— Queda de energia. — Enzo murmura. — Espere aqui.
Faço o que manda, olhando para todos os lados quando ele entra de novo na casa. Meus olhos já ajustando a escuridão. Minutos depois ele retorna com duas lanternas e um tecido apoiado no ombro.
— Vamos. — Convida, me passando uma das luzes e nos afastamos da casa.
Mais adiante, Enzo pega minha mão. O toque envia ondas de calor que sobem ao coração e abro um sorriso involuntário. Subimos a pequena colina com uma árvore afastada das demais, na parte mais alta.
— Me ajude aqui.
Auxilio a estender o lençol. Enzo senta e ocupo sua frente, na mesma posição, virada para ele. Coloco a luz abaixo do queixo, de forma que ilumine meu rosto.
— À meia-noite, um homem com uma faca na mão... passando manteiga no pão.
Ele ri e pega a lanterna da minha mão, apagando. Envoltos de novo na escuridão, demoro para decifrar suas feições sob o luar.
— Faz tempo que não ouço essa.
— Também. — Estudo o breu ao redor. — O que viemos fazer aqui?
— Observar as estrelas.
Olho para cima e faço o possível para não soltar uma exclamação. Eu achava impossível encontrar um céu daqueles na região.
— Essa queda de energia estava nos seus planos? — Murmuro, olhando o céu com encanto.
— Pior que não. — Ele dá um tapinha no espaço ao seu lado e diz: — Vem cá.
Engatinho até chegar perto. O ângulo era melhor ali sem a copa da árvore ou o luar para atrapalhar a visão.
De repente, ele levanta e estende a mão para mim.
— Acabamos de sentar — resmungo.
— Eu sei. Depois teremos o resto da noite pra sentar, mas agora peço que se levante. — Sacode a cabeça e corrige: — Isto é uma ordem.
Obedeço com rapidez. Coloco-me a sua frente e bato continência.
— Sim, senhor.
Ele sorri com satisfação.
— Soldada, eu ordeno que dance.
Minha postura cai.
— Quê?
— Dance comigo. Na única oportunidade que tivemos, eu estava bêbado.
— Ah. — Solto uma gargalhada ao lembrar do momento em que ele me puxou. — Sim, senhor.
Me aproximo e levo minhas mãos ao seu pescoço como fizera mais cedo. Inicialmente suas mãos se deteram na minha cintura mas ele as levou até a lombar e puxou para perto. Balançamos nossos corpos num ritmo lento e encarando um ao outro. Franzo as sobrancelhas.
— Fica meio difícil sem música.
— Então cante.
Assinto e paro de me mover para pensar numa canção.
— Que música?
— A que vier em sua cabeça.
Penso e começo a fazer um ruído com a boca fechada que se assemelhasse ao toque.
— Cante a música.
— Você tá muito exigente — interrompo.
— E você está enrolando demais.
— Tudo bem. — Limpo a garganta e tomo fôlego. — Mas você tem certeza de que não quer um protetor de ouvido?
— Tenho. — Assegura, rindo. — Apenas cante.
— Certo, lá vai...
Respiro fundo e começo uma música que não saía da minha cabeça. Mais uma daquelas que minha mãe ouvia várias vezes e entrou para minha lista de canções queridas.
— That we shoot across the sky — termino e ele encosta a testa na minha. — Numa escala de ruim a péssimo, quanto foi terrível?
Vejo a expressão de dor quando desencosta o rosto do meu.
— Terrível é afastar a sensação de querer te beijar quando não posso.
— Quantas vezes já sentiu isso?
— Mais de dez só hoje. Perdi a conta de quantas desde que te conheci.
Abro um sorriso e me afasto voltando a sentar na toalha, o cansaço já começava a me vencer. Enzo também se acomoda e me abraça de lado. Olhamos para o céu ao mesmo tempo.
— Você sempre quebra o momento.
— Aparentemente é um dom meu.
— Dom? — Pergunta balançando a cabeça e risonho.
Ele boceja e deita na toalha. Encaro o céu, tão estrelado que parecia impossível estarmos no Brasil e avisto a lua cheia, nos banhando em brilho prateado. Baixo o olhar até encontrar o dele e abro um sorriso. Me deito ao seu lado.
— Luna. — Enzo me fita com uma pergunta no rosto. — Seria esse o nome da minha filha.
Ele então inclina a cabeça para contemplar a lua e dá um leve aceno.
— É lindo.
— Eu sei que é — respondo e beijo seus lábios.
Me aconchego no ombro do rapaz e fecho os olhos. Dou um último adeus ao céu encantador, desejando ter registrado aquele momento com uma câmera.
Jamais poderia, mas ele se tornaria único em nossas lembranças. E isso era tudo o que importava.
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Princesa da Alvorada
RomanceO ano é 2047 e há 26 anos o Brasil deixou de ser uma república presidencialista para voltar ao sistema de monarquia parlamentarista, através de um plebiscito. Em pouco tempo do novo sistema de governo, um massacre acometeu a família imperial no mesm...