Capítulo 9

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  Naquele final de semana eu tinha começado a financiar o apartamento, sendo levada de volta à longa maratona em busca de documentos.
  Sequer ocuparia o imóvel agora, pretendia organizar antes. No entanto, nada me impedia de ficar louca com tudo. Mais enlouquecida do que me sentia na carona até o Alvorada. Maísa não me acompanhava. Dessa vez éramos apenas eu, o motorista e o silêncio estranho de sempre.
  Cruzamos os cilindros embutidos no portão do palácio e meu coração dispara. Era a primeira vez que eu ia até lá sozinha e sem ser para um passeio de visitação.
  O carro se aproxima da entrada e percebo Maísa aguardando. Ainda dentro do carro avisto algumas aves ao longe, entre elas uma ema. Estremeço ao pensar em sua bicada. Eu temia aqueles animais.
  Abro a porta quando o motor é desligado e saio carregando minha mochila. O dia tinha amanhecido nublado e chovera um pouco, torci para que não estragasse a sessão de fotos.
  — Bom dia, Joana. Eu a levarei para conhecer a propriedade. Cuidado com as poças — indica o chão —, o mármore pode estar escorregadio. Seja bem-vinda.
  Devolvo o pequeno sorriso simpático que oferece.
  — Obrigada.
  Passeamos pelos jardins do palácio, na parte que eu jamais fora. Traço planos para fotos enquanto ela tenta em vão arrumar assunto para conversar comigo durante a caminhada.
  — ... chamarei Sua Alteza para se encontrar com a senhorita aqui. Pode sentar se quiser.
  Assinto e ocupo o banco de madeira mais próximo. Aprecio a brisa fria e fecho os olhos sentindo o cheiro das plantas e ouvindo o barulho das árvores balançando.
  Apenas o ruído de passos me faz abrir os olhos, quebrando meu momento de conexão com a mãe-natureza.
  — Bom dia, senhorita.
  Levanto e viro na direção de Enzo, vestindo camisa social e calça jeans. A pergunta se ele passava o dia vestido daquela forma automaticamente alcança meus pensamentos.
  — Bom dia. Tá pronto?
  Um breve aceno em resposta.
  — Obrigado por vir.
  — De nada.
  Começo a caminhar ao seu lado, parando algumas vezes para tirar algumas fotos do príncipe pela propriedade.
  — A minha mãe saiu para resolver algumas coisas, mas amanhã estará aqui. — E ele só avisa agora? — Pensei em fazer um passeio de barco em família no Paranoá, talvez umas fotos lá ficariam legais.
  — Ah, é.
  Poderia parecer um pouco seca, mas simplesmente não conseguia pensar em algo para responder, de novo.
  — Você é meio calada, não?
  Um dom oriundo da minha criação e ausência de irmãos com os quais brigar. Ou gasto energia vocal demais conversando com as vozes da minha cabeça antes de interagir com outra pessoa.
  — Falar muito nunca foi meu forte.
  — Exceto quando está nervosa?
  Lembro da sessão de fotos no sábado e coro.
  — Acho que é por aí.
  — Posso ver?
  Ele aponta para a câmera e eu a entrego, nossos dedos se encostam por uma fração de segundo e pisco para afastar a sensação boa que ameaça dominar meu corpo junto à vontade de sorrir.
  Observo-o manusear a câmera. Ele direciona para uma árvore e ajusta o foco, olhando pelo visor.
  — É legal.
  — Você tem jeito para a coisa — concordo e ele devolve a câmera.
  — Talvez. Não sei se seguiria essa área.
  Dou de ombros.
  — Gosto disso. Se vejo um ponto que me chama a atenção, aponto a lente. Ótimo pra guardar memórias e lembrar sensações. Tem quem diga que fotografar o tempo inteiro te arranca da experiência, eu creio que existe um equilíbrio e eternizar esses momentos num clique é essencial.
  — Essa linha pode estar justamente entre guardar memórias ou tirar fotos só pra mostrar onde esteve. — Ele faz uma pausa. — Como ir pra Paris tirar foto na Torre Eiffel por tirar, mas não apreciar o ato de estar lá.
  Perfeitamente colocado. Ele pôs meus pensamentos em palavras.
  — É um estado de consciência que chega pras pessoas com o tempo, ou nem isso — comento. —Todo mundo já deve ter ido pra algum canto ou feito alguma coisa só porque a maioria faz. — Eu o fito e antecipo: — Se nunca fez, um dia vai.
  Ele sorri em resposta. Mas estava claro no gesto que sua resposta seria afirmativa desde antes, ele já seguiu a massa. É normal do ser humano, afinal.
  — A senhorita faz apenas álbuns desse tipo?
  Como os que eu estava produzindo para ele.
  — Não, mas no momento é o que mais tô fazendo. — Faço uma pausa. — Planejo viajar pra outros lugares e tirar fotos para expor.
  — Exposição? Parece bom.
  — É, sim. Ir a museus, especialmente os de arte, pra apreciar o trabalho dos outros pode ser bem interessante.
  O semblante dele fica curioso.
  — Temos uma amante da arte por aqui?
  Olho para os dois lados, fingindo procurar mais alguém.
  — Parece que sim. — Retorço o rosto numa careta. — Quem não ama a arte?
  — Inegavelmente, ela está presente em nossas vidas — concorda.
  — Até mais pura que o ar que respiramos.
  Ele ri e começa a caminhar de volta para o palácio.
  — Tenho certeza de que se continuar nesse caminho, consegue o sucesso que almeja.
  Baixo o olhar com timidez e sorrio para o chão.
  — Obrigada.
  Nosso passeio pelos jardins chega ao fim e ele espera o carro vir me buscar ao meu lado.
  — Desculpe pela ausência da minha mãe, mas amanhã o dia amanhecerá até mais bonito, Joana.
  — Assim espero — respondo e entro no automóvel.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora