Prólogo

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(Anos noventa, em algum lugar ao norte do Estado da Virgínia - EUA)

Ava

Deitada em minha cama, tentei distrair-me contando as flores azuis que decoravam o papel de parede do meu quarto, enquanto esperava meus pais dormirem. A brisa suave trazia o perfume das rosas que desabrochavam de baixo da minha janela. A cortina balançava harmoniosamente e era possível ver que o céu estava estrelado. Desenhei mentalmente o mapa de nossa pequena cidade; não havia nenhum edifício, cinema ou shopping. Por outro lado havia um lago lindo, uma floresta maravilhosa e o Phillip... Meu Phillip. Nessa cidade que, poucos seres além dos habitantes sabiam que existia, moravam mestiços de místicos de todas as tribos e todos tinham um único objetivo: Proteger eu e minhas amigas.

Descobriram que eu era especial quando fiz três anos, com as outras meninas demorou um pouco mais, depois disso nos trouxeram pra cá: "Um lugar seguro".

Anos 90, a tecnologia está se desenvolvendo muito rápido e a magia negra está cada vez mais forte. Nossa cidade é isolada e envolvida por uma barreira mágica, uma tentativa desesperada de nos manter longe do alcance daqueles que estão nos caçando.

Mesmo com toda a evolução científica e toda magia que possuímos, ainda há uma doença que não tem cura; o câncer, e é isso que está matando Phillip. Ele é filho de mestiços de décima quarta geração e nasceu com genes dominantes de humanos. Quando soube que o meu amado estava condenado a uma morte dolorosa, fui até a floresta e chamei por Ara, a bruxa Puro Sangue, o único ser que eu conheço que poderia ajudá-lo. Ao contrário do que nos foi dito, existe sim uma cura. Ara ficou comovida e disse que ensinaria a poção, mas eu precisaria merecer. Os ingredientes são muito difíceis de serem encontrados e o modo de preparo exige jejum e concentração absoluta. Fugi e fiquei um mês longe de casa e quando consegui fazer a poção e voltar, a Assembleia estava furiosa; disseram que eu havia colocado a vida de uma única pessoa acima de todos, enquanto o planeta estava ameaçado. Não me deixei ser intimidada por eles; eu amava Phillip e, embora nunca pudesse ser feliz ao seu lado, faria de tudo para que ele sobrevivesse, tivesse uma esposa que o amasse e filhos para brincar no jardim. Todas as noites eu ia visitá-lo e levava a poção; só eu podia fazê-lo, pois para ter efeito uma única pessoa devia dar as doses, na mesma hora, todos os dias, por um mês. Tive medo de que Ara não ensinasse a poção para outra pessoa e talvez alguém que eu amasse viesse a precisar, então transmiti o feitiço para o pingente que meu irmãozinho carregava dependurado no pescoço; ele ainda não sabia, mas estava destinado a salvar muitas pessoas.

Finalmente a casa ficou em silêncio, assim como as ruas; tínhamos um toque de recolher às dez horas e todos o respeitavam. Caminhei silenciosamente carregando em meu pescoço a cura para Phillip; era o lugar mais seguro para a poção, em um pequeno frasco preso a uma fina corrente de prata. Passei em frente ao quarto dos meus pais; eles dormiam, mas pelas frestas do berço vi as pequenas mãos de Isaac se agitando. Meu irmãozinho costumava acordar no meio da noite e ficar brincando sozinho, pelo menos isso era o que meus pais pensavam - a verdade é que ele brincava com um anjo. Sorri para o anjo e ele retribuiu o sorriso como quem dizia: "Não se preocupe, eu cuido dele." Saí de casa mal contendo minha alegria; essa era a última dose da poção, logo que tomasse, Phillip estaria livre do câncer pra sempre.

Caminhei para a casa do meu amado, pois a cidade tem um sensor de magia que é ligado às dez horas e soava um alarme quando alguém a usava. Seria muito mais fácil me tele transportar, mas não quis arriscar ser descoberta.

Interrompi meus pensamentos quando me aproximei da casa de meu amor. Meu coração começou a bater acelerado; esta era a última dose, ele ficaria curado e eu poderia morrer em paz. Em um piscar de olhos meu sonho foi destruído; mãos fortes me agarraram e alguém sussurrou um feitiço que me fez desmaiar.

Quando acordei estava na sala da Assembleia e os anciãos que me prenderam fizeram um discurso de como estava colocando um único ser humano acima de toda humanidade. Eu estava enfeitiçada: Meus membros não me obedeciam, não conseguia falar, tudo o que eu conseguia pensar era que Phillip morreria se eu não desse a ele a última dose da poção. Desesperada, percebi que o sol estava nascendo e senti um beijo suave em meu rosto: Phillip veio se despedir; meu amado estava morto. Senti tanta dor que parei de tentar mover meu corpo, e lágrimas brotaram em meus olhos. A minha frente estavam os anciãos que pregavam o amor ao próximo e o desapego; eles eram assassinos, e iriam pagar pela morte de Phillip. Tudo ficou confuso, não sei se foi o feitiço ou meu coração despedaçado; quando dei por mim a pira já tinha sido acesa e o corpo queimava. Do outro lado estavam os velhos nojentos e em seus olhos não havia sinal algum de pesar ou arrependimento. Então fui consumida pela raiva; eu teria matado todos eles ali mesmo se não tivesse visto o anjo de meu irmão rodeando a pira: ele estava me convidando para outro mundo, outro tempo, estava me mostrando uma profecia. Vi a cidade ser destruída, todos mortos, sangue e mais sangue por todos os lados. E ele continuava a dizer: "Não se preocupe, eu cuido dele." Após o funeral, completamente atordoada vaguei pela floresta escura até tropeçar em uma raiz. E chorei todas as lágrimas contidas, mas não questionei o Criador pelos motivos de minha dor. Enquanto as lágrimas caíam, senti que Ele compadeceu-se de meu sofrimento ao passo que se irritou com a humanidade ingrata. A lua brilhou de forma intensa, uma mulher surgiu a minha frente e disse: "Sua dor chegou ao céu, e justa é a tua causa. A partir da próxima geração as 'Predestinadas' terão direito de decidir como viverão suas vidas. Quando o Espírito que move seu corpo retornar, o Criador irá guiá-lo até o Espírito que movia o corpo de seu amado."

Acordei um dia depois, com minha mãe sentada ao meu lado na cama com uma expressão preocupada. Abracei-a forte e disse que a amava, em seguida fui ao berço de meu irmão e o segurei no colo enquanto sussurrava em seu ouvido o feitiço mais poderoso que eu conhecia; o que me ligava as outras Predestinadas. Em breve eu morreria, meus pais morreriam, mas meu irmão seria protegido pelo anjo e não importava o que aconteceria, o feitiço o levaria até mim na próxima vida.

Saí de casa e elas estavam sentadas na escada; minhas amigas tinham ficado fora alguns dias em um retiro, enquanto isso meu mundo desmoronou. Abracei-as e as lágrimas brotaram em meus olhos. Enfim senti que estava em paz, tudo ficaria bem, nessa e na outra vida, nós cinco estaríamos juntas.

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