Capítulo Dezenove - Se liga no esquema

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Paradas em frente à casa de Johnny, embasbacadas observamos o luxo do lugar. É enorme e linda. A casa tem três andares, as paredes são pintadas de creme e deve haver umas vinte janelas no total sendo que cada uma delas tem detalhes dourados entalhados nas bordas.
    — A gente deveria ter cobrado mais caro pela aula. O que são vinte pratas pra ele? — ela murmura enquanto esperamos na entrada.
    — Talvez eu compre uma casa dessa com o dinheiro que a gente ganhar. — digo
    — Talvez eu compre três casas dessa e mais uma de praia em Malibu.
    Eu rio com o comentário, descrente, e de repente a porta se abre. O garoto nos cumprimenta.
    — E aí Johnny, casa maneira. — Natasha diz
    — Podem entrar, sintam- se a vontade.
    Em seguida, ele nos leva até uma biblioteca particular. O lugar requintado chega a ser tão grande quanto a biblioteca da escola. No momento em que minha amiga e o garoto conversam animadamente sobre um série de TV, passeio por entre as estantes imaginando que poderia morar aqui para sempre. Viver apenas sendo alimentada pelas palavras dos livros, tendo como companhia somente a minha imaginação. Eu poderia viver mil vidas diferentes, conhecer um milhão de lugares diferentes sem sair desse cômodo.
    — Elize. — minha amiga chama — vamos começar.
    Sigo seu chamado e vou sem demora até onde eles estão. Em cerca de duas horas dou o meu melhor para explicar o conteúdo que vai cair na prova de química amanhã. Mas todo meu esforço e empenho se provam em vão, porque o garoto não sabe nem a base da matéria e tampouco esta interessado em aprender. Disfarçando a frustração e irritação fecho meus cadernos e guardo na mochila para ir embora.
    — Foi uma boa aula, Elize. — mente o garoto na medida em que andamos para a porta — aprendi muito. Mas, como a prova já é amanhã talvez não seja o bastante.
    — É bom estudar sempre que o professor dá a matéria para não deixar o conteúdo acumular — recomendo — na véspera eu normalmente só reviso.
    — Ah, então esse é o seu segredo de nerd. Você estuda antes. Nada de QI de Einsten, então. — ele brinca.
    Sorrio.
    — Quem dera. Eu aprendi muito ensinando meus irmãos mais novos e o meu... um conhecido. Mas ele sempre me pedia cola nas provas, então no fim nas contas não fazia muita diferença.
    — Ajuda a gente amanhã, então. Por favor. — replica Natasha — essa prova vai tá ferrada.
    — Ah não posso, Nat... Prometi a mim mesma sair desses esquemas. Eu me sentia mal em ver ele tirar notas boas sendo que nem sabia de nada enquanto eu me matava de estudar em casa.
    Paramos em frente a porta, esperando que Johnny abra. Mas ele para e me olha interessado.
    — Te pago mais vinte pratas se você me passar as respostas amanhã — propõe.
    Brevemente Natasha e eu nos entreolhamos. Estou prestes a recusar quando ela me interrompe.
    — Por quarenta ela faz.
    Olho surpresa para ela, mas não rebato. O que diabos ela pensa que está fazendo?
    — O que? — Johnny indaga — você responde por ela agora?
    — Somos amigas, parceiras, sócias. E tudo que é meus é dela, e tudo que é dela é meu. Então, sim. É pegar ou largar.
    Incrédula, não me pronuncio.
    — Tá bom. Eu aceito.
    — E o pagamento é adiantado. —  ela cruza os braços.
    — Mas eu nem sei se ela vai se sair bem amanhã.
    — Ela sabe de todo conteúdo de química. Sabe até demais. — ela pisca em minha direção em conluio — vai por mim. Você não vai se arrepender. Pior do que aquela nota que você tirou na de matemática você não tira.
    Ele passa a mão sobre o queixo, ponderando a proposta. Parecendo convencido, ele tira a carteira do bolso e me entrega o dinheiro.
    — Se o serviço for de qualidade como ela diz, então serei um cliente fiel. — afirma.
    Com certo receito, não me movo. Gostaria de negar, dizer a ele que não faço mais isso, porque é errado. Mas as palavras se prendem em minha boca e não saem. O que está acontecendo comigo?
    Natasha, contudo, não hesita e pega as notas.
    — Foi bom fazer negocio com você. Até mais Johnny.
    — Espera. Como vai ser o esquema? — ele puxa o braço dela antes de saírmos.
    — Amanhã passo as instruções pra você.
    E nisso, nos vamos. Ao nos afastarmos da casa do garoto, porém, não deixo barato e tiro satisfações com ela.
    — O que deu em você? Isso é quase uma propina. Não é certo... eu fazia com o Antony porque ele era meu melhor amigo e não podia deixar ele na mão.
    — Elize, seja esperta. Quanto mais dinheiro melhor, não importa de quem venha ou porquê. Vender Ecstasy é bem pior que isso e você topou.
    — E o que você pretende fazer agora? Viver ganhando dinheiro em cima de mim, ou melhor, fazendo o que é errado?
    — Não seja hipócrita — ela se põe na minha frente e me encara de cima, por ser mais alta e Ainda põe o dedo na minha cara — se não queria fazer isso porque não falou? Ao invés disso ficou muda, aceitou tudo calada. Sou só eu a culpada?
    Não respondo. Ela atinge bem na ferida. E por mais que me doa admitir, sei que tem razão.
    — É só uma cola. Todo mundo cola. Ele não é o primeiro ou o último. — argumenta
    Desvio o olhar e me abraço, arrepiada. Será que cometi um erro fazendo amizade com ela? Será que cometi um erro ao entrar para o esquadrão do Ecstasy? A culpa e o receio tomam conta de mim.
    — Se sentir assim, culpada, é o tipo de coisa que a antiga Elize, amiga do Antony, faria. — ela diz e se vira ficando de costas pra mim — vamos logo. Temos um plano pra bolar.
    À menção de Antony, eu estremeço. Ela tem razão. Não sou mais assim e não quero ser. Preciso parar de ser trouxa. Que mal tem passar cola para um garoto e receber dinheiro em troca? Não vai fazer falta para ele, mesmo. Decido que nós duas precisamos muito mais. Vejo sua figura esguia andando a minha frente e não penso duas vezes. Eu a sigo.

                             ****

    No dia da prova de química, assim que entro na sala de aula, sou interceptada por Johnny. Combinamos que ele iria sentar atrás de mim e dessa forma eu deixaria que ele visualizasse minhas respostas. Já em relação a Natasha, decidi que anotaria o gabarito em uma borracha com aquelas capinhas protetoras que não servem pra nada, a não ser — pela minha lógica — para cobrir as respostas. Depois disso, eu  derrubaria o objeto no chão junto com algumas canetas. E nessa hora, por estar sentada ao meu lado, ela apanharia as canetas que, logo em seguida, me devolveria e a borracha ela esconderia.
Caso essa estratégia não desse certo, eu iria até o banheiro e deixaria a borracha lá, escondida em um lugar que só Natasha poderia achar.
    — Esse plano perfeito saiu mesmo dessa sua cabecinha maquiavélica? — questiona Johnny com um sorriso malandro — Eu nunca pensaria uma coisa dessas.
    Se meu humor nesse dia estava nebuloso e sombrio, com seu comentário idiota uma  tempestade torrencial ameaça se manifestar.
    — Eu tenho certa experiência no assunto. — retruco, cruzando os braços.
    — Boa prova, Elize. E boa sorte pra gente, Johnny. — diz Natasha na carteira ao lado.
    Em seguida, a professora de química começa a entregar as provas e eu tento parecer o mais calma e normal possível para não levantar suspeitas. Uma lembrança travessa me perpassa quando lembro das estratégias de cola de Antony nos dias de avaliação.
Ele era muito bom nisso, e eu como fiel escudeira e cúmplice, aprendia seus truques e ajudava sempre que podia, e por incrível que pareça, nós nunca fomos pegos. E apesar de saber que aquilo de certa forma não era certo, eu me divertia com os esquemas que criávamos como escrever fórmulas na carteira rabiscada, escrever nas frestas entre os azulejos da parede ou até mesmo nos braços ou nas pernas que ficavam encobertos pela roupa.
Agora, no entanto, dando continuidade aos planos diabólicos com Natasha e Johnny, me pego pensando que por mais que certas coisas e pessoas se modifiquem, certos hábitos nunca mudam. E Natasha talvez esteja certa no fim das contas, sempre tive uma tendência perniciosa para ser um gênio do crime, só não tinha de dado conta disso até então.
    Quando a prova chega às minhas mãos, analiso rapidamente todas as questões e sorrio triunfante, pois caiu tudo o que eu estudei. Em pouco tempo resolvo as alternativas e logo escrevo as repostas na borracha, tomando o cuidado de fazer isso quando a professora não está olhando.
    De repente, sinto um chute na carteira. Johnny.
    Discretamente, me movo alguns centímetros para o lado dando espaço para que o garoto veja com clareza meu papel.
    — Elize, — senhora Hawking chama e por um instante gelo, atônita — por favor, endireite-se na cadeira.
    Obedeço-a instantaneamente e aproveito o momento para derrubar as canetas sem querer-querendo, a fim de dar vantagem tanto para Johnny atrás de mim como para Natasha pegar a borracha.
    Fingindo desleixo, esbarro minha mão nos materiais que caem ruidosamente no chão. A professora me olha com cara feia e sorrio amarelo, sussurrando um breve 'desculpe'. Abaixo-me e cato-as uma a uma, lentamente, enquanto minha amiga faz o mesmo para me ajudar. Quando termino de pegar a última e ela me entrega as que catou, percebo que a borracha agora está em suas mãos. Muito bom.
    — Elize, — diz a mulher mais uma vez, desconfiada — sente-se ali. — ela aponta para a primeira carteira da fila ao lado.
    Tomara que Johnny e Natasha consigam se dar bem, porque a minha parte já está feita.
     Assumindo uma expressão de pura inocência, me levanto e faço o que ela diz.

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