Capítulo 30: Guardiões.

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Os passos eram largos e silenciosos, traçados por uma espera visceral que se perpetuava por quase 20 anos. Dhorion sentia medo das verdades que entrelaçavam ele e Feltrin e que deveriam permanecer esquecidas devido à realidade atual.

O passado rechaçava os pensamentos aflitos de Dhorion, pois fora uma escolha difícil; contudo, se não executada, prenunciaria o fim de uma era. Apesar de soar cruel, na mente do Guardião Suplente os motivos que levaram à tragédia foram necessários.

A respiração densa fazia o coração bater ainda mais rápido, ensaiou aquele encontro diversas vezes, entretanto, mirar naqueles olhos de ódio o fazia oscilar, apesar de não aparentar, pois mantinha sempre a postura soberba e o sorriso no canto da boca.

A porta do casebre estava entreaberta quando a visão de Dhorion cobriu toda a sala e notou velas acesas sobre um altar pagão improvisado. Respirou profundamente mais uma vez e parou no batente da porta, anunciando sua entrada.

De outra porta torta no corredor estreito, surgiu Feltrin com os cabelos oleosos bagunçados e com bolsas nos olhos fundos e ameaçadores. As rugas se enfileiraram sobre o rosto macilento.

— Por que não estou surpreso com a sua visita? — disparou raivosamente.

A porta, que estava entreaberta, rangeu fantasmagoricamente.

— Feltrin. — O observou com uma expressão incrédula de cima a baixo. — O que aconteceu com você? — perguntou triste.

Feltrin delineou um sorriso irônico com a ousadia da pergunta.

— Resultado do que fez comigo. — Abriu os braços, mostrando as vestes gastas.

A conexão mental se fez, era como se uma ponte que separava duas vidas interligadas por doutrinas diferentes tivesse se rompido em um raio aterrorizador e reunido o passado e o presente de uma maneira drástica e intensa.

Os olhos cinza de Dhorion percorreram o corpo de Feltrin de uma maneira acolhedora. Já Feltrin, retribuiu frieza.

— Feliz em me rever? — indagou Feltrin venenosamente.

Dhorion adentrou devagar, observando o ambiente sujo.

— Lamento tanto — afirmou em verdade.

— Lamenta? — Vincou a testa.

Dhorion respirou profundamente e afirmou:

— Nunca desejei que tudo tivesse tomado essa proporção avassaladora. — Aproximava-se com cautela.

Feltrin sorriu com os olhos.

— Não seja hipócrita, velho amigo. — disparou raivosamente. — Você consegue mentir para todos, exceto para mim. Pois sei exatamente o traidor que és e, talvez por isso, tenha protegido a verdadeira criança.

Dhorion o repreendeu com os olhos estreitos.

— Você me indicou a mulher errada propositalmente — acusou Feltrin.

— Não lhe indiquei com o propósito de morte — rebateu afrontado.

— Indicou para disfarçar a fuga dos seus amigos e salvar a criança verdadeira, deixando que outra morresse no lugar — rechaçou Feltrin consumido por um ódio incessante.

— Eu nunca imaginei que você iria assassiná-las — contrapôs elevando o tom.

— Não há necessidade de mentiras, estamos a sós. Tente assumir pelo menos uma única vez o que de fato é — instigou imóvel.

O sangue corria de maneira efervescente pelas veias de Dhorion, o qual disse:

— Feltrin, quando descobri fragmentos da terceira parte da profecia, tinha absoluta certeza de que iria me pressionar, porque Kiara sempre apresentou problemas psicológicos por não saber lidar com o dom. Eu e Claire sabíamos o que estava por vir. E se você não lembra, praticamente me obrigou a revelar e, infelizmente, tive de indicar alguém. A irmã de Zenneher se enquadrava nos moldes — discorreu pausadamente. — Somente depois dessa revelação me senti menos perseguido e tive tempo para proteger Marine ainda no ventre de sua mãe. Porém reitero, com absoluta verdade, que nunca cogitei a possibilidade de que você pudesse agir tão covardemente.

ELEMENTAIS vol.1 - Labirinto de Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora