Capítulo Vinte e Três - Cinderela vai ao baile

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Ao sair do banheiro, assim que termino de tomar banho, escuto a campainha tocar. Sei exatamente quem está do lado de fora esperando que eu abra a porta, embora ela esteja atrasada já faz uma hora. Apressada, desço as escadas e sorrio para Natasha quando ela entra em casa.
    — O seu relógio quebrou por acaso? Você tá só um pouquinho atrasada, tô te esperando há a um tempão. — informo a ela.
    — Tive uns caôs pra resolver antes de vir pra cá. Os babacas dos meus tios estão cada vez mais difíceis de aturar. — Natasha explica conforme nos dirigimos ao meu quarto — Que cheiro gostoso é esse?
    — Meu pai tá fazendo o jantar.
    — Sua mãe tá em casa?
    — Não mesmo. Se ela estivesse, você não estaria aqui agora.— faço uma careta ao lembrar do vexame na loja de departamentos. Nós duas não temos mais nos falados desde então. A reprimenda daquele dia ainda ressoa nos meus ouvidos e nem uma de nós consegue esconder a mágoa da briga. Mas não é só comigo que ela tem tratado com indiferença, até mesmo meu pai foi vítima da tragédia familiar. Agora ele também sabe, meus irmãos sabem, todo mundo sabe que eu fiz uma tatuagem na 'barriga'. E minha mãe, é claro, não poderia deixar de se queixar para seu marido sobre a tamanha insolência que cometi, mas ele resolveu não tomar partido, apenas disse que o que estava feito, estava feito e não podia ser mudado. Mas ela não gostou e o acusou de estar me defendendo. Pra falar a verdade, talvez meu pai, no fundo, bem no fundo, tenha ficado neutro nessa história em respeito a mim. Desde o dia em que lhe entreguei o dinheiro do meu suposto salário, parece até que entramos em algum tipo de sociedade, ou troca de favores. Ele deixa eu sair para onde eu quiser sem pedir nenhuma explicação, deixa Natasha vir aqui e nem briga mais comigo quando eu deixo de lavar a louça. Inclusive meus irmãos andam indignados com essa regalia e alegam que não tem a mesma liberdade. No entanto, tudo que ele diz é 'sua irmã é a mais velha. Vocês ainda são muito novos.'
    — Quer dizer que ela ainda não conseguiu me perdoar pela tatoo?— Natasha indaga, sentando-se na minha cama.
    — Do jeito que as coisas andam, talvez ela nunca consiga.— respondo ao abrir as portas do meu guarda roupa e depois tirando uma saia azul plissada na altura dos joelhos e uma blusa de cetim branca.
    Minha amiga punk solta uma risada e cruza os braços, girando a cabeça de um lado pro outro num gesto de reprovação.
    — Serio que você quer ir numa social vestida desse jeito?
    — O que? — resmungo indignada — O que tem de errado com as minhas roupas? Já é a segunda vez nessa semana que alguém reclama das minhas roupas.
    — Cara — ela levanta da cama e caminha até ficar na minha frente. Só agora reparei que ela segura uma sacola — Não é que você se vista mal, é só que seu estilo já tá meio ultrapassado, sacou? Não dar pra chamar atenção dos caras da festa vestindo essa saia de freira até os joelhos.
    — Mas a intenção não é chamar a atenção de ninguém, até porque eu nem queria ir nessa festa. Eu só estou indo porque você queria eu eu conhecesse o Mike.— retruco chateada e me sento na cama.
    Desde que Natasha conheceu esse garoto, não tem falado mais em outra coisa. Do vinho, ela virou água. Deixou de ser geniosa, independente e radical, como ela mesma se intitulava para se tornar uma daquelas garotas chatas, apaixonadinhas, que acham que o mundo gira em torno do namorado. E isso porque eles nem estão de fato namorando, só ficando.
    — Tá com ciuminho do Mike, é? — ri com escárnio — não precisa ficar. Você ainda é minha melhor amiga e homem nenhum no mundo vai mudar isso.
    Subitamente sinto um aperto no coração ao ouvir seu comentário. Coincidentemente, Antony disse a mesma coisa para mim — Você ainda é minha melhor amiga — quando começou a sair com a Lindsey. A partir desse dia, nada mais foi o mesmo e as coisas só caminharam para dar errado.
    Expulsando a má lembrança, mudo de assunto.
    — O que foi que você trouxe aí, ein? — questiono curiosa, apontando para a sacola em sua mão.
    — Isso aqui? — ela põe a mão dentro dela e tira algumas peças de tecido escuro. — é o que vai salvar a sua noite. — Natasha abre um sorriso lupino que me deixa desconfiada e estende a roupa para que eu a veja. Se trata de um vestido preto curtíssimo de renda, com mangas compridas e uma fenda enorme nas costas.
    — Ah não. Eu não vou usar isso. — reclamo — tá faltando um tantão de tecido nisso daí. Olha só esse buraco nas costas, não dá nem de usar com sutiã.
    Ela ri da minha reação, divertida.
    — E quem disse que você precisa usar sutiã pra vestir esse vestido? Vai sem ele mesmo, besta.
    Engasgo com o que ela diz e sinto meu rosto corar.
    — Mas eu sempre uso sutiã. É muito estranho ficar sem e a propósito, marca.
    — Lá vai estar tão escuro que ninguém vai notar isso. — ela pisca um olho — E eu também trouxe umas maquiagens. — ela me entrega o vestido e quase deixo cair a toalha no chão, tentando segurar com uma mão a peça de roupa e na outra o tecido felpudo.
    Minha amiga começa a caminhar pelo meu quarto, tomando a liberdade de vasculhar minhas coisas.
    — Você tem sapatos de salto alto, não tem? E umas bijuterias também seria bom.
    Bufando, solto o vestido na cama e digo:
    — Olha, Natasha, eu acho que mudei de ideia. Vou ficar em casa e você pode ir a festa. Eu posso conhecer o Mike outro dia.
    — Nem pensar. Você vai sim, nem que eu tenha que te arrastar daqui.
    Fecho os olhos e suspiro derrotada. Conhecendo minha amiga, ela não vai desistir de me fazer ir pra lá.
    — Tudo bem. — cedo, por fim— eu vou, mas não com essa roupa.
    — Tá. Eu achei mesmo que você não ia gostar muito desse vestido, então eu trouxe esse outro daqui.— ela pega mais um vestido da sacola, só que dessa vez trata-se de um verde musgo, sem mangas, com a parte de cima do colo toda em tule cor bege e um decote tão grande que faria meus peitos ficarem tão à mostra quanto meu rosto.
    Espalmo a mão em frustração pelo rosto e pego o vestido preto de renda jogado na cama.
    — Você me deve essa. — falo irritada e sigo para o banheiro.

                        ******

    — Cara, você ficou muito show. Tô até emocionada.
    Olho para o espelho e vejo meu reflexo refletido, mas não me reconheço. A garota ali não se parece nem um pouco comigo. A roupa curta e decotada, o cabelo comprido e castanho caprichosamente ondulado, a maquiagem escura, o salto alto e a sensação de que ela é mais velha, de que tem bem mais do que meros 16 anos. Demorou cerca de 2 horas até que eu ficasse pronta, e conferindo agora o relógio, percebo que já está ficando bem tarde para sair.
    — Se eu fosse homem, amiga, eu te pegava. — Natasha faz graça me deixando um pouco envergonhada. — falando sério, você ficou bem gata.
    — Obrigada. — agradeço, mas estranhamente não me sinto feliz e meus pensamentos se voltam para Antony. — você acha que se eu me vestisse assim, o Antony não teria me dado um pé na bunda?
    Me viro de frente para ela, e Natasha me encara pensativa.
    — O garoto do basquete é o maior idiota. Talvez sim, talvez não. Quem sabe? Mas ele é passado e essa noite você vai esquecer ele de vez, porque aquela festa vai estar cheia de gatos solteiros que vão ficar loucos quando te virem.
    Nat vai em direção a porta e a abre me chamando para descer, mas eu não me movo.
    — Qual o problema? — pergunta.
    — Eu... Não quero quer os garotos me notem. Tenho medo de fazer alguma coisa errada... Eu, pra ser sincera, nunca beijei um garoto antes. — confesso envergonhada e sem conseguir olhar em seus olhos, fito o chão.
    — Sério que você nunca beijou um garoto antes? — ela indaga, incrédula e eu não respondo nada. Em seguida, ela acrescenta: — Vamos resolver esse problema hoje, então.
    Sem demora, descemos as escadas e antes de irmos aviso ao meu pai que já estamos de partida.

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