Capítulo 20

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- Fiquei paralisada. Passei muito mal. Achei até que ia desmaiar. Minha mãe parou de chorar e ficou me olhando. Sem dizer nenhuma palavra, ela foi se afastando mecanicamente andando para trás. Eu queria falar, queria perguntar, mas não conseguia.

Nesse instante, Raquel parou de falar, secou as lágrimas que rolavam, ergueu os olhos para Alexandre que perguntou em tom de compaixão:

- O que aconteceu depois? Ela não te ajudou?

Não respondeu exaurida de forças, parecendo desalentada como se vivenciasse novamente aquela situação. 

- Minha mãe nunca me ajudou. Amélia, apesar de seus modos um tanto rudes, foi a única criatura que ficou do meu lado e me abraçou, tirando-me dali.

- Nós voltamos para a outra cidade. Eu fiquei atordoada, debilitada de reações e fazia tudo de modo meio automático. Não queria acreditar no que acontecia. Só me alimentava porque Amélia insistia, praticamente exigia. 

- A única coisa que fiz foi guardar com a vida o envelope com o endereço do meu irmão. Dias depois, o inverno chegou rigoroso e, numa noite fria, muito fria em que nevava, policiais passaram socorrendo para um albergue os desabrigados.

- Deitada num canto escondido, eu estava com muito frio e me encostava em Amélia. Nessa noite eu a achei muito quieta, não me preocupei, porque ela bebia, sabe como é...

- Um policial se aproximou, cutucou-me e chamou para entrar num caminhão. Quando fomos ver, Amélia estava morta. Chorei como se tivesse perdido a minha mãe. Amélia morrera de frio, talvez. Entrei em verdadeiro desespero. Eu não tinha maisninguém. Amélia agia como minha mãe.

- Ás vezes eu penso que ela fez mais por mim do que... Ela me defendia de ataques. A rua é muito dura, ninguém imagina como...

Alexandre, a essa altura, segurava a própria cabeça com as mãos, apoiando os cotovelos nos joelhos. Estava perplexo, triste, incrêdulo, e não sabia o que fazer ou dizer.

Raquel, agora sem tanta emoção, continuou:

- Fui levada para um albergue. No dia seguinte, ao passar pela triagem, viram que eu estava grávida. Foi então que uma assistente social me encaminhou para um abrigo de gestantes desamparadas.

- Nesse lugar, fui bem tratada. Havia médicos, freiras e voluntárias, gentis e educados. Psicólogos, com certa frequência, tentavam conversar comigo. Mas eu não conseguia falar nada, nem me lembro direito como foi esse período. Muito mal informei meu primeiro nome. 

- A única coisa que disse foi que não queria aquele filho. Quando a criança nasceu... 

Sua voz embargou e ela quase não conseguiu continuar, mas por fim falou, desesperada: 

- Eu queria morrer! Eu me odiava! Aliás, quase morri no parto porque tive complicações. Depois, soube que era uma menina porque a irmã Clarice me falou. Eu me recusava a pegá- la, mal olhava para ela... confessou parecendo arrependida.

- Muitos conversavam comigo, mas a partir daí eu emudeci completamente. Assim que me recuperei, pois estava muito fraca, abandonei o lugar sem olhar para trás e deixei lá a minha filhinha. 

Raquel chorou exibindo um grande remorso que parecia castigá-la.

- Procurei meu irmão. Marcos estava preocupado. Por carta, minha mãe lhe contou quase tudo e disse que eu o procuraria. Só que demorei muito tempo desde quando ela havia lhe dito e, quando apareci, eu estava sem o bebê. 

- Meu irmão me recebeu. Ele sempre quis saber onde deixei a criança.

Alexandre ergueu a cabeça e perguntou:

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