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Nem mesmo à luz do sol passava por entre as grandiosas copas das árvores. — Uma terra desprovida de luz e alegria. Até mesmo o chão abaixo de meus pés era negro como a escuridão que pairava a meu redor. Eu só sabia que era dia pois, mesmo com todo o preto, ainda era claro — eu ainda podia ver a vegetação a minha frente, mesmo que com muito esforço.

Era como se a floresta me observasse, buscando minhas fraquezas. Eu sentia o peso de sua atenção em mim, mesmo que não tivesse olhos para me observar.

Nada — nem mesmo o canto de um pássaro pude ouvir. Tudo era silencioso, silencioso demais para uma floresta.

Deixei todos meus instintos ativos, visão apurada, ouvidos atentos, intuição aguçada, tudo para que nada me pegasse de surpresa. Eu estava em um campo minado, um passo em falso e seria pega em uma armadilha, viraria alimento para algo muito pior que o Oráculo —, sabia disso com tanta convicção que até mesmo o medo, era pouco para descrever o que eu sentia.

Envolvendo o arco sobre meu ombro, do lado oposto ao da aljava, comeceu a andar, ciente de cada folha e galho seco que estalavam sobre minhas botas. A serpente em meu antebraço não estava mais fria, e eu a analisei sem saber se aquela mudança em sua temperatura era o indicativo que levaria a meu destino. Levantei meu braço um pouco e me virei sobre os alcanhares, seguindo para o lado oposto a aquele. — Subitamente a serpente ficou fria como gelo e se enroscou mais em minha pele, a apertando... Lado errado.

Voltei-me para posição original e segui, pé-ante-pé. A serpente não se afrouxou.

— Era só um teste! — Me ouvi dizendo ao bracelete.

Jurei ter ouvido o grunhido baixo do Oráculo deixar a pequena forma grudada em minha pele. — A serpente se afrouxou e voltou a ficar quente.

— Tudo bem, — Resmunguei — sem atalhos.

《■》

Os gritos altos não saem de minha garganta mas eu a sinto arder, assim como meus pulmões ardem em protesto pelos esforços. Estou novamente presa abaixo da terra, dentro de uma caverna governada por uma criatura sombria.

Ela sorri para mim. Como se todo o horror estampado em meus olhos fosse apenas algo para se deleitar.

Novamente, ela me faz beber o sangue com gosto metálico e odor putrifero. As lágrimas escorrem por meu rosto, mas não sinto elas escorrerem rumo a curva de meu pescoço. A única coisa que posso sentir e o cheiro forte — como se ele se empreguinasse não apenas em minhas narinas, mas em meus poros, por toda a minha pele.

Não posso abrir os olhos porque sei que se eu os abri, me depararei com os olhos vazios do animal do qual ela me obriga a me alimentar.

Respirar nunca fora tão difícil como agora.

Sinto sua magia percorrer o meu corpo como o veneno de uma cobra, serpenteando para meu peito e subindo ainda mais, até meu rosto. — Ela quer que eu abra meus olhos, sinto em cada osso o seu desejo primitivo para ver a minha reação.

Luto internamente contra seu controle, mas tudo se mostra em vão quando meus olhos se abrem contra a minha vontade.

Perco a fala, perco o pouco de dignidade que ainda me restava e perco meu mundo. O chão abaixo de mim não me sustenta mais.

Porque, a minha frente não está o corpo de um servo morto de olhos vazios.

A minha frente está o corpo mutilado e sem vida de meu irmão Eiry.

《■》

Meu rosto se choca contra o chão primeiro, antes de meu corpo. Preciso de todas minhas forças mentais para constatar que fora apenas um pesadelo. Entretanto percebi que meu maior pesadelo se tornaria aquele que eu viveria de olhos abertos pois, já era noite na floresta negra e eu estava, agora, no chão desprevenida e distraída e apavorada.

Sétima Filha - Traída Onde histórias criam vida. Descubra agora