Capítulo 9

5K 732 293
                                    

Olhei em volta aliviada por estar em casa. "Casa" palavra que fazia tempo que não usava e que fora tirada de mim a força pela vida.

Karias ainda se apoiava no meu ombro quando sorriu fraco e falou:

-Vou preparar um café antes de conversarmos. -Senti a falta do calor humano de seu corpo quando ele retirou o braço dos meus ombros e se endireitou, meu mestre foi se afastando em direção da cozinha, acompanhei-o pelo olhar estranhando o fato de estar mancando.

Suas pernas vacilaram.

Não fui rápida o bastante para segura-lo evitar que seu corpo desaba-se no chão igual tronco de árvore cortada, o baque que o impacto provocou me fez prender a respiração, encarei assustada aquele corpo inerte no meio da sala de jantar. Ele morreu?

Alguns minutos se passaram antes que eu voltasse a respirar, aliviada, quando percebi que suas costas subiam e desciam mostrando o pulmão puxando o ar para dentro e o expulsando.

Joguei minha mochila no chão e peguei um dos braços de Karias, o passei pelos meus ombros e o icei, vacilei um pouco pois não tinha mais as pernas dele como apoio e como era pesado, o que ele tinha comido naquele dia?  

-Karias ? -Chamei pelo seu nome mas sua cabeça pendeu pelo meu ombro, os olhos fechados e a respiração calma mostravam seu estado desacordado. -Vamos Karias, sem brincadeira, acorda!

Ele não respondeu, não se moveu, bufei segurando todo aquele peso sobre mim e comecei arrasta-lo até a escada, subir o primeiro degrau foi um sacrifício então coloquei um de seus braços no meu ombro esquerdo e o outro no meu ombro direito. Segurei como se fosse alça de uma mochila. Sua cabeça pendeu na minha nuca e senti sua respiração sobre a minha pele, fazendo me arrepiar. Por que ele tinha que desmaiar agora? Não podia ser no quarto dele?

Subi os outros degraus com esforço mas dessa vez fora mais fácil de levar o corpo inerte de meu mestre, fui caminhando em passos calculados em direção ao seu quarto.

Nunca havia entrado naquele cômoda antes então para mim foi uma surpresa ver uma mobilha de madeira simples, composta por um criado-mudo coberto por pilhas de livros, um guarda roupa e uma cama arrumada. As paredes e o teto eram pintados de um azul escuro com pontos brilhantes brancos e prata imitando um céu estrelado, os pontos brancos se agrupavam nas constelações, algumas conhecidas por mim outras não, e ás vezes eles se movimentavam lembrando estrelas cadentes.

Era tão aconchegante...

Lembrei do prédio abandonado onde passei um tempo antes de ingressar na facção, havia escolhido para dormir o último andar onde uma parte do teto do quarto havia desabado, criando uma claraboia improvisada.

Por mais que no inverno ficasse frio a vista valia a pena, dormia admirando aquele céu, ver tantas estrelas olhando para mim de volta trazia uma sensação de segurança, como se no mundo ainda tivesse alguém que se importasse comigo.

Por várias vezes essas estrelas escutaram meu choro ou ouviram meus desabafos sem julgamentos. Para elas eu não era uma criança de rua invisível. Tê-las por perto era uma forma de me sentir menos só.

Ajeitei Karias em sua cama e tirei os sapatos para que não sujasse o lençol branco e impecável, foi quando vi marcas enormes e já cicatrizadas de amarrações em seus calcanhares. Levei minha mão aos lábios e engoli a seco conforme fui levantando a barra da calça seguindo as linhas de cortes, algumas delas terminavam na pantorrilha outras seguiam até mais para cima da perna onde o tecido cobria.

Um calafrio percorreu a minha espinha conforme meus dedos passaram por um dos cortes, pela cicatriz podia se perceber o quanto era profundo.

Recordei o que Guiffs havia me contado, ele fora condenado pelo uso de magia indevida, porém não achei que o tivessem trancafiado em algum lugar e torturado-o.

A Aprendiz do MagoOnde histórias criam vida. Descubra agora