Capítulo Vinte e Um - Ficar de olho

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Quando Natasha e Johnny recebem a prova de química, eles não conseguem conter a alegria em ver que tiraram nota máxima, quer dizer, a nota máxima que eu tirei.
    — Cara, essa menina é show de bola. — ele comenta eufórico durante a entrega de provas na aula — já tenho uns amigos que estão interessados em entrar no esquema.
    — Johnny... Eu não acho que vou continuar com isso, ainda mais chamar outras pessoas. — digo em tom de desculpa.
    — Eu garanto que eles vão pagar muito bem. — ele sorri e arqueia suas sobrancelhas para cima e para baixo de modo frenético. — os dois lados vão sair ganhando. — ele abaixa a voz e chega mais perto — e a Natasha comentou comigo, outro dia, que você tá com uns probleminhas financeiros, então essa é a sua chance de usar seu super cérebro ao seu favor.
    Abro um sorriso sem graça e digo que vou pensar no assunto. Ele se mostra satisfeito e passa a conversar com alguém do lado enquanto eu metralho Natasha, que está sentada atrás de mim, com o olhar.
    — Porque você contou de mim pra ele? — esbravejo controlando o tom de voz para não chamar atenção — você não tinha o direito.
    Ela põe o cotovelo sobre a mesa e apoia o rosto na mão, com uma expressão de pouco interesse. Isso faz com que eu fique ainda mais irritada.
    — Bom, eu e Johnny nos esbarramos por aí numa festa e eu deixei escapar, sabe? Não achei que você fosse se importar.
    — Mas eu me importo. Não quero as pessoas sabendo sobre minha vida ou falando sobre mim. Já basta tudo o que eu tive que aguentar até agora. — retruco.
    — Ah, tudo bem. Não vou mais falar nada pra ninguém. — bufa ao ser repreendida — Mas você também tem que largar de ser besta e começar a ser mais esperta. A gente vai ganhar mó grana fácil passando cola pro pessoal.
    — Você quer dizer que eu vou ganhar a maior grana, porque as colas são minhas. — rebato
    Seu olhos se estreitam e seu rosto antes entediado agora assume uma carranca.
    — Eu que tive a ideia. Você não teria topado se eu não tivesse aceitado a oferta. Então o dinheiro é nosso e não só seu. Somos sócias, lembra?
    Respiro fundo e penso em responde-la. Mas antes que eu possa abrir a boca, a professora termina de entregar as provas e começa a sua aula, pedindo silêncio da turma. Por um instante, começo a me questionar sobre Natasha e seu poder de influência sobre mim. Será que só concordei fazer todas essas coisas erradas que venho fazendo ultimamente, porque decidi mudar de vida por ter sido desprezada pelo meu antigo melhor amigo ou porque, mais uma vez, estou fazendo papel de trouxa para agrada-la e manter nossa amizade? Será que Natasha só, realmente, se tornou minha amiga porque gosta de mim ou é uma manipuladora dissimulada que vê nossa amizade apenas uma forma de se dar bem e ganhar vantagem?
    Tento afastar as questões em minha mente durante todo o resto da manhã, contudo elas insistem em continuar me incomodando. Por precaução, talvez seja melhor ficar de olho nela.

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    Como é bom voltar a comer chocolate Lindt de novo. Faz tanto tempo que não como a preciosa barra de chocolate, um pouco mais cara que o chocolate convencional do supermercado, que até tinha me esquecido de como é a sensação do sabor semi amargo do doce derretendo na boca. Lindt antes pra mim era só mais uma das guloseimas que eu costumava me entupir quase toda semana quando meu pai antes de voltar para casa, passava na loja que ficava ao lado do nosso falido restaurante libanês e trazia para gente. Mas com as dificuldades financeiras surgindo e ficando cada vez mais frequentes, esse hábito passou a se escassear até que parou completamente e a falta de dinheiro começou a ser um sério problema na minha casa. Então, quando como esse chocolate, a sensação de bem estar que sinto no meu corpo não se deve somente ao açúcar do doce ou aos hormônios correndo em minhas veias e sim, também, as boas lembrança dos velhos tempos em que tudo era normal.
    — E então, como vão as coisas no colégio? — minha mãe me pergunta, quase me dando um susto, me arrancando dos meus pensamentos.
    Olho para a rua tomada de carros que se estende a nossa frente através da janela da nossa lata velha ambulante e penso alguns segundos antes de responder. Essa seria uma pergunta fácil para qualquer estudante comum do ensino médio, estudando para passar de ano, indo a festas e paquerando por aí, mas eu não sou uma estudante comum.
     O sinal abre, e a fila congestionada começa a se mover lentamente e antes que o nosso carro avance alguns poucos centímetros até que o semáforo feche outra vez, eu respondo.
    — Como sempre. — dou de ombros.
    Mas ela não fica satisfeita e continua.
    — Você e o Antony não voltaram mais a se falar?
    Solto um longo suspiro e me encosto na janela, ligeiramente impaciente. Não é uma boa conversa para se ter dentro de um carro num engarrafamento em pleno sábado. Nem acredito que estamos enfrentando tudo isso só para comprar algumas roupas idiotas.
    — Não quero falar sobre isso. — resmungo com a boca cheia da maçaroca doce acumulada no céu da boca.
    — Tudo bem. Eu só queria saber como minha filha tem estado nas ultimas semanas desde que perdeu seu melhor amigo de infância. Não tem mal nisso, mas ok.
    — Mãe, eu e o Antony não temos mais volta. Eu já disse isso pra você.
    — E eu me lembro disso, mas não consigo entender o que deu errado entre vocês dois. Aliás, você não tem sido a mesma desde que vocês brigaram e eu não gosto nem um pouco daquela menina que você tem andado.
    Franzo minhas sobrancelhas e me endireito no acento desconfiada. O que ela quer dizer com 'você não tem sido mais a mesma'? Será que ela sabe de alguma coisa?
    — Eu sou sua mãe, Liz. — ela explica como se lesse meus pensamentos — conheço você desde que estava na minha barriga e sei quando tem alguma coisa incomodando os meus filhos.
    — Mãe, eu só... — penso em lhe dizer que estou bem e não tem nada de errado acontecendo, no entanto eu sei que ela não se deixaria enganar. Essa é a mentira mais contada no mundo. E além do mais, tantas coisas têm acontecido comigo ao longo desse ano, são tantos segredos, tanta culpa que carrego que têm sido difícil conviver comigo mesma, e pior ainda é o fato de que me afastei da minha família. Nunca fui muita chegada ou um grude com meus pais, contudo sinto falta deles, sinto falta de como as coisas eram antes e odeio ter que esconder tantos segredos deles — Têm sido difícil os últimos meses. — comento por fim.
    — Eu entendo. — suas mãos acariciam o volante e ela me olha de relance — Mas tudo vai ficar bem. As coisas estão começando a melhorar.
    De fato, as coisas estão melhorando, mas em parte por minha causa. Com o meu novo emprego de fachada como uma fonte de renda extra, a geladeira foi abastecida, os móveis pararam de ser vendidos e meus pais até pararam em falar em vender a casa, inclusive tenho visto mais o meu pai todos os dias. Eu deveria ficar feliz por isso, afinal, era esse o objetivo, mas me pego refletindo se os meus meios para isso justificam o fim. O vale do arco-íris encantado que estamos reconstruindo pouco a pouco em minha casa ruiria em um estalar de dedos se os meus pais ficassem sabendo da verdade. Que eu sou uma criminosa produtora de Ecstasy e montei um grupo de cola organizada na escola. O quão eu realmente mudei em poucos meses depois daquele dia inocente no corredor do colégio em que eu sugeri a Tony que entrasse no time de basquete?
    — Eu espero que sim — forço um meio sorriso e guardo o resto do chocolate na bolsa.
    — Eu também.

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