Caminho na direção do bar com ele no encalço. Paro em um lugar longe da galera se apertando na pista de dança. A minha mãe costumava lembrar que aglomeração se tornou tudo o que muitos temeram, mas sentiram falta durante parte de sua juventude. Covidiota, ela apelidara o vírus que atormentou o mundo por anos.
— Eu não sou má pessoa então te aviso uma coisa: a Joyce me disse que tomou um copo desses, ficou bêbada e vomitou pra caramba. Sugeri o drinque e tô avisando os riscos, a escolha agora é sua.
Ele abre um pequeno sorriso ao perceber algo que não consigo decifrar de imediato.
— Acho que é a primeira vez no ano que escuto alguém dizer isso.
— Você ainda vai poder escolher algo além disso na vida. Então o que decidiu?
— Eu vou tomar esse negócio.
Assinto e me aproximo do bartender para fazer o pedido. Ele olha para mim impressionado e inclino a cabeça para o lado, incitando-o a dizer.
— É o mais forte que tenho aqui.
Balanço a cabeça, ignorando a maneira como o homem descaradamente duvidou da capacidade de meu fígado.
— Não é pra mim...
— Mas tem certeza que a outra pessoa quer?
Estreito os olhos de leve.
— Ela me assegurou.
O cara dá de ombros e começa a preparar. Falhei em não parecer abismada com a dose de vodka quando ele já tinha feito algumas misturas no copo. Desvio o olhar quando o atendente me encara com um sorriso.
Agradeço fazendo careta para a taça com o líquido vermelho. Escolho um canudo de papel bonitinho e ouso tomar um gole. O pequeno incêndio desce pelo esôfago me fazendo sofrer um pequeno acesso de tosse.
Ligeiramente desorientada, fico de pé ali ponderando se daria mesmo aquilo para o rapaz à minha espera. Valia a pena gastar o réu primário matando o príncipe por combustão interna?
Solto uma risada maldosa decidindo que sim e jogo o canudo na lixeira para não deixar pistas. Mordo a parte interna da boca para evitar sorrir.
— Tem certeza, né?
— A não ser que queira beber por mim.
Não, obrigada.
— Eu lavo minhas mãos. — Falo e entrego a taça para Enzo.
Ele deu o primeiro gole na bebida e fez uma careta antes de comentar:
— É sério isso? Tem gosto de morango e... — Franze o cenho ao encarar a bebida. — maçã?
E então bebeu mais um pouco do líquido, retorcendo a face. Ele apoia a taça na mesa.
— Você fez tanto drama pra isso?
— Sua cara diz o contrário. Nem dá graça de beber com você! — reclamo lhe arrancando uma risada. — Deve ser daqueles amigos que acabam tendo que cuidar dos outros.
— Eu seria, se tivesse amigos. — Declarou, erguendo o indicador.
— E eu quase ri, quase. Mas lembrei que também não tenho.
Paramos pensando no quão melancólico aquilo era até que seu rosto ilumina.
— Acho que somos nossos primeiros amigos.
— Por acaso tem alguma ideia do que amigos fazem?
Ele pondera rapidamente e seca o Lua Sangrenta.
— Nenhuma.
— E o que a gente faz, então?
— Não sei, bebemos?
Assinto, apontando a cabeça na direção do bar.
— Parece fazer sentido.
Ele me acompanha e o bartender ergue as sobrancelhas ao nos avistar.
— Qual o próximo? — Pergunta, animado.
— Um copo de uísque pra mim e você?
— Também — digo.
— Eu tava pensando... o que acha de pulseirinhas da amizade?
Quase engasgo rindo alto com a sugestão e inclinando a cabeça para trás.
— Isso sempre fica só na teoria.
— Nosso dever quebrar o ciclo pondo em prática. — Declara, convicto. — Agora falando sério, de minha parte é até aceitável... Mas você realmente não tem amigos?
— Sim, pelo menos não algum que tenha sobrado.
— Mas e a sua assistente?
Penso sobre o que havia entre eu e Sabrina, eu nunca a considerei uma amiga de verdade. Amizade para mim sempre exigiu algo especial além da convivência obrigatória e eu não sabia se isso existia entre nós.
O bartender entrega nossos copos e voltamos à varanda onde poderíamos ter uma conversa mais tranquila. Onde o som era mais baixo de modo que não precisaria pedir para ele repetir algo mais de três vezes.
Paramos junto ao parapeito e dou de ombros, retorcendo a boca de lado.
— Eu não considero ela tanto assim.
O jovem príncipe não esconde a surpresa.
— Jura? Achei que fossem melhores amigas.
Ergo uma sobrancelha, a incredulidade clara em meu semblante.
— Parece?
Enzo demora a responder, como se estivesse analisando em suas memórias os momentos que nos viu juntas.
— Pensando bem, parece mais que você não dá muita bola a ela. — Ele fala com sinceridade que me atinge em cheio. Aperto os ombros.
— Talvez eu não queira aceitar ninguém além da família na minha vida.
— Por que não?
— Prefiro não sofrer com perdas? — Tento e ele nega com a cabeça.
— Você não liga de não ter alguém com quem compartilhar segredos, receber conselhos ou abraçar quando não tiver sua família por perto?
Lanço-lhe um olhar acusatório e ele mexe o corpo como se pedisse explicação para aquilo.
— Pensei que não soubesse o que amigos fazem.
— E não sei, tô deduzindo. — Dá de ombros. Um sorriso esperto brinca em seus lábios. — Mas quanto a sua assistente, eu discordo e digo que ela é sua amiga. Só você não quer reconhecer.
Você, não senhorita ou algo similar. Aos poucos começo a ver uma nova parte dele desabrochar. Não consigo não gostar daquilo. Ao menos contive o sorrisinho de satisfação.
— Não é você que vai mudar minha opinião sobre nós duas. — Retruco, empinando o nariz. — Somos colegas de trabalho e ponto final.
Ele ergue os braços em sinal de rendição e responde:
— Nunca quis mudar. Falei o que penso, amiga. — Havia provocação no tom que ele usou para proferir a palavra. Vislumbro seu copo de uísque com desconfiança antes que suas palavras me chamem de volta. — Chama-se liberdade de expressão.
— Tudo bem. — Rolo os olhos e encaro o céu sem estrelas por um instante. — Mudando de assunto... o que fez enquanto estive fora?
Falar sobre a vida dele era muito mais legal e eu morria de curiosidade para saber como era sua rotina.
— Nada muito interessante. Fui a reuniões, recebi embaixadores, estudei projetos de lei... Eu só trabalhei.
Retiro o que penso sobre ser muito mais legal. Murcho o corpo de propósito.
— Que triste, seria uma pena se eu dissesse que enquanto você provavelmente estava preso em uma sala ouvindo todo um blábláblá sobre política e coisas tais, eu enfiava os pés numa areia quente e fofinha sentindo a maresia bater no rosto...
— Você é cruel. — Acusa com os olhos semicerrados para em seguida se endireitar com o próprio semblante se animando ao lembrar: — Mas não me importo, minhas férias logo chegarão.
Retorço a face numa expressão cética.
— Sinceramente, eu pensei que passasse sua vida de férias.
— Todos dizem isso. Eu pensaria o mesmo se fosse um cidadão comum.
— Ainda bem, não tô sozinha! — Agradeço levantando a mão livre em sinal de glorificação. — Onde vai passar as férias?
Corrigindo: para onde irá com o meu dinheiro e o de mais um milhão de brasileiros?!
— Ficarei por aqui, minha irmã acabou de voltar e quero aproveitar o retorno. Fora outros assuntos... mesmo de férias tenho responsabilidades.
E mesmo no seu estado mais informal, ele conseguia ter formalidade. Não sabia se deveria parecer surpresa ou curiosa.
— Uma pena mesmo. — Era uma droga. — Acredito que como sua nova amiga é meu dever te perturbar todos os dias com a lembrança de pés na areia.
— E eu terei de acordar você para lembrar onde está e quais as suas responsabilidades.
Os cantos dos meus lábios caem.
— Poxa, não tinha pensado nisso.
Entramos num silêncio confortável, a atenção presa na cidade. Fixo o olhar num ponto qualquer da avenida, pensando sobre o que eu estava fazendo ali e como tinha chegado ao ponto de ser convidada para esse tipo de festa. Uma completa desconhecida entre as celebridades.
Nunca na infância tinha sonhado com algo parecido, mesmo com o pai que tinha. Enzo me arranca do estado de transe ao suspirar e se remexer.
— A noite é mágica, não?
— Minha parte favorita do dia. — Concordo e ele se vira, sorrindo para algo que não me checo para descobrir.
— Vocês são duas plantas! — Joyce reclama quando se aproxima.
Apoio a mão segurando o copo quase vazio na superfície rígida do peitoril.
— Fizemos fotossíntese o dia todo, precisamos descansar. — Enzo responde e assinto em concordância.
Beatriz se desloca para o lado do irmão e me afasto um pouco querendo dar espaço a ela. Sorrio para Joyce que devolve o gesto com muita facilidade.
— Espero que mesmo aqui parada esteja se divertindo... Você dançou pelo menos?
— Não, não tô muito no clima hoje...
O rosto de Joyce se acende com curiosidade e pena, mas ela diz:
— Tudo bem, na próxima festa quero te ver na pista do começo ao fim.
— Diga quando será pra eu treinar minhas pernas. Dançar por horas não é comigo.
— Pode deixar. Quando foi numa boate pela última vez?
— Faz duas semanas.
O queixo da modelo despenca.
— Tá brincando?
— É sério! — A atenção dos irmãos se volta para a nossa conversa. — Um... Um amigo me convidou.
Mais uma vez, eu tinha pego o trem que vai de mal a pior.
— Amigo, hein? — Ela pergunta com estranho interesse. — Qual o número dele? Quero conhecer gente nova.
Ela expressava interesse em Bruno, mesmo nem sabendo quem ele é. A coragem devia ser boa amiga de Joyce Marino. Algo estranho se acende dentro de mim... ciúmes momentâneo? Me repreendo mentalmente pela reação sem motivo.
— É, ele tá comprometido. — Minto, tentando manter o tom casual.
Patética, eu era patética.
— Ah, droga... depois você me mostra ele e quando ficar disponível, passa o número pra mãe.
Ela pisca um olho.
— Certo. — Digo olhando rapidamente para Beatriz que carregava a mesma expressão fria de mais cedo.
Joyce e a princesa se afastam novamente indo em direção à pista de dança afirmando que a música que tocava agora, era delas. Como todas as outras.
— Sua irmã sabe? — Pergunto a Enzo. Ele acorda com um pulo dos pensamentos e olha para mim como se perguntasse "o quê?" — Sua irmã sabe do álbum?
— Só você, sua assistente e a Maísa sabem sobre ele. Dá pra perceber o quanto sigilo eu quero, não dá?
Aceno rápido demais.
— Sim.
De repente, seu rosto ilumina e ele olha para mim como se soubesse de algo.
— Você disse que não tinha amigos, mas acabou de confirmar ter um!
Raciocino o flagra e quando percebo meu erro, fuzilo-o com os olhos.
— Pra sua informação, eu não sabia como me referir a ele. Aliás, nos conhecemos em Recife e a ideia de formar amizades com 24 horas de convivência é absurda...
Enzo leva uma mão ao peito, se mostrando ofendido.
— Obrigado pela consideração, amiga.
Franzo o cenho para em seguuda encolher o corpo, percebendo com vergonha meu erro. Volto a endireitar a postura.
— Te vi mais vezes do que essa outra pessoa. Enfim, ele é outro colega. Satisfeito?!
Meu olhar era de desafio.
— Não enquanto você não admitir a verdade.
— Disse que não queria mudar minha opinião sobre isso.
— Sobre sua amizade com Sabrina, não com outros.
— Você é imbatível. — Reclamo.
Ele solta um audível rá.
— E você distorce as palavras.
A imperatriz e o marido se aproximam devagar. Os outros abrem caminho para que passem, fica impossível não notar sua chegada.
É a primeira vez que eles vêm ao meu encontro na festa. Inclino a cabeça em cumprimento quando param de frente para nós. Os olhos da imperatriz se voltam para mim e semicerram enquanto tenta lembrar quem eu era.
— Ah! A moça que foi nos fotografar. — Cutuca o marido e estende a mão, sustentando um sorriso amigável em seu rosto que eu, educadamente, retribuo. — Como vai senhorita...?
— Medeiros. Bem e a senhora? Parece ficar mais jovem a cada dia.
Ignoro o olhar divertido que Enzo me direciona. Ela ri, uma som agradável e contido. Pergunto-me silenciosamente a quem a princesa puxou, era o oposto de sua mãe. Melissa, era um pouco alegre e amável. Já Beatriz, fria e intimidava qualquer um apenas com o olhar. Pensar naquilo me faz olhar para o imperador... e compreender tudo.
— Mentir é feio, querida.
Inclino a cabeça e dou uma piscadela.
— Por isso só digo verdades.
O rosto de Melissa brilha e um remexer ao meu lado faz eu virar o rosto para encontrar Enzo segurando o riso. Inclinando-se de leve para a mãe, o príncipe faz um comentário sobre Beatriz e eles engatam num papo sobre a jovem.
Presto atenção no imperador. Ali estava a cópia da modelo em questão de comportamento. Ele seguia impassível e distante durante a conversa entre mãe e filho.
O imperador vestia um paletó preto com um pequeno broche na lapela esquerda, enquanto a imperatriz usava o vestido azul escuro que chegava na altura dos joelhos.
Suas aparências demonstravam serem pessoas que exigem respeito, diferente dos filhos que vestiam algo mais normal para festas.
— Meu filho contou que esteve fora. Fez uma boa viagem? — Melissa volta a falar comigo e demoro um tempo para reagir.
Encarando-a daquele jeito como se precisasse esperar as palavras assentarem. Pisco.
— Sim... a província que fui tem um povo muito acolhedor.
— Visitou qual província?
O interesse com o qual demonstrava em nossas conversas me aquecia o coração.
— A de Pernambuco. — Enzo responde por mim antes de eu sequer raciocinar a pergunta, olho para ele surpresa com sua agilidade.
— Querido, eu perguntei a ela. — Acho graça em ver a imperatriz repreender o filho. Talvez por ele ser crescido e ela falar de modo tão gentil mal chegando a parecer uma bronca. A mulher volta para mim. — Realmente, eles são bastante receptivos. Mas o que te motivou a ir? O turismo da localidade caiu nos últimos anos e está voltando agora.
— Minha mãe mora lá.
— Sua mãe? — Confusão lhe toma o rosto por segundos antes de dissipar por completo. — Sim, verdade. Desculpe, eu sempre esqueço que a Suzane...
— Sem problemas.
Mordo a língua logo após interromper. Até mesmo o imperador se atenta ao diálogo. Encolho o corpo, envergonhada e ponho uma mecha solta atrás da orelha ao continuar, em tom mais calmo:
— Aconteceu algo parecido comigo ainda essa noite, acho que tô acostumada. — Respondo e volto a repetir segundos depois: — Eu acho.
Pensava eu que estava acostumada, mas continuava me impactando ouvir alguém colocar Suzane como a minha mãe. Algo em mim tomava como violação, dona Ana estava vivíssima e me criara.
Olho para a porta da varanda e vejo Suzane acompanhada do meu pai vindo se juntar a nós.
— Falando nela... — Começo, porém contenho as palavras na ponta da língua.
Mudo o foco da minha visão e deparo com um Enzo totalmente entediado tentando ao máximo ignorar algo que Rubens dizia ao seu ouvido.
Sinto pena por ele não se dar tão bem com o padrasto quanto me dou com Suzane. Vendo aquela cena, tive certeza do quanto o príncipe desprezava o homem ao seu lado.
Após cumprimentos, minha madrasta e a imperatriz se seguram nos braços uma da outra, prestes a darem um abraço.
— Perdão por não ter falado com vocês ainda hoje, estivemos travados em outras conversas. — Ela lança um olhar de diversão para meu pai. — Sempre que tentamos ir até vocês, alguém entrava na frente.
— Não tem problema, minha querida amiga. — Uma piada com aquele tratamento se forma na minha cabeça. Retorço a boca varrendo a criatividade para longe. — Também fomos parados por todos antes de chegar aqui e mesmo os que não nos paravam, falavam por meio de acenos ou coisa parecida.
Aproximo mais de meu pai e ele sorri quando me percebe.
— O que foi?
— Quando vamos embora? Tô ficando exausta.
Recebo um aceno ligeiro de cabeça.
— Logo logo. Viemos te chamar e agora que a Suzy encontrou Melissa, vamos ficar um bom tempo esperando elas terminarem.
Solto um suspiro exasperado antes de voltar ao meu lugar, Enzo se aproxima silenciosamente e quando noto ele já está do meu lado.
— Qual a probabilidade de eu ser preso caso mate meu padrasto? — Cochicha.
— Eu não sou de exatas. — Retruco, então obtenho um vislumbre discreto do imperador e sorrio de lado. — Pra um homem em meio a tanta politicagem, devia saber que tudo se resolve com os melhores advogados.
O rapaz fecha os olhos e sacode a cabeça antes de abri-los de novo. Sua concentração vai para as tagarelas estilista e imperatriz.
— Essas mulheres vão conversar pelo resto da noite.
Suspiro com cansaço.
— Eu não duvido nada.
— Aposta quanto?
Penso sobre a proposta. Eu não era muito fã de apostas mas também não tinha nada de melhor para fazer. Aquilo parecia bom.
— Aposto cem reais que vão conversar num tempo entre trinta e quarenta minutos.
Ele analisa a dedução e com um sorriso de triunfo fora de hora, diz:
— E eu aposto cem que elas ficam aí por uma hora.
Ele estende a mão para confirmar a disputa e reconsidero minha estimativa uma última vez. Quando ele balança a mão estendida no ar uma vez, selo o acordo com o aperto. A maciez da palma dele acaricia a minha.
Sustento o mesmo sorriso que ele me dera e recebo um olhar de desafio. Enzo mostra sua hora no relógio e decidimos sentar longe dos casais para não influenciar em nada na conversa.
— E se não terminar em algum dos tempos que a gente disse? — Percebo sem demora.
— Trocamos as notas. Eu fico com a sua e vice-versa.
— Entendi. Tá bom, então. — Encosto no sofá de braços cruzados, observando-o de esguelha. — A propósito, o que você usa para as mãos?
O príncipe meio que pula de surpresa com a pergunta.
— Quê?
Sacudo a mão na frente do rosto, dispensando a pergunta com um audível nada não, esquece.
Cerca de trinta e sete minutos depois de fecharmos o acordo, elas pararam de conversar. Levantei comemorando com um pulo do sofá, segurando-me para não gritar.
— Como você sabia?! — Enzo pergunta se levantando.
— Eu não sabia!
— Mentirosa, você disse entre trinta e quarenta.
— Porque eu sei apostar! Sempre que tiver a oportunidade, diga um valor entre números.
Ele assente e me entrega uma nota de cem, pondero se a pego ou deixo para ele. Mas era uma nota de cem! E ele tinha muitas outras, talvez essa nota até voltasse para ele um dia. Pego-a e verifico sua autenticidade de propósito, em seguida jogo na bolsa.
— Foi bom apostar com você. Da próxima vamos fazer isso em dólar.
— Só curtiu porque ganhou.
— Já viu alguém que ganhou triste?
Ele nem precisa pensar antes de negar com a cabeça.
— Não. — Responde, por fim e aponta na direção dos nossos pais. — Seu pai está acenando pra você ir.
Olho para o grupo e murmuro um "já vou". Viro novamente para Enzo que já olhava para mim, sorrindo. Estreito os olhos.
— Para quem perdeu você já está feliz.
O jovem percebe o sorriso e substitui pela expressão carrancuda. Nós andamos até o grupo lado a lado e a Suzane já tinha saído provavelmente para ir ao banheiro ou se despedir de alguém.
— Nós já vamos? — Pergunto ao meu pai e ele assente. Volto para Enzo e me despeço: — Tchau, migo.
— Tchau amiga. — Responde risonho.
Percebo que eu adorava poder conhecer aquela nova versão dele.
— Cadê Suzane?
— Ela foi falar com a Marino.
— Ah, preciso falar com ela também. — Dou um tchauzinho para os imperadores e saio com meu pai na escolta.
Encontramos as duas perto do bar Joyce mais alterada que antes, a princesa já não estava mais com ela. Aproximo de Joyce e toco o ombro da modelo para chamar sua atenção.
O que se seguiu foi uma série de agradecimentos e despedidas, a garota apoia o peso do corpo em mim durante o abraço. Suas palavras se arrastando como se ela forçasse um sotaque. Soou mais engraçado do que verdadeiro.
Desvencilho dela e sigo andando até sair da festa sem esperar pelo meu pai e sua esposa, ainda se detendo em várias pessoas.
Encosto na parede do hall perto do elevador e ao olhar para o lado vejo luz vindo de uma escada. Na parede acima uma placa com a palavra "heliponto" em letras de fôrma informa onde terminava.
Olho para todos os lados antes de começar a subir, curiosa para ver como é um pessoalmente e rezando para não ser pega ou algo assim. Na metade da escada lembro a existência de câmeras. Reviro os olhos e continuo em frente.
O que era um pum para quem já estava cagado?
O frescor do vento entrando pela porta aberta e atravessar a passagem à medida que me aproximo mais do fim da escada beija minha pele, trazendo consigo um ruído de beijos... literais.
Não sei o que me levou a ir até o topo, mesmo sem querer estragar o momento de seja lá quem fosse. Alcanço a porta e coloco a cabeça para fora. Nenhuma aeronave, nada além de luzes coloridas e arregalo os olhos.
A princesa com um cara muito bonito. Fico boquiaberta e resolvo voltar de fininho antes que me vejam à espreita. Ela já não ia com minha cara... se me visse ali, arrumaria brechas para me condenar, com direito a exílio.
Para Beatriz de Albuquerque beijar tão escondido deveria ter algum motivo que por mais curiosa eu estivesse, preferia ficar sem saber. Apenas porque era ela.
Retorno ao hall no exato momento que a porta se abre para meu pai sair com minha madrasta. Sorrio como se nada tivesse acontecido, o coração galopando e entro no elevador, que já se encontrava no andar. Entramos e saímos em silêncio até chegar no carro.
— Você e o filho da Melissa se dão muito bem, conheceu a Bea? — indaga Suzane.
— Sim... ela não pareceu simpatizar comigo.
— Lamento por isso. — Vi seu sorriso amarelo no instante em que trocou um olhar com o marido. — Ela tá ressentida porque a troquei por você.
— Ainda acho que ela só não foi com a minha cara mesmo.
Porque todo aquele desgosto não fazia sentido apenas por uma posição que nem me era permanente.
— Ela é uma pessoa legal, só basta a conhecer.
— Mas eu gosto de conhecer as pessoas, a princesa que não facilita.
— Se mostrando disposta a ter uma boa relação com ela, Bea relevará o primeiro encontro como se jamais tivesse acontecido.
Ato as mãos no colo.
— Tanto faz, meio impossível agora que a festa acabou e ela é inacessível.
— Nem tão inacessível, Jô. — Meu pai fala depois de passar um bom tempo apenas ouvindo. — Sabe que a Suzy tem contato com ela.
Como se eu quisesse correr atrás de alguém.
— No que isso interfere em minha vida, mesmo? — Dirigi a pergunta a ele.
Percebo seu dar de ombros.
— Sempre bom ter contatos.
Desvio o olhar para a janela. Sim, sempre bom, mas alguns eram realmente necessários? Suzane olha por cima do ombro no instante que me volto para frente.
— Se quiser marco um dia pra posarem juntas ou algo assim. — Segurei o recuo na expressão. — Que nem no sábado como foi com a Joyce.
Estalo a língua.
— Mas nem faço questão de ser amiga dela. Na verdade, não faço questão de ser amiga de ninguém.
— Que ranzinza... — Meu pai reprova e eu lhe lanço um olhar mortífero pelo retrovisor, ele percebe e dá de ombros. — O que aconteceu com seus amigos?
Suzane bate no braço dele e lhe dá uma bronca. Cruzo os braços e viro o rosto para observar as mansões pela janela. Não desvio o olhar do caminho uma única vez.
Saio do carro batendo os pés, meu pai ri por me ver naquele estado e resmungo uma ofensa leve.
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Princesa da Alvorada
RomanceO ano é 2047 e há 26 anos o Brasil deixou de ser uma república presidencialista para voltar ao sistema de monarquia parlamentarista, através de um plebiscito. Em pouco tempo do novo sistema de governo, um massacre acometeu a família imperial no mesm...