Capítulo 1: O Fim.

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Os olhos abriram-se em uma rapidez pulsante, despertando-a de um sonho tenebroso que se repetia desde que fora alvejada por um tiro semanas atrás. A respiração célere novamente lhe trazia a sensação de ruína provocada por aquele enigmático atentado, o que suscitou em um medo absurdo que se alastrava por suas veias como um veneno sem cura. A morte havia lhe sorrido naquele instante e, misteriosamente, sobreviveu, enraizando uma dúvida gélida em sua alma: como poderia ter resistido ao disparo fatal daquela arma escarlate que flamejava na escuridão?

Aquele anoitecer havia sido tenebroso e enigmático por incontáveis motivos, pois não se recordava de como havia chegado à Glendalough, no condado de Wicklow, cerca de 60 minutos de Dublin. Sua última lembrança residia no ato de ligar o carro e antes de atravessar o jardim, encontrar um homem de meia-idade com um olhar perturbador que moveu um punhal em sua direção. Era como se tivesse sido teletransportada para a margem daquele lago. Lembrava-se, também, dos rostos encobertos pela névoa de um homem e uma mulher que discutiam sob seu corpo trêmulo ao chão, como se disputassem por sua vida. Clamavam o seu nome... Marine Talbott.

Na manhã seguinte, despertou ainda aturdida sob o efeito da medicação em um hospital particular. Sua mãe a observava com aversão e tecia críticas efusivas a respeito do ocorrido. Todas as despesas haviam sido pagas e as identidades das pessoas que a socorreram, ocultadas. Não havia nenhuma pista, memória, nada a não ser o sussurrar daquelas vozes. Curou-se, inexplicavelmente, no correr dos dias, como relataram os médicos surpresos.

Desde então, um misto de insegurança e sensação de perseguição apoderou-se. Sentia-se vigiada na universidade, no estágio e até mesmo em casa, como se a espreitassem nas janelas. Somando-se a isso, um sono profundo absorvia-lhe o tempo de forma incontrolável, revelando imagens difusas de quando fora atingida e de outras estranhas, como se estivesse perdida em uma floresta e um homem pálido, aparentemente dez anos mais velho, de cabelos escuros e olhos de petróleo lhe observava.

Os sonhos eram conduzidos por memórias fragmentadas, Marine tinha certeza de que não vivera aquilo, embora as imagens estivessem praticamente estampadas em suas pálpebras.

A linha tênue de recordação fora interrompida pelo toque do celular na mesa de cabeceira.

— Alô — resmungou com a voz presa.

— Estava dormindo? — perguntou Susan apreensiva.

— Sempre — respondeu, espreguiçando-se. — Desistiu da loucura?

— Eu queria você aqui, mas esse seu medo é ridiculamente broxante! — discorreu com amargor.

A voz de Susan soava altiva e ofegante, uma vez que caminhava com uma mochila pesada nas costas, logo após deixar o carro estacionado em frente ao parque.

— Insiste em fazer? — Marine levantou-se e mirou o céu através da janela de seu amplo quarto.

— Claro! Estou farta de leituras, quero constatar se isso realmente existe e se existe alguma relação com o atentado que sofreste. — Excitação poderia ser facilmente identificada através da chamada.

— Você sabe que isso é perigoso. Onde você está? — Marine preocupou-se, sempre faltara cautela à sua amiga.

— Phoenix Park. Deseje-me sorte, tchau. — Desligou abruptamente.

O céu de Dublin mantinha-se coberto por nuvens carregadas. Trovões ressoavam ao norte e uma brisa gélida, quase palpável, invadiu o quarto de Marine, ecoando um som agourento no recinto. Como uma espécie de chamado.

A porta abriu-se agressivamente, assustando-a. No mesmo instante, a moldura com a foto das duas caiu ao chão da estante abarrotada de livros. Automaticamente, sentiu uma fisgada de fora para dentro no umbigo, o que fez todo o seu corpo paralisar-se, intuiu algo adverso, assim como no dia em que se despediu pela última vez de seu pai, há quase sete anos.

ELEMENTAIS vol.1 - Labirinto de Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora