Capítulo Vinte e Seis - Caindo em si

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Dando empurrões nada educados nas pessoas para abrir caminho por dentre a multidão, me afasto do caos fervente e consigo chegar até o banheiro imundo da boate.
Por sorte, lá dentro há somente duas mulheres, uma lavando as mãos e outra passando um batom roxo neon nos lábios. Ignoro-as e entro em uma das cabines com pressa. Tranco a porta, fico de joelhos e espero, paciente, a boa vontade do meu estômago em caos jogar o que foi todo o meu jantar para fora. Quando sinto uma erupção involuntária subindo pelo esôfago, me seguro com vigor e abaixo a cabeça quase dentro da privada e libero uma torrente de vômito amargo e espesso, o qual consome quase todas as minhas forças.
Quando termino o espetáculo, trêmula sento no chão encardido do banheiro e espero alguns minutos até que eu finalmente pare de tremer e sinta a dor de cabeça dando uma folga. Passo as mãos sobre o rosto e os cabelos impregnados com vômito e engulo outra ânsia vindo quando vejo o grude fétido nas mãos.
O que estou fazendo?
O que estou fazendo?
O que estou fazendo?
Céus, se eu chegar nesse estado deplorável em casa meus pais vão me matar, e com razão.
De repente, estremeço com a força do baque da porta ao lado sendo fechada. E sem demora começo a ouvir o som de uma troca intensa de beijos, o arfar de respirações pesadas, e por últimos gemidos altos e agudos.
Fecho os olhos e sem conseguir me controlar rio da situação. Uma lembrança do dia em eu e Natasha executamos nosso plano de roubar as chaves do laboratório que estavam na sala do diretor perpassam em minha mente. Por ironia do destino estou revivenciando a cena que tentei criar naquele dia com um gravador me dado por Natasha. Todavia, aquilo não passava de uma travessura e não envolvia nada mais do que um áudio pego da internet. Mas agora isso é real. Estou sentada no chão imundo de uma boate imunda depois de vomitar as tripas e de brinde estou ouvindo a sinfonia de uma casal tendo momentos íntimos bem apimentados na cabine mais próxima. Posso até sentir as pancadas do meu lado da parede divisória.
Que idiota eu sou. A que ponto eu cheguei? Como faço pra acordar desse pesadelo?
Em seguida, saio da cabine como se não tivesse ouvido nada e lavo as mãos. Ao me olhar no espelho tenho vergonha do que encontro. Uma garota de cabelos bagunçados e emaranhados, com olhos de panda borrados por conta da maquiagem preta escorrendo, a boca e o queixo borrados de batom rosa escuro e a testa cintilando com gotas de suor. Penso em Natasha e em Mike. Será que eles estão se saindo melhor que eu?
Tiro o celular de dentro da bolsinha pendurada no ombro que milagrosamente não perdi na pista de dança e ligo para Natasha umas três vezes antes de desistir. Ela não atende, provavelmente porque ou está drogada demais para prestar atenção ou o barulho da música alta sobrepõe o do toque, ou então os dois.
Ah, que se dane. Vou mandar uma mensagem para ela dizendo que fui para casa e nós duas nos vemos depois.
Quando termino de enviar o aviso e saio do banheiro, mal dou três passos para fora dele quando sinto uma mão puxando meu braço. Franzo as sobrancelhas e me viro para trás. Mike.
— Achei você. — ele diz trôpego sem me soltar — Você é difícil de achar gata, acho que mereço um prêmio por isso.
— O que?— indago confusa. Onde está Natasha?
No entanto, antes que eu possa me livrar de sua mão asquerosa sobre mim, ele me empurra de encontro à parede e fico presa entre os dois.
— Mas o que você tá fazendo?! — esbravejo ao me ver encurralada. Tento empurra-lo para trás, mas ele não se move um centímetro. Meu coração acelera.
— Shhhh — sibila e põe os braços com as mãos espalmadas na parede por sobre os meus ombros. — O que você acha que eu estou fazendo? — ele fala e sinto o cheiro de seu hálito alcoólico no meu rosto — Sua amiguinha chata não está por aqui pra atrapalhar a gente.
— Seu porco. Me solta! — digo com raiva, mas me encolho quando ele se aproxima de mim a ponto de me fazer sentir o calor emanando de seu corpo e o cheiro do suor na pele.
— Mas que merda é essa? — vocifera uma voz feminina familiar e nós dois olhamos ao mesmo tempo na direção que ela veio. Contudo, aproveitando a distração, lanço-lhe uma joelhada entre suas pernas, atingindo bem no alvo.
— Vadia! — Mike urra de dor e se contorce, pondo as mãos no local atingido. Mais uma vez, sinto o sangue ferver e não perco a chance acerta-lo outra vez. Incorporando todos meus instintos de auto defesa, fecho a mão direita em punho e esmurro seu nariz. Em seguida, ele cai no chão de forma dramática, provavelmente pela confusão de sentidos causada pelo entorpecente correndo em seu sangue. Meus dedos, agora, latejam e doem com a pancada, mas valeu a pena.
Natasha se aproxima, com um copo na mão e o vira para baixo, derramando toda a bebida em cima dele.
— Seu escloto. — ela xinga com a voz meio engraçada e depois olha pra mim com uma expressão de fúria — e você sua falsiane! Como pôde fazer isso?
— Natasha, eu... — tento argumentar, mas as palavras se recusam a sair da minha boca. Embora eu tenha sido surpreendida por ele, me sinto culpada.
Antes que ela possa dizer mais alguma coisa, aos seus pés, Mike murmura algo indecifrável.
— Cala a boca! — ela resmunga e chuta sua barriga, fazendo-o arfar de dor. A essa altura, alguns curiosos já se amontoam a nossa volta, formando uma plateia para o show.
De não muito longe, vejo os seguranças se aproximando de nós e sem pensar duas vezes, dou as costas à confusão e corro para a saída. Por sorte, avisto um último táxi em frente a boate que está prestes a ser alcançado por um grupo de três garotas. Mas sem me importar em ser politicamente correta e em esperar a minha vez chegar, entro dentro do carro, ignorando os palavrões e os protestos das jovens e peço ao motorista para irmos para bem longe dali.

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⏰ Última atualização: May 18, 2018 ⏰

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