Capítulo 21

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  Saber que Enzo apareceria na segunda-feira me deu um gás de animação para ir ao estúdio. Só não esperava receber uma visita da minha mãe. A surpresa foi tão grande que me assustei quando ela invadiu minha loja.
  — Mãe? — pergunto perplexa. — O que a senhora tá fazendo aqui?
  — Vim visitar minha filha no trabalho. Viu algum fantasma?
  Ela olha por cima dos ombros.
  — Eu não esperava sua visita... mas que milagre foi esse? Você aqui.
  — Já conheço a capital, não tem nada pra fazer aqui.
  — Entendi. Vai ficar até quando?
  — Até depois do Dia das Mães.
  — Isso tudo?
  Ela recuou como se investigando se gostei ou não da ideia.
  — Posso ficar num hotel se preferir.
  — Não! Fique comigo no apartamento. — Estreito os olhos. — Ei, você pensou em tudo, não foi? Dormir na minha casa, ficar até o dia das mães... mulher esperta.
  — Eu sou ligeira. — Solta e passa a observar o lugar. — É um belo estúdio... Só achei um pouco apertado.
  — Em algum momento da minha vida vou investir em algo maior, com cenário e tudo.
  — Quero estar presente na inauguração.
  — Também quero que esteja.
  — Mãe Me... Bragança no estúdio. — Sabrina cruza a porta de entrada. — Eu vivi pra ver essa cena!
  Eu e minha mãe rimos juntas quando ela começa a pegar no cabelo e braços da coroa com falsa curiosidade.
  — Vim passar o dia com minha filha. Tentar descobrir o que tanto a fazia morar aqui dentro.
  Eu e Sabrina trocamos um olhar. Nós duas sabíamos que isso poderia complicar a visita de Enzo. Disfarçamos com um sorriso e começamos a paparicar a mulher.
  Nós a mimamos tanto que nem percebemos a chegada do príncipe. Estávamos fazendo tranças e contando histórias dos nossos clientes quando ele limpou a garganta na porta que dividia minha sala da recepção. Todas olhamos ao mesmo tempo e ele se remexeu desconfortável com toda a atenção recebida de repente.
  — Eu sabia que tratavam os clientes bem, mas não ao ponto de trancinhas. — Comenta com um sorriso brincalhão. — Boa tarde, senhora Bragança.
  Franzo o cenho, como ele sabia do sobrenome dela? Mas então lembro da conversa com a princesa. Ela devia ter lhe contado.
  — Posso fazer no seu se tá com ciúmes — Sabrina sugeriu.
  A atenção da minha mãe estava presa nele. Curiosa como um gato.
  — Boa tarde. Como posso te chamar?
  — Enzo está bom.
  — Então boa tarde, Enzo.
  Eu e Sabrina assistíamos à cena tentando segurar a risada e trocando olhares constantemente. Mas então...
  — Joana me falou muito sobre você.
  Mentira! Olho para ela como se gritasse a palavra e recebo um olhar de aviso. Volto-me para Enzo e ele dirige todo aquele semblante brincalhão para mim, me encarando enquanto eu balançava a cabeça e fazia vários gestos negando o que minha mãe dissera.
  — Não verbalmente, é claro. Mas eu conheço minha filha o bastante pra perceber o quanto é transparente com as emoções — dribla.
  O nosso trio de amigos começa a travar uma batalha visual. Enquanto Sabrina confirmava as palavras dela, eu negava com todas as forças. O príncipe lançava olhares inquisidores e a minha mãe assistia a tudo com divertimento oculto no rosto.
  — Não vou me demorar muito. — A mulher levanta e começa a arrumar suas coisas dentro da bolsa. — Marquei de passar a tarde com seus tios. Prazer te conhecer Enzo.
  — O quê? Mãe, você disse que ia passar o dia comigo.
  Ela me lança um olhar sábio.
  — Acabei de lembrar desse detalhe. Posso roubar sua assistente pra ir no shopping?
  — Mãe! — imploro.
  Os olhos de Sabrina brilham e piscam várias vezes antes de ela dizer:
  — Por favor, Jô, por favor!
  Suspiro e respondo:
  — Tudo bem, vão. Eu me viro sozinha aqui.
  — Posso substituir a Sabrina. — Enzo se prontifica e olho para ele arqueando uma sobrancelha.
  Elas saem de braços dados e sorrindo. Reviro os olhos no instante em que saem pela porta da frente e ando até minha cadeira.
  — Sua mãe ficou uma graça com o penteado.
  — Jobrina cabelos.
  — E então, sobre a Patrícia? — pergunto enquanto fecha a porta da sala.
  — Eu realmente não quero casar com ela.
  — Por que não?
  — Ela soube dançar, perfeitamente, como eu esperava.
  Começo a rir e balanço a cabeça negativamente.
  — Joana Medeiros Bragança... — Experimenta. — Você usa tanto Medeiros que parece até ser seu nome completo.
  — Às vezes eu mesma esqueço do Bragança.
  — Por que não o usa também?
  — Como você bem sabe, eu e minha mãe nem sempre tivemos uma boa relação. Desde cedo escolhi levar só o sobrenome do meu pai.
  — Bragança é a Casa Real do meu pai. Minha mãe e o marido meio que proibiram esse nome lá em casa. Tanto que quando a Bea comentou do seu sobrenome olharam pra ela como se tivesse dito um palavrão. — Algo parecido com risada lhe escapa quando lembrou da cena. — É meio estranho quando o ouvimos.
  — Eu só estranho quando o ligam a mim, de tanto usar o Medeiros. Ouvir a palavra é uma outra história. Lá na terra dela, ele facilmente lembra a família próspera que é a Bragança. Donos de grandes empresas e outros feitos. — Dou uma pausa antes de continuar. — Os tios da minha mãe, herdaram a empresa de brinquedos infantis da família e hoje quem comanda é nosso primo Gui, já que a Mari escolheu ser atriz.
  "Minha mãe veio pra cá e só não prosperou mais porque não se deu bem com o lugar. Mas quando fui lá, ela parecia ter voltado à ativa. Meu primo Thiago ainda é novo, não temos como saber e eu... bom, tô começando a fazer minha história."
  Enzo escutou atentamente conforme contei a história da minha família. Seu rosto se ilumina num sorriso ao me ouvir fazer referência à minha vida.
  — Bragança lá é sinônimo de bom nome e todos da família escolheram carregar. — Dou de ombros antes de finalizar. — Dá pra ver que eu gosto de ser a diferentona, não é?
  — Mais um ponto em comum. — Ele observa, balançando a cabeça em concordância. — Queria poder ter uma história de família que cresceu pra contar, mas a minha família só se deu bem por ter nascido em berço de ouro.
  — Sem essa, tem que ter algo.
  — Meu pai, ele... Nasceu em uma família que já tinha sido governante na primeira monarquia e teve sorte de os brasileiros votarem pela volta do regime. Quando nasci, fez um jantar em família e caras encapuzados invadiram o palácio, atiraram em todos e mais alguns de fora.
  Enjoo me atingiu. As pessoas falavam muito sobre a realeza morta, mas poucos lembravam dos funcionários e policiais atingidos no fogo cruzado.
  — Ninguém saiu ao menos ferido?
  — Também envenenaram a comida. Não sei como não foram atrás da minha mãe. Talvez piedade por mim, o bebê indefeso que seria pra sempre marcado pelo massacre da família. — Percebi a melancolia atingindo o rapaz. Empurro a cadeira até me aproximar da dele e o abraço de lado. — Dizem que minha mãe ficou arrasada, chorava só de ouvir o nome dele. Por isso resolveu me registrar apenas como Albuquerque. A mídia nunca respeitou a escolha dela.
  Permaneço em silêncio, mesmo durante sua pausa.
  — E aí sugeriram que ela casasse com o primo distante. Pra ajudar no governo e se distrair. Como se conheciam, não teriam tantos problemas. A mídia também foi carrasca no nascimento de Beatriz. Ela diz que tendo a mim e a Bea, nada mais importava. — Um sorriso de lado enfeita a boca dele. — Falam que fiquei encantado com aquele bebê desde o momento que vi nos braços da minha mãe no hospital. Eu acredito.
  Os olhos dele estavam distantes como se estivessem presos na lembrança quando os encaro. Ele sai do transe e dirige o sorriso inteiramente para mim, devolvo.
  — Sempre tivemos uma relação de proteger o outro. Apesar de eu pensar que às vezes fazia esse trabalho mais do que ela. Nós estávamos afastados desde que foi pra Europa, mas assim que Patrícia chegou, começamos a nos unir novamente.
  Solto uma risada tranquila imaginando aquela dupla aprontando algumas quando mais novos e depois voltando a aprontá-las ao avistarem a ameaça chamada noivado.
  — Nunca pensei que sentiria falta de alguém com a mesma intensidade que senti da Bea novamente.
  Contraio o rosto, confusa.
  — De quem tá falando?
  Me senti uma tola, quando ele não respondeu. Principalmente depois que me encarou por um longo momento.
  Enzo suspira e levanta. Decido não insistir na pergunta. Empurro a cadeira de volta ao lugar impulsionando na mesa e chio quando a coluna reclama de dor.
  — Qual o problema?
  — Ainda não me recuperei de andar de salto durante praticamente toda a noite de sábado.
  Ele caminha até ficar atrás de mim, apoia as mãos em meus ombros e massageia o músculo rígido. Solto um gemido baixo e ergo uma mão num pedido de parada. O príncipe obedece e caminho até outra a mesa com uma câmera apoiada.
  Posiciono a lente voltada para nós, inicio a filmagem e sento na cadeira, ordenando com um gesto para que recomece a massagem. Ele permanece parado, as mãos em meus ombros.
  — Por que você tá filmando?
  Os dedos pressionam meu trapézio, três vezes e respondo:
  — Pra provar aos meus filhos... — emito outro gemido quando segura e aperta meu braço. Aliviando a tensão por onde toca. — Que um dia tive as costas massageadas por um príncipe.
  — Inteligente da sua parte.
  Ele passa para o outro braço. Fecho os olhos e sigo elogiando o trabalho.
  Sabrina e minha mãe nem deram as caras pelo resto do dia. Ao chegar em casa aproveitei para enviar uma mensagem de texto a Enzo.
  Domingo no dia das mães vou fazer um almoço em família de inauguração do apê. Fica aqui o convite.
  Hmmm, tentarei ir.
  Semicerro os olhos para o celular.
  Se ficar nessa de tentar ir, acabar indo e depois me ignorando, nunca mais te chamo pra nada.
  Não farei mais isso. Como vai ser esse almoço?
  Só churrasco, piscina e conversa.
  Ele apenas visualiza a mensagem e largo o celular com um sorriso.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora