Capítulo 28

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  — Bom dia — desejei animada para Suzane quando me saúda.
  Acordara ansiosa e tinha descido as escadas para assistir televisão até que alguém notasse. Não demorou muito para minha madrasta aparecer.
  — Já sabe com qual roupa vai? — pergunta.
  — Na verdade, não.
  — Bom, eu sei — responde convicta. — Quando for se arrumar, mando o vestido.
  Suzane sobe as escadas e caminho até a cozinha para almoçar. Mandei uma mensagem para Sabrina ao terminar perguntando quando daria as caras.
  Daqui a duas horas.
  Respondeu e ficou off-line. Lavo o meu prato aproveitando que não havia nenhum funcionário na cozinha para impedir e subo as escadas para tomar banho.
  Fiquei o resto do tempo ocioso navegando na internet e me contendo para não enviar muitas mensagens a Enzo. Detive-me a "bom dia, raio de sol", "dormiu bem?" e "o que tá fazendo?". Sem resposta, pensei que ele estivesse super ocupado e decidi não incomodar mais.
  Aproveitei o tempo parada para pintar as unhas de branco. Uma tarefa árdua quando passei para a mão direita, mas que consegui realizar com muita paciência.
  Suzane trouxe um vestido longo azul claro, com uma fenda na saia subindo até o short da mesma cor do vestido que cobria até metade das coxas.
  A parte de cima era constituída pelo colarinho com dois pequenos botões na parte de trás. O vestido não tinha alças deixando o trabalho de sustentação para o colarinho e tinha um corte na altura da cintura, deixando parte da barriga à mostra.
  Estudei o vestido tentando pensar como vestiria, mas logo decifrei. Uma larga tira lateral conectava a parte de cima com a saia e a abertura com zíper me ajudaria a entrar no grande pedaço de tecido.
  Andei até o closet buscando ajuda do espelho e terminei o trabalho rapidamente. O salto agulha nude com uma única tira passando por cima dos dedos e outra menor em seu fecho foi a melhor opção para calçado.
  Escuto dois toques na porta e coloco o par num canto do closet indo até a porta. Sabrina solta um assobio ao me olhar de cima a baixo e me abraça.
  — Você tá divina, mas eu vou estar mais.
  — Sempre. — Concordo e abro espaço para que ela entre. — Já veio pronta?
  — Falta a maquiagem e o cabelo.
  Ela usava um conjunto branco de calça pantalona e cropped ombro a ombro, com manga cobrindo parte dos braços. Se tinha uma coisa que minha assistente sabia, era se vestir e eu a admirava muito nesse aspecto.
  — Posso cortar seu cabelo?
  — Desde que não faça algo ruim, pode.
  — Da outra vez cortei sua franja e deu certo. Acho que se cortar, ele ganha mais vida.
  — Faça isso, então.
  Entro no banheiro para pegar duas toalhas e sento na cadeira da penteadeira cobrindo minhas costas e o busto com as toalhas.
  Fecho os olhos, ouvindo o abrir e fechar das gavetas. Aperto as pálpebras quando sinto e ouço o barulho da tesoura. Não demorou tanto, no entanto.
  Abro um olho de cada vez quando se afasta e suspirei de alívio. Nenhum corte extremo, o cabelo estava um pouco abaixo dos ombros.
  — Obrigada. — Limpo a garganta para fortalecer a voz. — Onde você aprendeu isso?
  — Adivinha? — ela sorri. — Youtube e Google.
  A garganta seca pensando ter confiado meu cabelo a ela. Duas vezes. Saio em busca de materiais para varrer os fios do chão. Sabrina já fazia um penteado em frente ao espelho no instante em que retornei. Começo a varrer.
  — Vai de cabelo solto, não vai?
  — É a intenção.
  — Só tire os nós e ficará legal.
  Assinto em silêncio e gastamos duas boas horas ali. Peguei uma bolsa carteira que combinou com o vestido e descemos as escadas juntas para esperar os outros na sala.
  — Enzo vai?
  — Sim — respondo e desvio o olhar para as escadas.
  — Percebi sua ansiedade, não vê ele desde o domingo, né?
  Ponho o indicador sobre os lábios e assinto.
  — Eu disse que não tava com ele — explico num cochichar. — A Suzane me ligou quando a gente tava no estúdio.
  Sabrina exibe os dentes arrependida.
  — Entendi... desculpa.
  — Sem problemas.
  Nesse momento, meu pai desce as escadas junto com a esposa e os dois filhos. Levanto sorrindo para eles e faço sinal para que Sabrina também levantasse.
  — Meninas, vocês vão no primeiro carro com os meninos e o motorista, ok?
  — Claro.
  Encaro rapidamente os meus meios-irmãos que estavam elegantes. Pedro em seu smoking e João numa roupa menos formal, mas que não contrastava com nenhum deles.
  Levei um segundo para perceber que, com aquele vestido, Suzane indiretamente me fizera sua garota-propaganda mais uma vez.
  Pedro sai na frente bufando e puxando um pouco o colarinho, claramente não muito animado em ter que sair de casa. Seguro uma risada ao lembrar de quando passei pela mesma fase. Em grande parte a culpa era da internet.
  Cutuco Sabrina e ela me segue até a porta de entrada após nos despedirmos do meu pai e da esposa. João passa por nós duas, correndo para entrar na SUV preta primeiro.
  Não precisava perguntar para saber que ele estava animado com a ideia de ir num carro cheio de pessoas mais velhas.
  — Podemos ir ouvindo música? — Sabrina pergunta. — Tô sentindo que vai cair um silêncio estranho no carro.
  — Podemos, sim.
  Entro no carro logo depois dela e conecto o celular com o som do veículo, manuseando o aparelho por meio de uma tela touch screen atrás do encosto do assento de Pedro.
  Inicio uma playlist de músicas animadas e cantamos durante todo o trajeto até a casa de recepções onde aconteceria o desfile. Uma saraivada de flashes me atinge quando abro a porta do carro e acabo desnorteada.
  Desço do carro com ajuda de um homem com paletó que também auxilia minha assistente, Pedro e João a descerem.
  Eu os espero para entrarmos juntos e quando menos esperava ouvi um "Joana, só uma palavrinha aqui" do meu lado direito. Viro um pouco assustada com o fato de saberem meu nome e pondero bastante antes de ir até o homem careca usando terno.
  — Sim? — pergunto sem rumo.
  — Com seus últimos trabalhos como garota-propaganda da rede de lojas da renomada Suzane Alves, é possível confirmar você como uma das novas apostas do mercado internacional de modelos?
  — Não mesmo. Isso tem funcionado mais como um hobby para mim.
  — Nenhum interesse no ramo?
  — Não tenho qualquer intenção de ser modelo. — Afirmo e mantenho a expressão amigável. — Foi uma surpresa até pra mim ter sido convidada pela Suzane para fazer esse trabalho.
  — E quanto a suas últimas aparições ao lado do príncipe? — De novo, não... Reprimo a vontade de revirar os olhos e minha expressão reduz para indiferença. — Estão todas ligadas a seu trabalho como fotógrafa da Família Imperial ou há algo mais?
  E eu pensei ter ouvido só uma palavrinha.
  — Estão ligadas ao meu trabalho em sua maior parte. De resto, somos amigos.
  Agradeço em silêncio quando o "e nada mais" fica preso em minha língua, aquilo sim aumentaria as suspeitas.
  — Esse vestido que tá usando hoje, foi desenhado pela Suzane?
  — Foi sim. — Respondo exibindo o traje conforme minha madrasta tinha instruído. — Vai estar na nova coleção.
  — Lindo, lindo! Linda! — Elogia, sorrindo e me olhando de baixo para cima, por fim a luz da câmera desliga e ele acrescenta, estendendo a mão livre: — Obrigada, Joana. Saulo Ambrósio.
  Aperto sua mão e sorrio de volta com simpatia.
  — Por nada. — Olho o homem que estava com a filmadora. — E quem é o câmera?
  — Ah, esse é o Erick.
  Erick estende a mão para me cumprimentar e eu a aperto. Seria bom ter conhecidos se eu começasse a aparecer mais vezes nesses eventos da Suzane.
  — Prazer, Erick. Bela câmera.
  Elogio e trocamos informações do modelo. Depois de uma breve despedida, me afasto para voltar a Sabrina que continuava onde eu a deixei.
  Não paro para conceder outra entrevista e cruzamos a porta de entrada do salão, permanecendo ali para esperar que alguém nos guiasse até as cadeiras reservadas.
  Quando ainda estávamos no hall de entrada, corri os olhos pelo salão para procurar por Enzo e o encontro junto com seus pais e Isabel num lugar mais elevado que os outros. Uma visão privilegiada do lugar.
  Frio percorreu minha barriga ao pensar em seus olhos pregados em mim a noite toda. Pude me distrair da sensação quando uma mulher chegou para nos levar até os assentos.
  Vê-lo ali, sentado ao lado de Isabel, foi como receber um chute no estômago e eu me dei conta de que provavelmente fora aquilo o mantendo ocupado o dia todo.
  Não deixei o incômodo me impedir de entrar no salão e ir até a cadeira de queixo erguido, sem desviar o olhar da nuca da mulher uma única vez. Estava decidido que eu fingiria não o notar ali. Só que bastou uma rápida análise para perceber que seriam tentativas em vão. O assento que me fora reservado estava bem de frente ao dele.
  Agradeci aos céus por Sabrina estar comigo, assim teria uma distração. Ela sentou do meu lado esquerdo e percebeu o que eu pretendia quando me virei totalmente para ela. Como uma boa amiga, não fez perguntas ou falou sobre o príncipe sentado do lado oposto.
  Cutuquei-a e indiquei o telão no início da passarela quando ouvi uma música que eu tinha colocado no vídeo com as fotos e filmagens da viagem. O salão pareceu se calar de repente e as cabeças se voltaram para o telão. Contenho várias vezes a vontade de encarar Enzo e quase falho.
  — Não preciso dizer mais vezes o quanto fico admirado ao ver suas fotos, Joana.
  Me assusto ao ouvir a voz do meu pai e olho para ele, sorrindo enquanto o observo sentar ao meu lado.
  — Obrigada. Onde tá Suzane?
  — No camarim, verificando o andamento da coisa toda. Daqui a pouco aparece por aqui.
  — Vocês demoraram bastante.
  — Sua madrasta foi quem organizou isso tudo. Ela precisou demorar uns minutos a mais com os repórteres.
  — Entendi.
  — Fiquei sabendo que deu entrevista pro Saulo... já está assim?
  Solto uma risada meio tímida e vislumbro a porta.
  — Precisava experimentar os meus quinze minutos de fama, né?
  — Espero que tenha aproveitado cada segundo.
  Meu pai sorri e se volta para os meninos. Retorno a atenção para Sabrina e a encontro distraída olhando o telão, decido não interromper seu momento de admiração por meu trabalho, podendo me sentir ainda mais deusa do ramo.
  O Dj diminui o volume da música e Suzane entra na passarela sob a salva de palmas incessantes. De braços abertos segurando o microfone com a mão direita, ela traz um sorriso no rosto.
  — Boa noite! Agradeço a presença de todos esta noite. Isso não seria possível sem vocês. — Ela faz uma pausa enquanto aplausos voltam a ressoar na casa. — Não imaginam o tamanho da minha felicidade em voltar a organizar desfiles. Um agradecimento especial à minha grande amiga Melissa... — Suzane estende a mão para a imperatriz e aproveito para olhar na direção do grupo, mas me detenho somente na governante. — À minha equipe maravilhosa e à minha querida enteada, Joana, que tem se mostrado muito prestativa e importante pro nosso trabalho.
  Ela estende a mão em minha direção e paro de aplaudir por um segundo, pega desprevenida pelos olhares da multidão. Abro um sorriso e dou um leve aceno para minha madrasta.
  Eu sabia que Enzo já tinha me visto ali, mas o plano de permanecer invisível para os outros foi por água abaixo. Decido manter o plano de não o encarar.
  — Espero de coração que gostem de cada traje apresentado essa noite, foram todos desenhados com carinho e para vocês. Aproveitem o desfile. — Quando Suzane fez menção de descer da passarela, uma jovem usando roupas formais correu até ela e lhe passou um pequeno pedaço de papel. — Ah, sim. Minha querida filha Joyce pediu pra lembrar a vocês de irem na after dela.
  Era normal as modelos que Suzane "descobriu" serem chamadas de suas "filhas". Especialmente pela forma como minha madrasta as tratava – como uma verdadeira segunda mãe. Por isso era fácil entender o porquê de Beatriz ter sentido ciúmes da minha aproximação repentina.
  Suzane desceu da passarela e sentou entre João e meu pai segundos antes de o desfile ter início. A primeira foi Joyce, abri um sorriso largo quando trocamos um olhar. Não nos víamos desde a noite no bar da Asa Norte.
  Em seguida foi a vez de meia dúzia de modelos até Beatriz desfilar. O vídeo com as imagens continuava passando no telão, mas o som fora tirado e as músicas que tocavam eram selecionadas pelo Dj.
  Passou um tempo até que chegasse o intervalo e as luzes do salão fossem desligadas. O espaço foi salvo da escuridão pelo branco que tomou conta do telão e flashes das câmeras de celulares.
  A ausência de cor no telão foi substituída pela imagem de uma praia paradisíaca no sul da província de Pernambuco. Uma praia que visitei havia mais de uma semana.
  Outra onda de frio percorreu meu estômago. Apenas eu sabia o que estava por vir. Eu, Suzane, sua equipe e provavelmente meu pai.
  Enfim, as imagens da sessão de fotos do primeiro dia começaram a passar. Abri um sorriso quando Sabrina se virou para mim com sobrancelhas erguidas. Lutava comigo mesma não querendo olhar para frente e me amaldiçoava a cada segundo por estar agindo daquela forma.
  O vídeo terminou e o desfile recomeçou. As meninas usavam biquínis, maiôs, chapéus, saídas de praia e outros trajes de banho.
  As roupas mudaram e houve outro intervalo. Dessa vez as pessoas estavam mais preparadas e desconfiavam que algo estava por vir. No entanto, a tela continuou preta contendo apenas a bela assinatura da minha madrasta em letras brancas no centro.
  Meu queixo caiu quando os áudios da conversa que eu tinha tido com ela durante a provação dos vestidos de noiva ecoou nos alto-falantes.
  Eu e Sabrina trocamos um olhar e me volto para Suzane fazendo uma careta que lhe provoca risadas.
  — Você vazou nossa conversa?
  — "Divulgar" é uma palavra mais bonita. Foi bom que serviu pra introduzir as imagens.
  Ruborizo quando ouço as risadas após ouvirem minha explicação do porquê eu deveria casar comigo mesma.
  E então, as imagens do ensaio fotográfico do segundo dia começam a rodar no telão e fico maravilhada. Eles fizeram um belo trabalho na edição.
  Todo o meu esforço não adiantou de nada porque enquanto o vídeo passava, esqueci do plano e meu rosto virou para frente involuntariamente. Nos encaramos por alguns segundos e abro um pequeno sorriso. Ele devolve o gesto e volto para o telão a fim de prestigiar os últimos segundos.
  — Eu vivi pra te ver vestida de noiva. — Sabrina comenta. — Acho que tô emocionada.
  — Devia ter visto minha mãe.
  — Ela não devia estar pior que seu pai.
  A jovem indica o coroa com a cabeça e me viro para vê-lo, ele só tentava disfarçar a emoção. Dou risada e encaro minha assistente.
  — Minha mãe derramou algumas lágrimas. Exagerada? Talvez um pouquinho, muito.
  Qual era o problema daqueles dois? A ficha de ser a única vez que me veriam assim devia ter caído.
  O desfile logo terminou e permaneci sentada com Sabrina conversando sobre o ensaio fotográfico, esperando o lugar esvaziar para ir ao camarim cumprimentar as meninas.
  Aperto Joyce num abraço, logo depois vou até a princesa e faço o mesmo.
  — Vocês mandaram muito bem! — elogio.
  — E você, Jô? — pergunta Joyce. — Arrasou demais naqueles vídeos.
  — Obrigada. Caramba, não nos vemos desde aquele dia no karaokê.
  — Não me lembra do bar. — Bea pede esfregando a mão na testa. — Vomitei por horas depois.
  Sabrina gargalha e abraça as meninas.
  — Acho que fui a única que me dei bem naquele dia.
  Ou não... penso e abro um sorriso discreto.
  — Vocês vão pra minha festa, não vão?
  — Nem sei o que a gente tá fazendo aqui ainda — declaro e relanceio a bagunça de meninas trocando a roupa. — Nós não vamos mais atrasar vocês.
  — Quero ver você ir até o chão Joana! — Joyce diz enquanto puxo Sabrina para fora. — Nada de ficar no canto com o irmão da Bea.
  Reviro os olhos e Sabrina me cutuca.
  — Como assim?
  — Na outra festa, fiquei a maior parte do tempo conversando com Enzo num sofá.
  — Você não vai me deixar segurando vela, vai?
  — Claro que não. Vai estar cheio de gente por lá e a Isabel tá aqui caso esqueceu.
  Ela assente e seguimos lado a lado até a SUV. O motorista nos deixou em frente ao mesmo hotel da festa anterior e seguiu para deixar João em casa a pedido de Suzane.
  Chamei Sabrina e Pedro para subirmos logo e quando chegamos no amplo salão da cobertura, a música já tocava, mas o lugar continuava meio vazio.
  Segurei a mão da minha amiga para irmos juntas até o bar pedir drinques e depois nos guiei para junto do parapeito na área externa.
  — Hoje percebi que não tô preparada pra ver Enzo junto de alguma pretendente.
  — Notei. Se pudesse, você teria passado o desfile inteiro de costas pra passarela.
  Dou risada e vislumbro a festa me perguntando quando os outros chegariam.
  Não foi preciso esperar muito, porque aos poucos o espaço ia enchendo. Um silêncio seguido de burburinho chamaram minha atenção para dentro do salão, outro frio percorreu minha barriga.
  — Eles chegaram — murmuro e ela olha para a festa.
  Volto o rosto para a cidade e ela toca meu braço, me fazendo encarar seus grandes olhos escuros.
  — Se precisar de mim pra te distrair pode falar.
  — Obrigada. — Termino a bebida quando ouço a voz de Enzo à minha direita e respiro fundo. — Perdi feio pro meu coração.
  — É impossível vencer dele — a jovem argumenta.
  — Percebi isso tarde demais.
  Sabrina ri e também se vira para a cidade.
  — Não vejo a hora da Joyce chegar, ela vai animar esse lugar rapidinho.
  Dou de ombros.
  — Ela é a dona da festa.
  Sabrina grita quando Enzo se põe entre nós duas e eu me assusto.
  — Você é louca?! Quase pulei daqui de cima.
  — Desculpa, ele me assustou.
  Sabrina aponta o polegar para o rapaz.
  — Perdão. — Pede e nos encara, se demorando um pouco em meus olhos. — Sobre o que conversavam?
  — Sobre o desfile. — A mentira sai perfeitamente da boca de Sabrina. — Você viu as fotos que a Jô tirou?
  — Vi sim, ficaram ótimas. — Assinto em agradecimento quando ele se vira para me olhar. — A propósito você tava fingindo não me ver ou realmente não me viu ali?
  Meu coração acelera e abro um sorriso.
  — Posso ser míope quando eu quiser.
  Ele fixa a atenção na cidade, balançando a cabeça em reprovação.
  — Eu passei o desfile inteiro me perguntando por que nossa telepatia não estava funcionando.
  Rio de sua frustração e olho Sabrina. Ela encarava a rua cheia de carros em frente ao hotel. Enzo passa a observar a festa e eu troco um olhar com a jovem.
  — Onde tá Isabel? — pergunto e percebo a careta da assistente.
  — Foi no banheiro... corrigindo, já voltou. Preciso ir, depois conversamos.
  Ele se afasta e solto um suspiro. Sabrina se aproxima sustentando a careta, como se eu tivesse feito algo sem noção.
  — Por que trazer o assunto Isabel à tona quando vocês tiveram um tempo juntos? Por que não dizer "sinto sua falta" ou "eu te amo"?
  — Porque não sou do tipo de pessoa que diz "eu te amo" como água e existe uma coisa chamada "leitura labial", eu me preocupo até com isso.
  — Você se preocupa demais e esquece de viver o momento.
  Seguro seu braço e a arrasto para um lugar mais escondido.
  — Viver que momento aqui, Sabrina? — pergunto num sussurro quase alto. — Estamos rodeados de gente, inclusive a pretendente dele, que não podem saber de nada disso.
  — Não toco mais no assunto — diz, erguendo as mãos.
  Olhamos ao mesmo tempo para dentro quando a voz de Joyce surgiu na caixa de som.
  — Vamos.
  Seguro sua mão e a guio para o coração da festa. Joyce falava no microfone sobre aproveitarem a noite e depois o passou ao Dj. A música começou a tocar e Bea surgiu do nosso lado seguida de Joyce.
  — Eu disse que queria ver você ir até o chão, Joana! — Marino praticamente grita em meu ouvido. — Tá na hora de cumprir minha ordem.
  — Quer dizer que era uma ordem? — grito de volta e ela assente. Sacudo a cabeça. — Não sigo ordens.
  Começo a me afastar rindo e ela grita para que eu voltasse enquanto Sabrina e a princesa também riam se balançando ao ritmo da batida. Paro de andar e me aproximo delas de novo.
  — Tudo bem, mas eu não serei a única hoje.
  — Nunca deixamos uma das nossas sozinha. — Sabrina segura minhas mãos e me faz dançar. — Não é mesmo, meninas?
  — Sim! — as duas gritam em coro.
  Abrimos uma pequena rodinha para dançar. Quem me visse hoje não reconheceria como a Joana de quatro anos atrás que tinha vergonha até de espirrar em local público.
  E quando eu decidia comer, aproveitava para olhar rapidamente na direção de Enzo. Na maioria das vezes ele estava conversando com Isabel sempre no mesmo lugar da festa. Porém fui pega pelo menos duas vezes por aqueles olhos escuros e tão cintilantes quanto as estrelas.
  Paramos para descansar um pouco e sentamos naquele conjunto de sofá do lado de fora. Dei um tempo até dizer que iria passear um pouco, levantei e as deixei conversando sobre algo que não prestei muita atenção.
  Corri os olhos pelo salão e escolhi o caminho passando mais perto do príncipe. Eu não tinha visto sua mãe ou o padrasto naquela festa ainda.
  Passo por Enzo e Isabel e viro o rosto para o outro lado sorrindo como se direcionasse a outra pessoa que tivesse falado comigo. Caminho despreocupadamente até a porta e a empurro. Olho na direção do príncipe antes de a fechar e espero ele surgir no hall, posicionada ao lado da porta que dava no heliponto.
  Sorrio para ele e subo a estreita escada iluminada por luz laranja. Lá em cima vou ao centro do grande H olhando para todos os lados para checar se tinha mais alguém. Tanto ali, como nos prédios ao redor.
  Enzo desponta nas escadas e viro para ele abrindo os braços. A saia do meu vestido azul esvoaça com o vento.
  Ele caminha a passos largos até poder me abraçar e beijar meu rosto várias vezes. Solto uma risada audível e aproximo a boca da sua.
  — Como encontrou esse lugar?
  — Nem queira saber.
  Ele para e me observa por um segundo, mas desiste do que quer que fosse falar.
  — Desculpa por não ter aparecido essa semana, estive bem ocupado.
  — Não tem problema, eu entendo. As coisas lá no estúdio não foram tão livres também.
  Enfio o rosto entre seu pescoço e o ombro e ele beija a lateral do meu pescoço.
  — Você seria a noiva mais linda — diz em tom melancólico.
  Enfraqueço o sorriso e dou de ombros.
  — Nunca iria acontecer mesmo.
  — Por que não?
  — Nunca quis casar, sempre fui assim. Desde pequena.
  — Tá dizendo que se eu me ajoelhar aqui agora você diria não?
  — Talvez.
  — Dentro de um talvez cabem inúmeras possibilidades. Por que essa exceção para mim?
  — Porque estou tão apaixonada por você que sei que caso se ajoelhasse pra me pedir em casamento agora, eu diria sim sem pensar duas vezes.
  Enzo ri e me beija uma vez antes de olhar em meus olhos.
  — Admite que tá apaixonada por mim?
  Paro um pouco para processar e perceber que realmente tinha dito aquilo e dizer em voz alta só tornava o sentimento mais real. Abro um sorriso e beijo sua bochecha.
  — É, acho que sim.
  — Hora do teste da verdade então. — Ele limpa a garganta e se ajoelha, engasgo com a saliva. Enzo finge pegar algo no bolso e o abrir na minha frente. — Joana, você aceita passar o resto da sua vida trocando os pneus do meu carro?
  Gargalho e estendo a mão, assentindo veemente. Ele finge tirar o anel da caixinha de veludo invisível e o colocar no meu anelar esquerdo.
  Enzo se levanta e me beija uma última vez.
  — Tenho que ir, extrapolei o limite de tempo.
  Havia tanta relutância e tristeza na maneira como disse.
  — Eu também, vai na frente.
  Ele assente e desce as escadas. Coloco uma mão sobre os lábios como se tentasse tirar o sorriso bobo do rosto conforme caminho pelo heliponto e de vez em quando olho para a mão esquerda.
  Enzo nos fazia sonhar sem nem se preocupar com os machucados que teríamos depois, com as esperanças esmagadas uma a uma sob os sapatos de todos aqueles que apoiavam o casamento com uma daquelas garotas.
  Olho na direção das escadas como se pudesse enxergar Isabel atrás de todas aquelas paredes.
  Eles já haviam a escolhido. Não seria nem Patrícia, muito menos uma canadense. Eu sabia que seria Isabel, só não sabia quando anunciariam o noivado e rezava para que demorasse um pouco mais de tempo até lá.
  Tinha a sensação de que esse tempo escorria entre meus dedos. E odiei.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora