Capítulo 11

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  Era o segundo check-in que eu fazia num período de 24 horas para evitar problemas com o assento. A bomba de energia explodida pela ansiedade me dava ânimo para caminhar sem arrastar os pés até sentar na sala de espera do portão de embarque.
  Observar o enorme pássaro de metal me causa um frio na barriga a cada segundo. Meu pai me trouxera e dali foi ao trabalho, desde então faziam quase duas horas de solidão naquele lugar. O sinal da internet 7G estava pegando perfeitamente e eu torrava os dados do mês aguardando a hora de partir.
  Não visitava a terra natal de minha mãe desde os treze e em seis anos coisas podem mudar. Percebo não saber muito o que esperar. Será que tinham adotado termostatos nas ruas? Num mundo utópico teriam.
  Assim que adentro a aeronave, empurro a bagagem de mão grata aos céus pelo corredor mais largo. Fiquei imaginando qual dos passageiros que entravam sentaria do meu lado logo após guardar a mala no bagageiro e me acomodar.
  Acabou sendo um homem de alguma idade entre eu e meus pais. Ele me cumprimentou e se lançou numa soneca com direito a roncos. Esperei a permissão para ligar o celular e ouvir música. Se passaria quase três horas presa num lugar, que fosse da melhor forma.
  Em alguma parte do trajeto adormeci por minutos e despertei no susto quando uma música tocou mais alta que as demais. Pauso fazendo careta e olho para o lado com receio de que meu vizinho tivesse notado. Os olhos dele estavam bem fechados. A mulher na fileira paralela parecia entretida demais digitando no notebook para perceber.
  Arranco os fones de ouvido e passo a observar a vista. O céu cheio de nuvens pequenas, como se tivessem pegado um grande algodão e o despedaçado, se abria infinitamente. No chão abaixo enxergo pontos escuros e outros como caminhos e campos de terra abertos. Observo os círculos aleatórios no solo. Caso fosse uma plantação de milho, eu diria ser obra de extraterrestres.
  Fico olhando pela janela esperando o sono voltar, mas a minha cabeça começa a latejar me fazendo optar por folhear a revista enfiada no banco da frente, abandonando a claridade forte vinda de fora.
  Eu já desejava ter baixado episódios da série que vinha acompanhando ou um filme quando finalmente chegamos no destino. Antes de o avião estacionar de vez, eu havia tirado o cinto e lutado para esticar as pernas no assento diversas vezes. Girando os tornozelos achei ter sentido estalos.
  Deixo o assento logo após meu vizinho levantar. O corredor espaçoso possibilitando pegar a bagagem sem muito aperto. Brincando, transitar dentro da aeronave pareceu melhor do que na sala lotada do desembarque. O mais movimentado do Nordeste graças ao destino turístico, localização geográfica e capacidade. Havia sido transformado em um pequeno Guarulhos com o tempo.
  Porta de entrada para a região, meu avô materno alegou certa vez. Ele e a minha avó eram metidos com política e engajados em projetos de desenvolvimento na província.
  Nesta província, respiro fundo o ar e sorrio. Ainda era o cheiro de aeroporto no ar.
  Piso fora da escada rolante e logo pego um carrinho, relanceando as portas de correr do ambiente à procura da minha mãe no outro lado. Me dirijo para a esteira – minha parte quase favorita de viajar de avião.
  Favorita porque como uma criança de sete anos, gosto de pegar a mala na esteira e quase por medo da possibilidade dela ter sido extraviada ou algo parecido.
  Alívio desliza pela espinha quando vejo a mala vermelha com um lacinho laranja percorrer todo o caminho até onde a espero. Resgato-a com facilidade e saio para encontrar a minha mãe esperando do outro lado do corrimão de metal.
  Sigo todo o caminho até estar fora da zona cercada por barras de metal e preciso desviar de familiares e amigos ansiosos à espera dos outros passageiros, para alcançar o meu pedaço de família.
  Ela me abraça forte antes de qualquer coisa.
  — Tava com tantas saudades. — Seu aperto começa a machucar minha coluna antes que se afaste, ainda me segurando pelos braços. — O voo foi tranquilo?
  — Tão tranquilo que eu nem aguentava mais ficar lá de chatice. Também tava com saudades, vamos? Tô congelando.
  Ela solta o ar devagar.
  — Eu me demoraria um pouco aqui. Se prepare pro choque térmico. — Seu olhar analisa meu corpo e um estalo de língua soa. O cenho dela franzido. — Por que não botou um casaco?
  — Esperava pular do avião e cair direto na praia.
  Como ela disse, depois de pagarmos o preço absurdo do estacionamento, saímos pelas portas e uma brisa morna nos envolve. A que eu mais desejava sentir antes de chegar. Quente, mas de alguma forma fresca. Diferente.
  Minha mãe dirigiu até um restaurante em Boa Viagem onde almoçamos e de lá fomos para a casa dela na cidade vizinha.
  Aroma de bambu preencheu o ar ao meu redor quando abriu a porta de casa e logo me dou conta do difusor na rack preta e branca da sala. Sorrio de lado. Tão típico.
  A casa fora bem decorada. Nisso eu não podia negar que minha mãe era boa. Literalmente, uma profissional em arquitetura e design de interiores.
  Observo-a passar por mim puxando a mala. Ana Bragança poderia passar horas e horas numa loja escolhendo artigos de decoração, quem sabe puxei a ela nesse ponto.
  — A casa é sua — comenta e para numa porta do corredor. — Vem ver seu quarto.
  Me aproximei e quando chego no cômodo estava praticamente igual ao da nossa casa antiga. Destoante do resto desta nova.
  Observo as paredes brancas como parte dos móveis. Um espaço sem cores ou vida. De certa forma, isso me incomodou.
  — Preferi te deixar decorar — explica largando o puxador da mala e sentando ao meu lado na cama. — Não sabia se ia gostar das minhas escolhas e acabei de terminar de arrumar o restante da casa. Mudei bastante coisa.
  De fato, bastante na nova residência era diferente daquela que passamos a vida no Guará. Percebi logo ao entrar. O sofá continuava o mesmo de tom escuro e monocromático, mas o resto era tinha cores vivas para alegrar o ambiente. Por isso notei o contraste quando entrei no meu quarto. Passado dentro do presente.
  — Eu ia gostar se não ficasse muito menina de sete anos, mãe. Gostei da casa, só não sabia o quanto meu quarto era sem graça lá.
  Respondo com sinceridade. Talvez por isso também que eu não gostasse tanto de ficar em casa. Além de lembrar a minha infância conflituosa, nada levantava meu astral. Muito menos as brigas com ela.
  — Eu entendo — permanece em silêncio por segundos antes de estalar a língua. — Ei, meus primos e um amigo vêm jantar, me ajuda na cozinha? — convida colocando a mão sobre a minha.
  Arqueio as sobrancelhas.
  — Dona Ana me chamando pra ajudar na cozinha? Você mudou mesmo, hein? — respondo e levanto sorrindo.
  — Macarronada? — sugere, saindo do quarto.
  Eu a sigo um segundo depois.
  — Vou vir pra cá mais vezes...
  — Num se acostume, não!
  Sem acrescentar mais nada, rio atrás dela.
  Minha mãe começou a fazer o molho e separar as coisas para acrescentar no macarrão enquanto preparo a massa. Ela me encheu de perguntas acerca da viagem e tagarelou sobre voltar para cá logo.
  — Como foi a experiência de modelo?
  Engulo o riso.
  — Boa e terrível. Algumas pessoas que eu não esperava estavam lá e apesar de tudo, nem sou tão próxima assim da Suzane.
  — Pessoas que não esperava? — indaga. — Quem?
  Pensei bem antes de responder, não mentiria para ela acerca de quem era, mas podia omitir. Já estava farta de ouvir do príncipe por parte de Sabrina, não queria falar sobre isso com minha mãe também.
  — Ninguém importante. Fiquei tímida com tanta gente.
  Temi seu estreitar de olhos, logo me ocupo em lavar o pouco da louça suja nos últimos minutos.
  — Te conheço o suficiente pra saber que a pessoa mexe com você — faço cara de quem acha aquilo um absurdo. — Quando tiver disposta a falar sobre ela, sabe onde estou.
  Droga, eu não posso esconder nada dela. Mas a pessoa nem mexia comigo. Era só uma questão de ser encontrada por clientes em posições diferentes daquela de profissional a que estou habituada. Acabo fazendo outra careta.
  — Como tá o trabalho? — quebra o silêncio começando a assolar.
  — Bem. Eu tava trabalhando noite e dia até sexta. Precisei vir pra não ficar tensa demais.
  Ignoro sua corporal arrogância repentina quando a relanceei. Provavelmente estava repetindo mentalmente o 'eu avisei'.
  — Não duvido disso, com o que tava trabalhando?
  Solto um suspiro, fechando a torneira e indo checar a massa. No ponto.
  — Pra família imperial.
  Giro o botão para apagar o fogo.
  — Mas não era só a festa de aniversário?
  — Eu ia, mas fechamos um novo contrato. Passei uma semana tirando fotos da imperatriz... e do filho — acrescento e começo a escorrer a água da panela.
  — Entendi — solta parando de cortar a cebola e pude sentir seu olhar preso em mim.
  — O que foi? — demando.
  — Nada — diz, o tom claramente denotando haver algo mais e volta a picotar o legume. Saio de perto com os olhos ardendo.
  — Quem vem? — procuro saber, sentando à mesa.
  — Mari e o marido, Guilherme e Rodrigo.
  — Rodrigo? — Franzo o cenho. — Quem é esse?
  — Amigo da sua tia.
  — Ah. — Solto e lembro de algo que ela falou no telefone. — Mãe! — Ela acaba se assustando, mas vira um pouco de lado para me olhar. — Disse que ia me esperar pra desempacotar algumas caixas. Como terminou de organizar a casa?
  Ela para e então olha para o teto, sacudindo a cabeça de leve.
  — Arrumei a casa e deixei caixas pra abrir contigo.
  — Ah bom, eu ia ficar chateada se não tivesse me esperado.
  — Ia ficar arretada por isso? Você é chatinha, viu?!
  Meu rosto contrai todo com triunfo e o sorrisinho.
  — Foi você quem me criou — provoco.
  — Isso é manha do teu pai. — Ela gesticula batendo palmas. — Acha que largou? Arruma a mesa.
  Faço o que manda e começo a organizar os pratos, taças e talheres. Ela se vira para checar se eu tinha arrumado a mesa e sorri para mim.
  — Como adivinhou a bebida?
  Olho para as taças e dou de ombros antes de responder.
  — Sei lá, imaginei.
  Adivinhei no histórico funcional à base de álcool. Se não tivesse uma boa garrafa, não era Ana Bragança. Erguendo uma sobrancelha, assente com aprovação uma vez.
  — Mexe a comida na panela enquanto vou na adega.
  Nem disfarço o cair do queixo. Eu entendia seu amor pela bebida, mas não achei ser a este ponto.
  — Você tem uma adega? — pergunto ao me aproximar do fogão e começar a mexer.
  — Pequenininha e móvel.
  Ela sai da cozinha pela porta dos fundos, a qual eu não tinha percebido até então e volta depois de minutos com uma garrafa de vinho tinto na mão direita. Reconheço o rótulo favorito dela por um rápido vislumbre.
  — Depois você vai ver o quintal, tem uma área de churrasqueira e a adega fica lá.
  — Só falta dizer que tem piscina também! Tá no telhado?
   Ela ri.
  — Não. Dá muito trabalho pra manter. — Ela põe a garrafa no suporte sobre a mesa e se volta para mim. — O máximo que temos é uma inflável do tipo "se quiser tomar banho, monte você mesmo".
  Assinto e a campainha toca, ela me expulsa do fogão e manda atender a porta.
  Passo pela sala pegando a chave no caminho e vejo um porta-retrato na prateleira. Nele, uma foto minha abraçada aos meus pais quando tinha seis anos e estávamos na Disney. Eu usava a tiara com orelhinhas da Minnie. Permaneço encarando a foto, parecíamos tão felizes...
  Depois daquela viagem, meus pais começaram a brigar constantemente e por vários motivos. Cada dia era mais melancólico que o anterior para mim. As notas caíram e os contos de fadas não tinham a mesma magia, muito menos histórias de amor. Criar barreiras foi o passo seguinte e tudo começou a ruir em cadeia comigo deixando de fazer amizades, ou permitindo as que já tinha de se desintegrarem ao pó.
  Quem sabe isso aconteça até hoje, quando não deixo Sabrina entrar em meu mundo e me prendo ao trabalho. Era bem mais fácil e livre de dor assim. Pessoas machucam umas às outras.
  A campainha toca pela segunda vez me tirando dos pensamentos em um susto. Olho para a chave na mão e saio de casa para abrir o portão quando minha mãe chama meu nome.
  Abro-o esperando uma ou duas pessoas e lá estavam todos os meus primos, João e um cara que eu julgava ser o tal do Rodrigo que era um coroa bem... bonito, por sinal.
  — Boa noite — cumprimento dando meu melhor sorriso. — Podem entrar, minha mãe tá na cozinha.
  Fecho o portão assim que todos passam por ele.
  — Jô! Como foi a viagem? Não te vejo desde aquele dia na festa.
  — Foi boa. Cadê Thiago? — pergunto olhando para os lados procurando meu primo.
  — Ficou em casa. Amanhã tem prova cedinho.
  — Ah, boa prova pra ele. — Desejo e me viro para o irmão, décadas mais velho que o filho da Mariana. — Você parece... velho.
  — Coroa — corrige passando uma mão pelo cabelo e me arranca uma risada. — Tu que tá velha... já vai fazer vinte. Aviso de antemão que quero uma fatia de bolo e se tiver morango, tem que ser a com ele.
  — Irei me certificar de ter bolo e morango. Só não garanto uma festa, sequer teria quem convidar.
  Caminhamos lado a lado até a casa e ele olha para mim fazendo cara de assustado.
  — Por que não? Cadê teus amigos?
  — Amigos? As únicas pessoas com quem mantenho contato sempre são a minha assistente, papai e a família dele.
  — Então vem pra cá, a gente faz uma festa pra você.
  Sentamos no sofá ao mesmo tempo enquanto procuro resposta.
  — Pensarei no caso. — Viro o rosto para o lado por um instante. — Nunca vi esse amigo da tia Mari.
  Ele relanceia o homem que estava na cozinha e depois volta para mim.
  — É uma looooonga história a amizade desses dois, inclusive também foi por ele que minha irmã conheceu meu cunhado.
  Quer dizer que ele estava por ali ainda há mais tempo do que eu?
  Apoio uma mão no braço de Guilherme.
  — Já entendi que preciso pegar pipoca.
  — De preferência um balde.
  — Vocês chegaram na hora que a macarronada ficou pronta — minha mãe chega na sala acompanhada dos outros. — A gente pode jantar agora ou quando esfriar.
  Concordamos de comer depois que a comida amornasse e ficamos espalhados na sala batendo papo, falando principalmente sobre a juventude daqueles seres.
  A conversa é interrompida quando minha mãe nos chama para comer e é retomada à mesa. Em duas taças de vinho fiquei a par da história da minha tia com o amigo.
  — Espera aí, eu fiquei louca. Quer dizer que minha tia conhecia a sua mãe. — Uso os dedos para apontar de um para o outro. — Vocês namoraram e depois minha tia casou com tio João, que é seu meio-irmão? — Olho para Mariana. O choque estampado no rosto e rio. — Se bobear pegou até os melhores amigos de cada um. — Assinto em aprovação. — Preciso de algumas aulas.
  Mariana passou na frente quando imaginei que Guilherme falaria algo sobre eu ser nova demais para aquilo.
  — Pois é. — Ela dá de ombros. — É fácil de se perder na história.
  — Eu avisei pra ir pegar pipoca — Guilherme fala e lhe lanço um olhar acusador.
  — Fui eu quem disse isso! — Foco em João com a reprovação no semblante. — E você devia ter vergonha, talarico.
  — Família é sobre partilhar — se defende e dou risada com Guilherme.
  — Que nojo.
  — É sobre isso — Rodrigo comenta a alegação do meio-irmão fazendo os demais rirem de algo que não consigo pegar a graça.
  Conversamos por horas até que eles foram para a sala. Ouço o papo de minha mãe com sua prima calada na cadeira da mesa.
  — Você já pensou em cortar a franja, Joana? — Mariana chama minha atenção e quando não respondo, pergunta: — Joana?
  Sacudo a cabeça ao sair do transe.
  — Oi? Não, nunca pensei.
  — Ia ficar bonita. Conheço uma cabeleireira ótima, se quiser fazer antes de voltar...
  Penso sobre aquilo. Tento me imaginar com franja, mas não consigo. Encaro minha mãe buscando resposta.
  — Acho que você devia. Mudar um pouco faz bem. — Aparentemente vinha repetindo aquele discurso com constância desde que retornou para cá. Ela abana uma mão. — Tu fica linda de qualquer jeito.
  Sorrio com sinceridade e assinto convicta. Ou talvez fosse o álcool deturpando um pouco de minha razão. Ainda que eu não tivesse bebido tanto.
  Atravesso o olhar ao redor e paro na minha mãe. Não era álcool, mas espírito de mudança começando a brotar em mim. Efeito colateral da vinda à província?
  — Tudo bem, eu faço.
  — Ok, vou marcar com ela e te ligo.
  — Obrigada.
  — Nada, fofa. — Então ela encara minha mãe e com a mesma fluidez que havia me sugerido experimentar um novo corte, mudou de assunto. — O que vão fazer amanhã?
  Ana olha para mim.
  — Num sei, tava pensando em levar ela pra praia.
  Praia... eu ia para a praia.
  Poderia dançar de alegria ali mesmo se não me contivesse. Fazia tanto tempo desde o último banho de mar que quase nem lembrava de sua existência. Penso nas roupas de banho novinhas e finalmente cai a ficha de para quê eu as tinha comprado.
  Começo a borbulhar de alegria por dentro e não consegui conter o sorriso. Resolvo lavar a louça para não ser pega sorrindo para o vento.
 Quando terminei com os pratos, recebendo um agradecimento da minha mãe, desejei boa noite e aleguei estar caindo de sono, mas na verdade só queria dormir para o amanhã chegar mais rápido.

  Foi minha mãe quem me acordou no dia seguinte e antes que eu pudesse implorar por minutos a mais, me dou conta do passeio marcado para o dia. Se não estivesse tão cansada fisicamente, poderia ter levantado com um pulo.
  Suspiro e afasto o edredom sentando na cama. Olho fixamente para algum ponto no piso do quarto pensando em tudo e nada ao mesmo tempo.
  Levanto e tomo um banho antes de voltar ao quarto para vestir o biquíni, com minha mãe invadindo diversas vezes para me lembrar de levar algo.
  — Iremos só nós duas? — pergunto quando ela entra no quarto pela sexta vez naquela manhã.
  — Vamos encontrar Guilherme e a esposa dele lá.
  — O Gui tem esposa? — ela me encara com cara de assustada e olho rapidamente para trás pensando que talvez houvesse um bicho. — Que foi?
  — Tu não sabia que ele é casado? Em que planeta você vive, minha filha?
  — Não lembro de casamento algum dele. Pensei que só namoravam.
  — A gente não veio pra cerimônia, eu e seu pai tava no meio do divórcio na época.
  Ah. Minha boca entreabre.
  — Eu morreria sem saber dessa. Não consigo imaginar ele casado e a falta da aliança só reforça essa dificuldade.
  Ela solta uma risadinha da minha falta de conhecimento sobre a família materna e sai do cômodo anunciando o café da manhã.
  Espalho protetor solar no corpo antes de ir à cozinha e no caminho presto atenção em mais porta-retratos, só que desta vez nos do corredor.
  A maioria era de viagens em família, sempre transparecendo a felicidade que provavelmente nunca existira. Algumas outras eram apenas minhas. Me admirava haver uma ou outra com meu pai.
  Observo o mural até parar em uma específica. A qualidade da imagem não era tão boa quanto a de hoje mas se tratava de uma festa da minha mãe, provavelmente seus quinze anos.
  Agora era raro essas festas acontecerem. As jovens debutantes preferiam viajar a fazer bailes e quando faziam, ou eram garotas de famílias muito tradicionais, ou realmente curtiam eventos.
  Eu escolhera nosso rodízio de massas preferido com meu pai e Suzane – que já o namorava –, acompanhados de Pedro. Nem foi a melhor ida, na verdade. O filho de Suzane era um tanto chato na época, tornando sua presença insuportável.
  Mas aí viajei para a Argentina com minha mãe – como a outra parte da comemoração dos meus quinze – e apagou todo o desconforto passado no restaurante.
  Fiquei ali olhando para a foto dos meus avós. Vovó Rosa faleceu meses depois de eu completar catorze anos e meses antes dos dezessete, foi a vez do meu avô.
  Não passei tanto tempo da vida com eles para sentir profundamente a perda, porém ver minha mãe sofrendo e as lembranças dos momentos que passamos juntos nas minhas poucas viagens para cá foram o suficiente para que derramasse algumas lágrimas.
  — Você sente falta deles? — surpreendo minha mãe que lia o portal de notícias.
  Ela levanta o olhar com a expressão de dúvida no rosto e aponto para o mural.
  — Seus pais, meus avós.
  Por uma fração de segundos o seu rosto adquiriu um ar de tristeza. Ela suspira antes de responder.
  — Bastante. Fiz torrada. — Declara e indica com a cabeça o prato cheio à sua frente.
  Percebo que tentava mudar de assunto então dou um meio-sorriso antes de sentar e comer.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora