Entro correndo no estúdio e Sabrina pula na cadeira assustada.
— Que susto! Onde você tava?
— Dormi tarde, acordei tarde. Demorei mais porque tive que ajudar um cara a trocar o pneu. Dá pra acreditar que ele não sabia?
— Eu também não sei. — Dá de ombros. — Onde ele tava?
— Na pista local da BR.
— E você confiou? Podia ser um assaltante ou pior. Não foi assim que a garota da província da sua mãe foi sequestrada?
— Não. Ela pegou carona com o sequestrador e isso foi há muito tempo.
— Ele podia se inspirar no cara.
— Duvido muito. — Faço uma careta e vou para minha sala preparar o equipamento. — Pronta? Tô indo fazer as fotos pro shopping.
— Espera só eu desligar o computador, vai guardando as coisas no carro que te encontro lá embaixo.
Assinto em resposta ao sair para descer as escadas da galeria e ir até o carro. Sabrina só me alcança e entrega a chave da loja quando fecho o porta-malas.☆
Tiro uma série de fotografias da Esplanada, de diversos pontos do Paranoá e finalmente do Palácio da Alvorada.
— Vamos na Praça dos Cristais — sugere. — Lá é massa e tô me sentindo observada aqui, não gosto dessa sensação.
— Sim. — Levanto o olhar para ela, concordo e rio de sua reação. — Certo, deixa eu só ver as fotos que tirei daqui.
Volto a concentração para a câmera e quando termino, observo minha assistente lançar olhares para todos os lados como se estivesse sendo perseguida.
Depois do comentário que o cara de mais cedo podia ser um sequestrador, só me faltava isso. Aperto as sobrancelhas.
— O que você tem?
— Estamos sendo observadas — repete convicta.
— Mas é claro. Com todo esse equipamento é impossível passar despercebida. Para com isso, tá me dando nos nervos.
— Tá bem.
Mesmo após finalizar a sessão de fotos, continuava insatisfeita com o resultado.
Estalo a língua, apertando a ponte do nariz.
— Não tô curtindo essas, queria algo melhor. Mágico.
— Então junta natureza e cidade. Vou procurar o pó da Sininho. Conhece algum traficante?
Penso sobre a primeira sugestão e uma luz se acende na minha cabeça. Ignorando aos seus comentários posteriores, solto:
— Você é demais! Vamos passear e depois voltamos aqui.
Caminho de volta ao carro levando o equipamento. Sabrina faz questão de erguer o tom ao falar contrariada:
— Não vou usar droga, tá doida? Minha mãe me expulsa de casa.
Esperamos o pôr do sol para iniciar uma segunda sessão, porém dessa vez uso Sabrina como modelo para algumas capturas. E, durante a noite, aproveito as várias luzes e a altura para fazer novos cliques.
Apenas em casa seleciono quais imagens poderiam ir para exposição. Elas ficariam expostas nas paredes de um corredor levando à nova etapa do shopping, por onde as pessoas poderiam passar e apreciar as imagens. O melhor: nada disso seria temporário.
Eu havia deixado Sabrina em casa no caminho de volta. Ela transbordava felicidade por se mostrar útil em mais um trabalho.
Cerca de vinte minutos após ter enviado as fotos editadas, recebo o e-mail de resposta com um elogio seguido de agradecimentos pelo trabalho. Abaixo o convite para uma festa após a inauguração da nova etapa.
O ar prende na garganta rápido o suficiente para me fazer soluçar.☆
Dois dias depois, desperto um tanto ansiosa. Sábado de folga. No dia anterior foram tirar minhas medidas e quem disse que seria fácil?
A designer de uniformes da família Imperial – como se apresentou Patrícia –, veio acompanhada do sapateiro Rafael. Ela parecia estar na faixa dos quarenta, enquanto o homem em algum lugar no fim dos trinta.
— Vocês querem ir tirar nossas medidas naquela outra sala? — indaguei após se apresentarem e os dois trocaram um olhar.
— Nossas? Tem mais alguém?
— Sim, minha assistente, a Sabrina.
Eu não sabia que Sabrina não poderia me acompanhar até aquele momento e a notícia foi como um belo chute nas costas.
Enquanto Patrícia explicava que minha assistente não iria, eu percebia a decepção tomar o rosto da garota e o meu também.
— Tá bom, então — foi minha resposta breve e pouco reativa.
Os dois só partiram quando meus braços estavam cansados de levantar e abaixar. Finalmente pude ir à sala de espera para tentar consolar a jovem.
Seus cachos loiros e formavam uma cortina sobre o rosto abaixado.
— Poxa... eu não sabia que seria só eu.
Ela levantou o queixo ao ouvir minha voz e seu semblante ainda era tristonho. Segurei o aperto no peito.
— Nem eu. Mas zero problemas, você arrasa com ou sem mim.
— E se eu tentar explicar praquela Maísa que preciso de você?
— Eu não acho que vai colar. Tem toda aquela coisa de segurança...
— Vou tentar mesmo assim — garanti. — Mas você vai comigo pra festa de inauguração da parte nova amanhã, não vai?
Seu rosto iluminou com o sorriso.
— Claro, eu sou a modelo.
— Passo pra te buscar.
— Agradecida.
Depois daquilo voltei à minha sala e consegui convencer Maísa Tavares a permitir que Sabrina fosse comigo.
Minha colega desacreditou da boa notícia primeiro e no instante seguinte achei que sairia gritando galeria afora.
E ali estava eu, arrumada no meu melhor traje para a festa. O meu pai e a esposa também iam, prestes a abrir na nova etapa mais uma loja da empresa vestuária de Suzane. Aproveitei a carona deles e pedi para buscar minha assistente.
Toquei a campainha e ela abriu em cerca de dez segundos.
— Se eu pensar que você estava com a chave na mão só esperando a campainha tocar, acertei?
— Quem negou não tá aqui.
Ela desfilou passando ao meu lado e me acompanhou até o carro fazendo uma careta de aprovação antes de entrar.
Aprecio meu trabalho exposto em quadros imensos antes do público geral conhecer a nova etapa e seu belo corredor de ligação com a antiga.
Dava a impressão que eu seria capaz de adentrar a fotografia se olhasse por muito tempo. Quase me lembrava a sensação exata de estar fazendo aquele clique. Hipnotizante.
A imagem contendo a silhueta de Sabrina entrou em nosso campo de visão e ela segurou o grito de emoção.
— Olha eu, olha eu! — repete animada.
Dou tapinhas em seu braço. Ela se acalma aos poucos, lembrando tempo e espaço.
— Ficou maravilhoso... Tá de parabéns. — De fato, meu pai parecia impressionado.
A verdade era que até eu fiquei hipnotizada com o resultado. Havia beleza, emoção e movimento. Exibia a parte bonita da cidade.
— Realmente, um trabalho magnífico. — Paulo Marques, um dos responsáveis pela fundação do shopping elogia. Nós nos viramos e enquanto eu e Sabrina paralisamos, meu pai e Suzane se apressam em cumprimentá-lo. — Prazer é todo meu em revê-los. Essa é sua filha? Seu pai nos apresentou o trabalho, mas devia ter falado dessa artista muito antes.
Pisco sob sua atenção.
— O quê? — Olho para meu pai e quando assente, quase o abraço ali mesmo, mas melhor deixar para outra hora. Abro um sorriso brilhante e terno. — Ele é uma das melhores pessoas que conheço mesmo.
— Prazer finalmente conhecê-la, Joana. Sua amiga?
Abro espaço para nossa acompanhante se incluir na conversa, indicando-a com o braço.
— Sabrina, ela é minha assistente. Quando não tô com criatividade ela é quem me ajuda dando algumas ideias, na verdade.
— Prazer conhecer — cumprimenta com um aceno pequenino de mão.
— Igualmente, vocês formam uma equipe e tanto. — Ele admira mais uma vez os quadros e volta a atenção para nosso grupo. — Parabéns. Tenho que cumprimentar os outros convidados, espero que gostem da festa.
Quando ele sai, Suzane nos chama para ir até a loja. Seguimos minha madrasta e no meio do caminho, encontro Maísa Tavares.
Finjo não a ver, mas quando passamos por ela, Maísa acena para nós e peço para irem em frente, restando apenas nós duas. Suzane inclina a cabeça reconhecendo a profissional antes de continuar andando.
— Boa noite — cumprimento.
— As fotografias ali na frente são seu trabalho?
Confirmo tentando conter a pontada de orgulho ameaçando tomar meu corpo.
— Aquelas imagens estão ótimas, espero que faça tão bom trabalho na festa do nosso querido príncipe Enzo.
Nosso, seguro o riso. Eu definitivamente não me importava com sua existência. Não até que se tornasse o imperador.
— Eu também. Quem sabe até melhor, obrigada por ter entendido que preciso da participação de minha assistente.
— Não há de quê. Se ela favorece seu trabalho, então não tem problema um funcionário a mais. Tudo do bom e do melhor para os Albuquerque.
— Com certeza — concordo, mesmo que achando um tanto desnecessário tamanha bajulação a uma família de ladrões. — Bom, preciso me reunir com o meu pessoal se não se importar.
— Está bem, até a próxima. Preciso voltar aos meus afazeres, represento a Família Imperial hoje. Não puderam vir, mas vou falar especialmente dessas fotografias. É um alívio estar em boas mãos sem nosso fotógrafo usual.
Me afasto com uma breve despedida agradecida. A conversa pusera um peso a mais de cobranças nas minhas costas. De repente me vejo determinada a agradar gente desprezível.
Sacudo a cabeça para focar no agora. A loja parecia um inferno com pessoas indo e vindo. Desvio de pelo menos duas funcionárias praticamente correndo até conseguir encontrar meu pai e Suzane.
— Minha Nossa Senhora da Misericórdia, eu quase não chego aqui — comento com o meu pai que ri de minha reação.
— Acho que isso não é pior que os preparativos para a festa do príncipe.
— Tô seriamente pensando em desistir depois de hoje.
Pressão demais, caos aos montes. Tudo o que eu mais odiava. Ele dá tapinhas em meu ombro.
— Faz parte, faz parte.
— Ei, chegou uma galera aí dizendo que já vai inaugurar e é pra gente estar lá na frente — Sabrina avisa.
Meu pai segura meu braço e me acompanha até a porta perguntando se Suzane viria conosco. Por sua vez, ela pede para irmos na frente.
— Às vezes sonho com o dia em que vou te levar assim pro altar — comenta.
Faço a cara de quem chupa limão.
— Pai, não. Eu não quero casar.
Eram sobre decepções amorosas que livros, séries, músicas falavam o tempo inteiro. Foi de uma família disfuncional que vim. Sinto precisar de tudo, menos uma dose de fracasso matrimonial.
— Fala isso porque não conheceu alguém que ame e queira levar pra vida toda. Do que tem tanto medo?
— De não dar certo e eu terminar infeliz que nem minha mãe.
Ele parece se sentir culpado. Maldita língua teimosa que eu tenho.
— Mas você não precisa terminar igual ela. Se escolher um bom caminho vai ser diferente. — Diz e faz uma pausa para observar o corredor. — Sua mãe tá daquele jeito porque escolheu parar de viver. Escolheu se prender naquela casa. Olhe só pra mim, saí de um casamento infeliz porque escolhi ser feliz. Sempre teremos segundas chances e precisamos aproveitá-las enquanto podemos.
Paro de caminhar e viro para ele, obrigando-o a se voltar para mim também.
— Pai, valeu... Por ter me dado essa oportunidade de tirar fotos pra cá. Sabe o quanto tudo isso significa pra mim.
Ele exibe um sorriso simpático e sábio.
— Viu? Já tá seguindo o caminho certo, mesmo com a reprovação dela em relação a sua carreira. Você persistiu e olha a que patamares tem chegado. Sempre será minha garota.
Sempre seria grata por tê-lo. Hugo Medeiros era uma parte vital minha. O ponto de calmaria que eu tinha na relação com Ana Bragança. Ele me compreendia e apoiava a todo custo.
Eu o abraço apertado pretendendo esconder a onda de emoção e escuto um clique de câmera. Me viro para encontrar Sabrina feliz da vida balançando o celular contendo uma foto bonita na tela. Desvencilho dele para observar melhor.
— Você tá aprendendo bastante comigo, pequena aprendiz. — Elogio dando tapinhas em suas costas.
— Obrigada, tenho uma das melhores professoras de Brasília.
Rimos juntas e quando Suzane chega, voltamos a caminhar em direção ao começo da nova etapa.
— Primeiramente, quero desejar uma boa noite a todos os presentes.
Paulo Marques começou a ditar seu discurso um tanto chato e simplesmente desliguei minha audição até o momento em que citou minhas fotografias.
— Uma outra novidade é a galeria de fotos. Nosso corredor com imagens exclusivas tiradas pela fotógrafa brasiliense Joana Medeiros. — Ele acena para mim e sorrio para o público sob aplausos. — Um trabalho bem feito e que vai impressionar todos vocês.
Ele continuou seu discurso e desliguei novamente até perceber que finalmente inaugurariam a parte nova.
— Sem mais delongas, sejam bem-vindos à sexta etapa do Shopping Light Way.
As cortinas foram abertas e os consumidores que pararam para assistir à inauguração, avançaram animados pelos novos corredores.
Retornamos à loja e passamos um bom tempo lá vendo Suzane e meu pai tirarem fotos com desconhecidos. Passamos horas sentadas e batendo papo até nos chamarem para irmos à festa.
Uma comemoração ótima e que embora não estivesse nas minhas definições de divertida, me fez chegar na casa do meu pai quase desmaiando de sono.
Ainda tive tempo para decidir que, dependendo do meu estado no dia seguinte, voltaria para casa.
E assim o fiz. Me despedi depois do almoço e voltei para o lar, infernal, lar.
Cruzo a porta de entrada. Ana assistia televisão na sala com uma taça na mão e a garrafa de vinho quase vazia na mesa de centro.
— Quem é vivo sempre aparece...
— Sério? Por isso que prefiro ficar lá. Mal chego e é assim que me trata.
— Como? Pior que dona Suzane? — Quis saber com amargo. — O que ela faz? Te paga uma massagem?
— Não preciso discutir com você sobre isso.
— Por quê? — Percebo que a bebedeira fazendo efeito e que realmente não adiantava discutir... mas ela simplesmente me tira do sério. A minha mãe levanta as sobrancelhas. — Então é verdade? Ela paga mesmo? E eu achando que viagens eram o único mimo dela...
— Mãe, por favor. — Pego a garrafa de vinho e a carrego para guardar no meu quarto. Ela vem cambaleando atrás de mim. — Não fuja de mim, meu amor.
— Você tá bêbada — resmungo.
— Não tô — sua fala meio pastosa prova o contrário e a percebo derrubar quase todo o líquido na caminhada até chegar em mim.
Pego a taça de sua mão e bebo o que restou bebida queima um pouco meu esôfago ao descer de vez. Tinha mais álcool do que sabor.
Leio o rótulo de olhos apertados. Abro a porta do cômodo e guardo a garrafa enquanto ela vai até o próprio quarto.
Vou à cozinha e lavo a taça. Checo-a
para descobrir que já está deitada na cama e adormecida.
Apenas então sigo para o meu quarto tentando conter as lágrimas, mas quando sento na cama, abraço os joelhos e a pilha de estresse desaba sobre mim.
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Princesa da Alvorada
RomanceO ano é 2047 e há 26 anos o Brasil deixou de ser uma república presidencialista para voltar ao sistema de monarquia parlamentarista, através de um plebiscito. Em pouco tempo do novo sistema de governo, um massacre acometeu a família imperial no mesm...