Capítulo 4

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Acordei mais disposta do que nunca, parecia que o ontem nunca tivesse acontecido.

Me sentei no sofá e retirei as cobertas, ver minha perna curada ainda me deixava um pouco assustada, aquilo tudo era novo para mim, para não usar a palavra "irreal".

Peguei minha calça e a vesti às pressas antes que ele abrisse a porta ou viesse me ver, encontrei o buraco que a bala formou no tecido preto e não pude deixar de ficar triste, era a minha calça favorita.

—É... acho que está na hora de se aposentar calça. —Comentei como se a peça pudesse falar comigo e gritar o quanto eu a tratei mal esse tempo todo.

Recolhi a bandeja arrumando as xícaras, pires e os talheres de uma forma segura para que quando eu movimentasse eles não caíssem. Caminhei até a porta, a abri com o cotovelo e empurrei com o pé.

Ao contrário do que  pensei a porta abria para um corredor de piso de madeira, do outro lado estava a cozinha que era aberta para uma pequena sala de jantar, no fim do corredor seguindo a direita havia uma escada de madeira e corrimão de ferro que levava para um andar de cima e um andar de baixo.

No fim do corredor do lado esquerdo havia portas francesas, abertas naquele momento, que davam para um sacada. A vista era deslumbrante.

Os prédios e os arranha-céus não impediam uma vista privilegiada da serra e do horizonte belíssimo que cercava a cidade.
A brisa entrou fazendo meus cabelos dançarem, ela era gélida e cortante típica de inverno, estremeci um pouco e fui para cozinha colocando a bandeja na pia. Havia uma janela em cima da bancada de cozinha que tinha em seu parapeito vasos com plantinhas de enfeite.

O engraçado era que eu nunca tinha visto nenhuma dessas plantas, uma era uma flor roxa cheia de pelinhos que lembrava mais uma bolinha felpuda, outra era de um vermelho intenso porém minúscula organizadas em cachos e a última era branca com riscos pretos que lembravam mais uma zebra.

A última me encantou pela diversidade, então aproximei minha mão para toca-la.

—Se eu fosse você não faria isso. —A censura era oriunda por detrás de mim, congelei no lugar onde estava, olhei de esguelha e vi Karias brincando com a máscara como se a tivesse ajeitando.

—Me desculpe... —Falei meio sem jeito. Ele estava encostado na parede, os olhos tão azuis quanto os meus me analisavam de cima pra baixo. —É que achei tão lindas.

—Elas são mesmo. —Afirmou Karias saindo da posição e entrando na cozinha. —Mas as substâncias que carregam são o bastante para fazer você querer no mínimo ficar longe delas.

—Então por que as tem na janela da cozinha ?—Perguntei estranhada, ele usava elas para o que? Temperar a comida?

—A cozinha às vezes serve para preparar as poções, as últimas encomendas pediam para usar elas então é mais fácil trazê-las para cá e usar do que ir pegar na estufa. —Karias foi andando para a sala de jantar onde puxou uma das cadeiras e se sentou, havia uma vela acesa em cima da mesa.

—Estufa? —Perguntei, eu já havia visto um estufa antes, na minha casa tinha uma enorme no quintal e plantávamos de tudo, tanto para comer quanto para enfeitar a casa, mamãe adorava orquídeas.

Não percebi o quanto havia me calado até que Karias soltou um risinho de canto de boca.

—Sim eu tenho uma estufa. —Ele gesticulou com a mão. —Você pode explora-la o tempo que você for ficar por aqui.

—Tempo que eu for ficar por aqui? —Repeti as palavras dele sem acreditar nelas e olhei para aquela máscara fria.

—Sim, quero que seja minha aprendiz. O que acha? —A proposta soará como se não fosse nada para ele, eu não pude esconder minha cara de surpresa.

—Quer que eu seja sua aprendiz? —Minha voz saiu gaguejando, um sorriso surgiu nos lábios de Karias e ele movimentou a cabeça com um aceno. —Foi por isso que você me salvou ontem, mas eu não tenho magia, não sei nada sobre.

—Você está confundindo magos com feiticeiros. —A minha cara de confusão só delatava a minha ignorância sobre o assunto. —Magos são pessoas que aprendem a usar a magia enquanto feiticeiros já nascem com os dons mágicos, a verdade é que todos podem ser magos mas poucos são feiticeiros.

—Mesmo assim eu não sei se consigo fazer o que você faz... —Parei de falar quando ele levantou a mão, o fogo saiu da vela e foi parar na mão dele e logo uma carta surgiu.

—Opa outra encomenda. —Comentou ele ao abrir o envelope. —Escute Mia, ultimamente ando necessitando de ajuda para preparar as poções e em outros trabalhos, então como fazia um tempo que não tinha um aprendiz decidi encontrar um.

—Por que eu? -Questionei. —Não havia ninguém melhor para você cogitar? E tem outra coisa sou procurada pela facção mais perigosa da cidade duvido que vão me deixar em paz até estar com uma bala no meio da testa.

—Tenho que admitir que para a maioria das pessoas isso seria um problema mas não para mim. —Parecia que ele não tinha medo, nada podia amedronta-lo o contrário de mim que estava aterrorizada por dentro. —Não há local mais seguro do que aqui. Mas vou deixar você escolher se aceita o emprego, se assim posso dizer, ou não.

Eu não sabia o que fazer, nunca vi aquele cara antes e não sei nada sobre ele para confiar em suas palavras, sei muito bem como o mundo funciona para manter minha desconfiança.

Mas ele foi a primeira pessoa que me ajudou, foi gentil e cuidou de mim. Não sei se estou sendo idiota em aceitar mas não tenho para onde ir e se eu estiver segura poderei começar a minha vida do zero.

Karias esperava uma resposta e pela sua pose relaxada ele já sabia qual eu daria.

—Está bem aceito a proposta de emprego. —Ele se levantou animado, uma chave surgiu em suas mãos.

—Ok, ainda bem que pensou com a cabeça Mia. —Ele se caminhou até a escada onde se virou para trás para me encarar. —Venha precisamos fazer compras, afinal essas roupas de mendiga estão deixando cheiro pela minha casa inteira.

Um rubor subiu nas minhas bochechas.

A Aprendiz do MagoOnde histórias criam vida. Descubra agora