Capítulo Onze - Abrindo uma doceria

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   — Nossa, mas que babaca. — Natasha esbraveja ao colocar um punhado de  pipocas na boca — não acredito que ele fez isso.

— Tem sido difícil pra mim e pros pais dele. Eu não entendo porque ele tá agindo desse jeito.... não parece ele... não é o mesmo garoto que foi meu melhor amigo durante anos. — digo olhando para a série que passa na televisão, mas ignorando completamente o desenrolar do episódio. Estou concentrada contando a Natasha sobre o fatídico aniversário da mãe de Tony.

— Sabe, — ela comenta — as pessoas me julgam, me chamam de drogada, rebelde, escória da sociedade... Esses tipos de coisa, mas pelo menos eu nunca escondi minha verdadeira personalidade. Desde criança sempre soube que era diferente, nunca me encaixei muito com aquela pose de menina certinha e boa moça de família. Então, cá estou eu vivendo a minha vida do jeito que sempre fui, irada e sem arrependimento nenhum.

Rio de seu comentário e dou um gole no refrigerante aguado por conta do gelo que já derreteu.

— Você nunca me contou sobre sua família, Nat. Não sei quem são seus pais ou se você tem irmãos. Ou porque entrou na escola quase na metade do ano.

Ela se revira desconfortável no sofá e desvia seus olhos tá TV para mim.

— Não tenho muito o que falar sobre isso na verdade. Não é uma coisa que eu me orgulhe. — ela faz uma pausa e seu olhar vaga distante como se revivesse alguma lembrança do passado — Moro com meus tios. Minha mãe morreu quando eu era pequena e meu pai tá preso há alguns anos por porte ilegal de drogas. E meus tios não são as melhores pessoas do mundo, eles não se importam muito comigo, tipo, aonde vou, se estou bem, com quem eu estou.... eles só têm a minha guarda porque não tenho mais ninguém para cuidar de mim. Então, ou é isso ou ir para um abrigo.

— Sinto muito.

— Não sinta. Não preciso de ninguém pra cuidar de mim, eu posso fazer isso sozinha e é legal não ter que dar satisfações a ninguém pelas coisas que eu faço. Eu tenho liberdade.

— É, pensando por esse lado, não é tão ruim assim não ter uma família. Por exemplo, nem tudo aqui em casa são flores. Depois que o restaurante libanês faliu estamos passando por uns apertos. Já vendemos quase todos os nossos bens e mesmo assim não conseguimos quitar as dívidas.— murmuro.

— Que merda.

— E não é só isso... meus pais revolveram hipotecar a casa agora. Ou seja se não tivermos mais dinheiro pra pagar as parcelas não teremos um lugar pra morar. E tudo o que meu pai faz é ficar o dia inteiro trancado naquela porcaria de escritório. Às vezes eu nem sei se ele tá vivo lá dentro.— resmungo irritada. A minha frente observo uma cena de tiroteio em que o personagem principal por pouco se safa, e logo adiciono — estamos realmente precisando de dinheiro.

— Sabe, Elize, a gente deveria começar a fabricar droga como os caras da série, seria dinheiro fácil. Ficaríamos ricas rapidinho vendendo metanfetamina por aí. — Natasha sugere com uma brincadeira, mas sinto uma pontada de indireta em seu comentário.

— Ah, é, e como a gente faria isso? Posso ser boa em química mas não sei fazer nenhum tipo de droga. — falo inocentemente .

— Eu conheço um cara que vendia ecstasy na minha antiga escola. Ele ganhava muito dinheiro por semana, principalmente quando tinha festas. É quando a galera curte ficar chapadona.

— E quanto ele ganhava com isso? — questiono descrente — E o que aconteceu com ele?

— Bom, ele ganhava cerca de 5 mil verdinhas por noite. Só que aí ele foi preso e desde então o pessoal tá procurando alguém na área que fabrique as balas. — ela olha pra mim e uma certa maliciosidade típica de uma mente engenhosa perpassa em em rosto — o que você acha disso, Elize? A gente poderia ganhar muito dinheiro fazendo e vendendo ecstasy pra esses filhinhos de papai.

Surpresa pela sua sugestão me viro e olho em volta para ver se há alguém por perto que possa ter ouvido isso. Sinto um alívio imediato quando tenho certeza de   não haver ninguém.

— O que?! Você só pode tá de brincadeira! Não vou fabricar droga. Isso é errado. — sussurro indignada

— o que o Tony fez com você também é errado mas ele continua muito bem com isso e não liga a mínima. Pensa bem, larga de ser besta, você tá precisando de dinheiro e eu também adoraria ganhar uma grana fácil. — a jovem insiste tentando me convencer.

— Não! Não sei fabricar ecstasy ! E mesmo se soubesse a vida real não é como na série. Não é fácil assim. Além disso, o cara se envolveu com traficantes da pesada e quase morreu. Se você entra nesse negócio não dá mais pra sair. Já pensou se a polícia pega a gente? O que vai ser de mim, da minha família?

— E já pensou se eles não pegam? A gente ganharia muitas verdinhas e ficaríamos só de boa enquanto os otarios comprariam a nossa droga. E bala não vicia, é um bagulho dos leves que o pessoal gosta de engolir nas festas só pra curtir. Eu mesma já provei.

— Natasha, por favor, para com isso. Não posso, não vou fazer isso.

— Mas...

— Não! Já chega. Você anda assistindo essas séries demais. Isso é loucura.
— Tudo bem, você que sabe. Quando
você tiver que dormir debaixo da ponte porque perdeu a casa não venha dizer que meu plano era uma boa ideia.

Irritada pego a almofada e atiro-lhe na cara. O balde de pipoca que estava em seu colo balança e cai no chão espalhando a comida por todo o tapete. Ela exibe uma expressão zangada e pega outra almofada a fim de revidar o golpe. Prevendo a pancada me abaixo e sua almofada atinge o vazio. Começo a rir e dou-lhe outra almofadada dessa vez no braço.

— ah, a garotinha certinha quer brincar de guerra de travesseiros ? Então toma isso ! — sua mão veloz me  golpeia com a espuma macia no rosto antes que dessa vez eu consiga me livrar e ela ri com satisfação.

Como duas crianças pulamos em cima do sofá e nos golpeamos com as almofadas até ter espuma espalhada por todo o chão da sala. Rio tanto com a brincadeira que minha barriga passa a doer intensamente. Seria muito bom se a vida fosse sempre alegre e leve desse jeito, se nunca crescêssemos e não tivéssemos que nos preocupar com os problemas. Mas infelizmente, a vida não é assim, entretanto eu tenho Natasha, uma boa e fiel amiga que quase sempre me faz esquecer desses dilemas e me faz voltar a sorrir de novo.

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