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O barulho de espadas se encontrando, urros e gruinhidos, sons de nossa guerra, a muito haviam sido substituídos pelo zumbido das moscas e gritos dos poucos sobreviventes.

O campo de batalha outrora repleto de bravura e esperança, agora não passava de um grande e vasto emaranhado de corpos, de humanos, de criaturas, tudo se misturava e eram interrompidos apenas pelos volumes dos corpos de cavalos mortos ou pelo despontar de estandartes caindos para um céu cinzento e sem vida.

Com o calor de Forceu, apesar de ser um dia nublado com o céu cheio de nuvens que formavam uma cobertura espessa sobre minha cabeça, eu sabia que muito em breve o cheiro ficaria insuportável.

Moscas dadevajam sobre olhos focados no vazio, imóveis, sem vida. Nessa hora, elas não faziam diferença entre a carne de humanos ou de quaisquer criatura. Seu banquete esta servido.

A morte tivera um grande trabalho nesse dia.

Abrindo caminho pela planície de terra, lama embebida em sangue, suor e lagrimas, observei os estandartes enterrados sobre os escombros de nosso exército. Precisei usar cada pingo de força que me restava para me manter firme, em pé diante daquela visão, segurando um bebê recém nascido em meus braços.

Olhei para baixo, para seu pequeno rosto imaculado.

O filho de Talick dormia, tão sereno e calmo em contraste com toda a cena de brutalidade a nossa volta.

Meu coração batia, acelerado e tão compassado que podia ouvi-lo em meu próprio ouvido. Encarando rostos sem vida, vasculhei o campo, temendo o momento em que olhos cinzentos e parados olhassem em minha direção. Um a um, encarei soldados de armaduras negras, soldados de Forceu, na esperança de não encontrar o que eu sabia que estava lá.

Virando corpos debruçados, um atrás do outro, com apenas uma das mãos livres. Alguns olhares petrificados eu conhecia. Outros não. Mas mesmo assim o campo de batalha se estendia a minha frente sob um céu em luto.

Quilômetros e mais quilômetros de corpos. Todo um reino de mortos, crueldade e putrefação. E mesmo assim eu os procurava.

Pitter;

Victor;

Aaron.

A lista era imensa em uma guerra que não havia vencedores. Revirando pilhar e mais pilhas de corpos, hora ou outra encontrava o olhar de uma criatura morta. Meu sangue borbulava, mesmo que a muito a vida deixara seus corpos, eu ainda as odiava por tudo que haviam nos feito passar, por tudo ter acabado dessa forma.

Então esse seria meu fim.

Abandonada;

Sozinha;

Quebrada.

Estava anoitecendo. Eu deveria parar de revirar corpos, haviam muitos. Eu deveria parar.

A criança em meu braços se remexia, logo choraria de fome. Ela não deveria estar aqui. Eu não deveria estar aqui. Nenhum de nós deveríamos estar aqui.

Mesmo assim, meus dedos doloridos e embebidos em sangue já seco, se enterraram em armaduras amacadas e carnes suadas, já rígidas, enquanto afastava um corpo atrás do outro.

Por um segundo, perdi meu fôlego, meus pulmões ardiam, mas dessa vez por outro motivo.

Com a mãos livre e trêmula, afastei o corpo grande e pesado de uma criatura das trevas que estava deitada sobre alguém.

Eu a afastei, jogando seu corpo para longe.

Levei um breve momento para entender. O que estava vendo.

Sétima Filha - Traída Onde histórias criam vida. Descubra agora