Capítulo I

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(Ano dois mil e dezessete em algum lugar ao sul do Estado do Amazonas - BR)

Ester

Debrucei sobre a cadeira com esperança de que esse gesto não fosse notado pela criatura das trevas que dava aula de matemática. Aquela mulher só podia ter saído de um filme de terror, onde, com sua beleza arrasadora, seduz todos os homens e depois os oferece em sacrifício. Essa ideia me deu arrepios. Mas é difícil encontrar uma descrição melhor para Giulia. Recém formada em matemática, tinha escolhido trabalhar em uma cidade no fim do mundo só pra "ter novas experiências", como ela mesma dizia. Sempre duvidei disso, pra mim ela tinha cometido algum crime hediondo e fugido para cá. Ela era linda: cabelos negros, olhos azuis, pele clara, e lembrava as personagens malvadas de filmes de terror e suspense. O som do sinal me despertou de meus delírios e, quando estava saindo da sala, a cópia mal feita da Megan Fox me chamou:

_ Ester, quero falar com você. - Girei sobre o calcanhar, irritada.

_ O que eu fiz dessa vez?

_ Não se faça de desentendida. Você está com notas péssimas em matemática, e não ajuda em nada ficar dormindo durante as aulas. - O perfume que ela usava me causou enjôo. Pensando bem, não era o perfume, era o cheiro dela.

_ Desculpe! Não dormi bem essa noite.

_ Tudo bem. Só não quero ter que chamar seu pai aqui, detesto ficar na escola depois do horário.

_ Isso não vai mais acontecer. Posso ir agora? - Ela me olhou com desprezo e a encarei.

_ Sim.

Saí apressada para a aula de educação física; não que eu gostasse de fazer exercícios, mas até ser queimada em uma fogueira parecia melhor do que ficar no mesmo lugar que Giulia. 

Cheguei ao gramado atrás da escola (era onde o professor Carlos improvisara um campo enquanto o ginásio era reformado). Todos já estavam se aquecendo para uma partida de futebol misto. Pensei em simular uma torção no pé, mas isso só ia me levar a uma visita ao hospital, pouco mais do que trezentos metros da escola, e onde meu pai trabalhava. Ia ser o caos na Terra. Desde que mamãe voltou a morar na aldeia para desenvolver um estudo sobre lendas indígenas, papai ficou super protetor. Ela só nos visitava uma vez por mês, e era quando ele baixava guarda e me deixava ir à algum lugar sozinha. Se eu aparecesse no hospital fingindo dor, ele iria me obrigar a ficar de repouso pelo resto do mês e isso significava nada de saída quando mamãe chegasse. Caminhei desanimada em direção as pessoas que iriam me oferecer hematomas dali a alguns minutos.

_ Ester, sobrou o lugar de goleira pra você.

Karen como sempre, adorava me provocar. Todo mundo sabia que eu odiava ficar entre as traves; o lugar onde eu não podia fugir da bola. Karen era a garota mais cobiçada da escola, uma vadia na verdade. Loura, cabelos ondulados, olhos azuis, corpo perfeito. Tinha todos os garotos aos seus pés. Olhei para ela desejando que sua perna fosse abocanhada por um jacaré quando fosse nadar.

Após cinco minutos de jogo; um pênalti. De repente, a ideia de ficar em casa de repouso por uma falsa torção, não me pareceu mais tão ruim. Quem ia cobrar o pênalti era Dulce, que ao contrário do nome, de doce não tinha nada. Tinha pelo menos um metro e setenta e cinco, mulata, cabelos curtos, negros, anelados e mal cuidados, e com o porte de um touro. Dulce me odiava, odiava a escola, odiava o mundo. Sempre me perguntei por que ela e Morgana não eram melhores amigas, afinal Morgana era tão sombria quanto uma noite sem luar e parecia indiferente a tudo ao seu redor, não que ela tivesse falado isso, aliás, ela raramente fala. Do outro lado do campo, vi o olhar gelado que ela lançou em minha direção, e quase congelou minha alma. Ela era linda: tinha cabelos pretos, longos e lisos, olhos verdes, boca perfeita... E Morgana parecia sempre saber quando alguém pensava algo que a envolvia ou falava sobre ela, e a "Dama de Gelo" sempre reagia com um olhar capaz de congelar o inferno.

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