Silenciosamente, procuro desesperada por respostas para explicar a presença da família de Bruno e mais um desconhecido. A minha mente gritava e repetia um palavrão.
— Mãe?
— Acabei marcando uma social no mesmo dia da sua chegada sem saber, bom que aproveitamos pra comemorar tudo ao mesmo tempo.
Minha mãe explica do meu lado. Abro um sorriso e cumprimento os visitantes enquanto presto atenção no que diz.
— Resumindo, vamos beber. — comento e franzo o cenho. — O que tem pra comemorar?
— Sua visita, os velhos tempos, um mês de namoro... — ela sorri.
Arregalo os olhos para ela, percebendo de cara de quem falava. Minha mãe? Namorando? O que estava acontecendo? O mundo teria realmente parado para mim enquanto eu estava com Enzo?
Ergo um dedo como se pedisse tempo para digerir tudo.
— Eu vou... — relanceio uma vez Bruno. Ele parecia tentar olhar para todos os lugares, menos para mim. — Trocar de roupa... já volto.
Adentro mais o corredor e vou para o meu quarto lentamente tentando digerir a nova notícia.
Estava feliz, muito feliz por ela, mas era estranho. Para mim, Ana Bragança nunca namoraria. Não era tipo meu pai com quem eu já estava acostumada a ver com outra mulher.
A cabeça foi voltando ao lugar no banho. Visto um short jeans e regata de cetim azul escuro. Sento no chão do quarto para usar o celular e ganhar tempo.
Minha mãe tá namorando.
Foi a primeira mensagem que mandei para Enzo, desde que saí do carro.
Isabel tá em casa e levei um sermão por ter passado o dia fora e deixado ela esperando.
Você é uma criança muito rebelde.
Talvez eu seja mesmo, se levar em consideração que me prendi no quarto.
Um novo refúgio?
Tá mais pra uma fortaleza.
Ele enviou a foto da barricada montada com cadeira atrás da porta. Embalagens de comida e garrafas d'água estavam numa mesa. Não deixei de notar o quão belo e majestoso o quarto era.
O que temos pra entretenimento?
TV e jogos até enjoar. Quer se proteger aqui?
Sorrio. Na verdade, eu queria e muito. Havia mais de uma questão a se enfrentar onde eu estava.
O que tem de tão perigoso na Isabel?
Não é sobre ela. Pisco surpresa. Briguei com meu padrasto e minha mãe, falei coisas que deveria e não deveria.
Foquei nas coisas que não deveriam ser ditas ao franzir as sobrancelhas de preocupação.
Feche os olhos, respire fundo, conte até dez, converse comigo e reflita. Depois desça e peça desculpas pelas coisas que não deveria ter dito. A vida é curta demais pra viver em pé de guerra, Enzo.
Eu não estava pedindo ou sugerindo que ele fizesse aquilo. Não vejo sua resposta e bloqueio a tela do celular. Ele precisa descontrair um pouco e eu também.
Procuro por minha mãe, encontrando na mesa da cozinha com a prima e o desconhecido. Os demais continuavam na sala conversando um pouco baixo.
— Mãe, onde tem cachaça?
Ela me encara erguendo uma sobrancelha. Troco um olhar com minha tia e finalmente reparo no homem ao seu lado.
Devia ter a idade das duas, talvez um pouco mais velho e tinha olhos castanho-escuros como os cabelos. Um pouco alto e de pele bronzeada. Tinha uma barba por fazer também.
Logo desconfiei que fosse o escolhido da minha mãe. Me segurei para não estreitar os olhos na sua direção em brincadeira, ele provavelmente levaria a sério.
— Mas já?
— Só um shot.
Quem semicerra os olhos é ela.
— No móvel da sala, porta do lado direito.
Dou um aceno e vou para a sala a tempo de ouvir o cara soltar "só podia ser filha tua, Ana".
Reviro os olhos e agacho perto da mobília ignorando os olhares que as pessoas me direcionavam. Peguei a garrafa de aguardente e um copinho, disparando de volta ao quarto e sentando de pernas cruzadas no chão.
Abro o recipiente com um pouco de dificuldade e encho o copinho. Preparo o vídeo no celular e seguro o aparelho na minha frente, filmando com a câmera frontal. O outro lado do brinde solitário de Enzo.
Digito um estamos juntos nessa na legenda depois de rever a gravação dez vezes em busca de erros.
Sua resposta se resumiu a carinhas rindo. Apago a tela para poder voltar à sala, coloco a cachaça no lugar e lavo o copinho. Sento na cadeira para ouvir a conversa do trio ainda na cozinha.
— E então... — Fixo a atenção no homem. — Você?
Ele e minha mãe trocam um olhar e dão as mãos. Assinto em silêncio e sorrio amigável.
— Cuide bem dela. — Ordeno. — Se eu souber que uma lasca sequer do miocárdio da minha mãe foi arrancada, vou te caçar e executar em praça pública. — O trio solta uma risada e eu estreito os olhos em sua direção. — Você só tem o direito de escolher qual.
— Vou dizer o mesmo quando descobrir com quem tás saindo, Joana — minha mãe diz e eu a encaro surpresa. Talvez ela até desconfiasse de Enzo.
— Quê? — murmuro. Encaro a parede que nos separava da sala e estreito os olhos. Cerro os dentes como um cão rosnando. — Guilherme.
— Ana, Mari- ana, Jo- ana... É até engraçado — o homem observa.
— Particularmente, eu acho uma breguice. — Admito ignorando os sons de ultraje das duas. — Prometo quebrar essa tradição horrorosa.
— Mas não vai mesmo! — Ana rebate recebendo o apoio da prima.
— Vocês roubaram todos os nomes possíveis. Qual eu vou colocar na minha filha? Iguana?!
— Ivana — sugere Mari.
O homem se diverte com meu palpite. Sorrio para ele e me dou conta de que ainda não sabia seu nome.
— Tem nome ou namorado da minha mãe tá bom pra você?
Ele dá risada e estende a mão por cima da mesa, aperto-a em cumprimento.
— André.
— Desde quando vocês se conhecem?
— Namoramos por anos antes de eu morar em Brasília.
Mariana ouvia a conversa sem abrir a boca uma única vez. Então minha mãe reatou o relacionamento com um cara que estava antes de casar com o meu pai... Torci para que isso não passasse por genética.
Me seguro para não rir, imaginando como seria se eu casasse com uma pessoa e depois de anos divorciasse. O mundo giraria como a boa bola que é e eu provavelmente reencontraria Enzo... ou Bruno. Meu estômago revira ao pensar no garoto que estava sentado num sofá do outro cômodo. Ele sequer me encarava. Alterno o olhar entre os três.
— Bom, é um prazer conhecê-lo. Felicidades ao casal. — Levanto e começo a vagar pela cozinha. — E então... quando começam as comemorações? — Olho na direção da porta aberta e vejo o pai de Bruno sentado no sofá conversando e gesticulando com as mãos, pude ouvir risadas do que ele falava. — Os convidados ainda estão na sala.
— Tinha me esquecido. As coisas já estão lá fora. Dé, pega o violão.
Faço uma careta para ele diante do apelido e minha prima ri. André abre um sorrisinho antes de levantar.
— Bora, Jô? — Mari pergunta e dou um leve aceno.
Caminhamos até a sala, evito o olhar de Bruno a todo momento. O grupo nos segue ainda conversando e espero todos passarem, prendendo a respiração involuntariamente quando Bruno passa por mim sem me dirigir o olhar como costumava fazer.
Ao que parecia, não tinha superado o pé na bunda. Se ele continuasse gostando de mim, quem sabe eu reconsiderasse num futuro onde minha relação com Enzo tivesse acabado... Descarto imediatamente a opção e vou atrás do grupo para a área da churrasqueira.
Mantenho certa distância deles, sentando de pernas cruzadas numa cadeira alta perto do balcão que me separava da "cozinha". Dou risada de vez em quando ao ouvir algo engraçado que contam, mas sem participar da conversa.
Ninguém pareceu se importar de eu estar tão afastada e calada, então aproveitei bastante os minutos sozinha.
Após algum tempo, Bruno levanta e se aproxima de onde eu estava. O meu corpo gela, mas ele contorna o balcão e abre o refrigerador. Aproveito a deixa para girar a cadeira e pedir um favor.
— Pega uma taça pra mim, por favor.
Ele abre o armário acima de sua cabeça para atender meu pedido e me entrega sem dizer nada. Saco a rolha da garrafa de vinho mais próxima e encho a taça até a metade. Tomo um gole observando suas costas enquanto ele despeja refrigerante no copo.
— Não vai beber? — indago. Novamente, não obtenho resposta. Solto um longo suspiro — Por que não tá falando comigo?
— Por que deveria?
Quase me assustei por pensar que não ouviria mais nada. Ele se virou e encostou no balcão tomando o refrigerante e me encarando como se pudesse me matar apenas com o olhar. Ou quem sabe eu tivesse exagerando, talvez não. Dou de ombros.
— Porque eu te fiz uma pergunta.
— Não, eu não vou.
Faço uma careta.
— Credo, pensei que tivesse levado numa boa.
— Não tem como levar numa boa. — Ele faz uma pausa e diminui o tom de voz quando percebeu que alguns dos outros nos olhavam. — Ainda procuro saber aonde foi que eu errei.
— O problema tá em mim, Bruno. Você não fez nada de errado, eu só não gosto de você o bastante e gosto ao mesmo tempo a ponto de não querer te fazer viver uma mentira.
— Você não entendeu que eu tava nem aí se era mentira, só queria estar com você?
— Mas não estaríamos realmente juntos. Quilômetros separam a gente. — Graças a Deus por isso. Pauso para respirar fundo. — Gosto de um cara, muito mesmo. E não posso me prender a você, mentir pra gente. Isso sim, seria um erro.
Bruno permanece em silêncio olhando para o próprio copo e entrelaço meus dedos.
— Eu torço, Bruno, pra que encontre uma pessoa bem melhor que eu e que goste de você no mesmo nível que sentir por ela. E se isso não acontecer... quem sabe o mundo dê uma volta gigante e faça a gente se encontrar de novo. — Olho por cima do ombro para minha mãe junto do namorado. — Aconteceu com meus pais...
— Não crie esperanças pra jogar no lixo depois.
Ponho a mão no peito esquerdo como se tocasse o coração e faço uma careta de dor.
— Atirar em pessoas é crime.
Ele revira os olhos e balança a cabeça quando começa a se afastar.
— A verdade dói mesmo.
Sigo-o com o olhar, Bruno estava sendo frio comigo, porém mal sabia ele quem era a rainha do gelo ali. Pego a taça e ocupo o espaço ao lado do meu primo num pequeno sofá observando o céu.
Quase não vi estrelas mas me distraí imaginando o que Enzo estaria fazendo ou pensando, teria feito o que eu mandei? Estaria sentindo minha falta como eu sentia a dele? Assistindo filme? Ou conversando com Isabel? Eu gostava de acreditar nas três primeiras opções.
Como se soubesse em quem os meus pensamentos estavam, a música que começou a tocar na grande caixa de som foi a que dancei com Enzo na festa. Sorri e peguei o celular para gravar um vídeo rápido da nossa pequena reunião.
As músicas foram tocando e minha mãe começou a dançar com André. Eu me inclino um pouco mais ao lado de Guilherme para cochichar:
— Talvez eu ainda esteja um pouco pasma por descobrir que minha mãe está namorando.
Ele ri e pega a garrafa de vinho para encher minha taça.
— Sua mãe era tão rolezeira quanto minha irmã. Na verdade, foi Ana que fez Mari começar a sair mais e namorar.
— Sempre tive uma imagem mais reservada e dura da minha mãe, de uns tempos pra cá que conheci esse... lado dela.
— Você também tem se soltado mais. — Observa. — Por acaso combinaram?
— Juro que não foi.
Solto uma risada e ficamos em silêncio, tomo o último gole do vinho e coloco a taça na mesa ao lado. Meu primo me abraça e aperta minha bochecha modificando a voz como se falasse com um bebê.
— Coisa mais fofa de tio.
— Você não é meu tio.
— Por que chama Mari de tia e eu não posso ser?
— Porque sua alma é jovem demais pra ser chamada assim.
— É verdade.
Inclino para pegar a garrafa de vinho mas meu primo a tira do meu alcance. Resmungo ao tentar resgatá-la.
— Nem pensar, vi suas publicações. — Ele reprova. — Tá bebendo muito, pirraia. Teu fígado vai ficar podre.
— Como se o seu também já não estivesse — bufo.
Estendo a mão para a garrafa, mas nem toco o vidro molhado.
— Faça o que eu digo, não faça o que eu faço.
Tento pegar o recipiente outra vez mas ele me afasta e bebe o resto direto do gargalo. Cruzo os braços olhando para frente emburrada. Infelizmente, Bruno estava sentado no lado oposto e nos encaramos por segundos até que eu desviasse para minha mãe.
Arthur, o irmão mais novo dele, trouxe o violão e entregou ao pai. A música parou de tocar na caixa de som e o ambiente até ficou silencioso, salvo pela conversa entre Yasmin, Mariana, minha mãe, Raquel e João. Além de algumas trocas de palavras entre Arthur e Miguel. Observei o pai dos meninos afinar as cordas do instrumento.
Ele começou a tocar e as atenções fixaram na música, aos poucos nos juntamos à cantoria pelo resto da noite.
Depois de fazer questão de me despedir de todos e ignorar Bruno, capotei na cama.
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Princesa da Alvorada
RomansaO ano é 2047 e há 26 anos o Brasil deixou de ser uma república presidencialista para voltar ao sistema de monarquia parlamentarista, através de um plebiscito. Em pouco tempo do novo sistema de governo, um massacre acometeu a família imperial no mesm...