Capítulo LI

28 6 0
                                    

Cassandra


Os pais de Ester deixaram-me em uma praça em frente a igreja enquanto falavam com algumas pessoas. Pelo que entendi tinham justificado a morte dos jovens como tendo sido causadas por uma doença contagiosa e quando Ester desmaiou no enterro, todos acharam que ela havia contraído a doença. Muitas pessoas me olhavam de forma estranha e não se aproximavam. Decidi caminhar um pouco, embora não conhecesse a cidade. Nós havíamos passado por um pequeno parque minutos atrás, decidi voltar até ele e fugir do calor. Os pais de Ester não perceberam minha ausência; de qualquer forma a filha deles logo estaria de volta, não havia motivos para pânico. Não foi difícil encontrar o parque; eu tinha uma memória excelente.

Caminhei por uma trilha ladrilhada com pedras rústicas; o lugar era lindo. Eu havia me perdido nas cores das flores maravilhosas quando ouvi um gemido. Segui em direção ao som por instinto. Encontrei atrás de um arbusto, dois homens ensanguentados, corri até eles e examinei o primeiro; ele estava de barriga pra cima, e não tinha o coração. Meu corpo todo se arrepiou: Um mago negro tinha estado ali. Fui até o outro homem que parecia estar vivo. Ele estava de bruços e graças à força licantropa de Ester, foi muito fácil revirá-lo pra cima. O sangue gelou em minhas veias ao me dar conta de quem ele era.

_ Lorde Seth! Lorde Seth acorde!

O vampiro abriu os olhos e me encarou com um misto de dúvida e surpresa.

_ Quem é você?

_ Lorde Seth, sou eu; Cassandra Clark.

_ Cassandra Clark? Estou delirando?

_ Não é um delírio: Fiz uma viagem no tempo e estou temporariamente no corpo de outra Predestinada; Ester.

_ Sim, você pode fazer isso. - Lorde Seth levantou-se com dificuldade.

_ O que aconteceu?

_ Eu e meu servo mais leal fomos atacados por um inimigo poderoso. O mago negro tentou me matar e eu só sobrevivi porque meu amigo me protegeu.

_ Como isso é possível? Eu sei o quanto o senhor é poderoso.

_ O mago tem aliados; fomos emboscados.

O rosto do único vampiro nobre que conheci estava azulado.

_ Eles te envenenaram?

_ Sim, e me abandonaram pra morrer.

_ Que veneno eles usaram?

_ O Três Tempos.

_ Vou buscar ajuda.

_ É muito tarde; não vou conseguir...

_ Lorde Seth, quando escolheu não ser um assassino sobrenatural, demonstrou força e coragem. Sua fé o manteve vivo todos esses milênios, não a perca agora.

_ Sinto meus órgãos se desfazendo, minha mente se apagando. Minhas filhas estão seguras e em boas mãos; é hora de partir desse mundo.

_ Não posso deixar isso acontecer.

_ Não há nada que você possa fazer.

_ Eu viajei no tempo e te encontrei morrendo; quais as chances disso ter acontecido por acaso? O universo conspirou para que isso acontecesse; alguém lá em cima te quer vivo. Sua missão, seja lá qual for, ainda não acabou.

_ Não há mais tempo para preparar o antídoto.

_ Eu tenho algo melhor do que um antídoto. - Estendi o pulso em direção aos lábios de Seth.

_ O que está fazendo menina?

_ Ester é uma licantropa, mas é mestiça de outras raças. O sangue dela é poderoso o suficiente para te curar.

_ Não posso tomar o sangue dela! A garota não está aqui, isso seria uma violação imperdoável.

_ Ela é minha reencarnação; posso te dar o sangue sem violá-la.

_ Isso não é certo; não posso aceitar.

_ Vamos fazer um acordo.

_ Acordo? - Seth já estava perdendo a lucidez; eu tinha que ser rápida.

_ Sim; o sangue de Ester salvará sua vida e quando a vida dela estiver em perigo você a salvará. Te parece justo? - Ele ficou em silêncio tendo um visível conflito ético e moral. - Pense em suas filhas, faça isso por elas, seu inimigo pode ir até elas.

_ Não deixarei isso acontecer: Aceito o acordo.

Seth segurou o pulso de Ester e bebeu do sangue dela. Senti os lábios gelados de Seth e seus caninos afiados cravados na pele morena. Fazia muito tempo que Seth não bebia direto de um corpo, e o sangue da minha reencarnação era como um banquete para o vampiro doente. Ele sorveu uma porção considerável do sangue de Ester; se fosse um vampiro jovem não saberia quando parar. Seth soltou o pulso e eu o recolhi. Logo estaria cicatrizado, mas Ester saberia o que aconteceu; nesse tipo de troca de corpos, eu teria as memórias minhas e dela e vice-versa.

_ Obrigado!

_ Foi um acordo, apenas cumpra sua parte.

_ Eu o farei.

Lorde Seth levantou-se e foi em direção ao corpo do amigo.

_ O que fará com ele?

_ Vou dar-lhe um funeral.

_ Ele tem família?

_ Sim; eu, minhas filhas e minhas governantas.

_ Sinto muito por sua perda.

_ O sacrifício dele não será em vão.

_ Tenho que voltar; os pais de Ester devem estar preocupados.

_ Vou honrar nosso acordo.

_ Eu sei que vai.

Caminhei de volta à praça; esse era um país quente, muito quente. Avistei Mayra e Paulo que vieram ao meu encontro com a preocupação estampada em seus rostos. Ester tinha pais maravilhosos. Eu nunca esqueceria esse lugar, essas pessoas... A hora de voltar tinha chegado.

_ Cassandra, você está bem?

_ Estou.

Sem a menor cerimônia abracei o pai de Ester e adormeci pra acordar em meu próprio corpo.

EntrelaçadasOnde histórias criam vida. Descubra agora