas expectativas.
— Então você não gostou dele? — ela pergunta brusca, cruzando os braços.
— Não! — Me apresso em dizer antes que ela fique brava — Não é isso. É só que a gente acha que conhece bem as pessoas, mas nós nunca conhecemos elas de verdade. Sabe aquela historia de que nem tudo que reluz é ouro? — Ela estreita os olhos e retruca um curto "Sei". Tento me explicar, mas parece que qualquer coisa que eu diga só piora a situação. Lanço um sorrisinho amarelo a fim de tranquiliza-la, mas não funciona. Entre as luzes coloridas que piscam na pista de dança escura, vejo que seu rosto assumiu uma expressão carrancuda. — De qualquer forma, é muito cedo pra dizer alguma coisa ainda... Eu nem conheço ele direito.
— Voltei. — avisa Mike atrás de nós — gatinha, não tinha nada sem álcool por lá. Mas eu trouxe uma bebida pra você assim mesmo.
Ele me entrega um copo descartável avermelhado, outro à Natasha e fica com o último. Cheiro o líquido e sinto um aroma forte alcoólico e doce ao mesmo tempo.
— O que é isso? — pergunto.
Minha amiga e seu parceiro se abraçam e depois se beijam por alguns demorados segundos antes dele responder.
— Suco Gummy. Uma mistura de suco de laranja com vodka.
— Vodka, é? — fico tensa. Nunca experimentei nada com álcool até hoje. Meus pais nunca deixaram e se eu chegar bêbada em casa vou ter minha sentença de morte decretada. — Mas isso é proibido para menores...
— E quem liga? — Natasha interrompe com os braços em volta de Mike — Experimenta logo. Você vai se acostumando com o gosto.
Engulo em seco mais uma vez e convenço a mim mesma que não há problema algum em tomar só um gole. Respiro fundo e ponho o copo na boca e sinto o gosto familiar da laranja, mas de um modo diferente e amargo no paladar. O líquido forte passa rasgando pela garganta, e uma sensação estranha se apodera do meu estômago por alguns instantes. Não consigo evitar tossir algumas vezes, arrancando risadas do casal a minha frente.
— Isso mesmo, boa garota. — Natasha parabeniza — agora o toque final. — Ela tira um saquinho cheio de comprimidos familiares demais de dentro do sutiã e põe dois na boca. Da mesma forma, Mike também ingere alguns e depois ela me oferece.
— Não, obrigada. O suco Gummy já está bom por hoje. — comento na esperança de que ela não insista.
— Qual é? Você faz o produto, mas nem sabe como funciona? Tá na hora de ir pra prática. — Natasha murmura.
Meus olhos se arregalam de surpresa ao escutá-la tocar no assunto na presença de Mike. Ela percebe minha reação e logo se explica.
— Não se preocupe, ele sabe do nosso negócio. — Ela da uma piscadela pra ele, passando a mão em seu longo cabelo e dá um selinho rápido em seus lábios.
— Prova aí, Lauren, o bagulho é da hora. — Mike diz.
— É Elize. — resmungo. — Amanhã eu tenho prova, e se esse negócio me fizer mal?
— Não vai fazer. — ela toma um gole do copo vermelho.— Bala não faz mal pra ninguém.
Sem alternativa, sou vencida e ponho o comprimido na língua e engulo com o suco alterado. Minha amiga punk dá um gritinho de aprovação, segura minha mão e me arrasta mais para dentro do meio da multidão, no centro da pista de dança. Desconfortável e incomodada me desvencilho de seu aperto na hora em que ela começa a dançar. Tento seguir os seus passos, mas soo como um patinho feio tentando imitar um cisne. A minha volta as pessoas, se aglomeram me deixando com certa falta de ar.
Eu deveria estar me divertindo, deveria estar me sentindo livre, afinal era isso o que eu queria, mudar, experimentar um novo tipo de vida e deixar a antiga Elize para trás. Mas é incrível que quanto mais eu me esforço para deixa-la no passado, mais ela vem a tona nos momentos em que mais preciso me livrar dela. E pior de tudo é que eu queria me livrar de alguém que considerava trouxa e submissa, mas que no fundo tinha uma opinião própria e não se deixava influenciar por ninguém.
Meu ponto fraco era meu melhor amigo, mas pelo menos ele nunca me induziu a fazer coisas erradas e a extrapolar os limites. Talvez ele faça agora, mas comigo ao seu lado, ele não fazia. Eu costumava ser a voz da razão enquanto ele era a emoção. Ou será que era ao contrário?
Isso não é pra mim. O que estou fazendo aqui? O que Natasha está fazendo comigo?
Essa não sou eu.
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Diverso
Fiksi RemajaElize é uma garota comum, com uma vida comum, que vive em um lugar comum. Contudo certas escolhas que ela faz mudam sua vida de cabeça para baixo, fazendo desmoronar tudo aquilo que ela construiu e no que ela acredita. Por isso, nunca subestime uma...