Capítulo 14

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  — É tarde demais pra fingir perder o voo? — Pergunto à minha mãe encostada no parapeito ao lado dela assistindo do varandão as chegadas e partidas de aeronaves. — Eu adoraria passar mais tempo por aqui.
  — Também queria que ficasse, mas o dever lhe chama.
  Meu semblante retorce em decepção.
  — Eu sei. Por mais que eu tenha deixado as coisas organizadas e Sabrina terminado a maioria dos álbuns pendentes... canso só de pensar no tanto de trabalho que tenho pra fazer.
  — Mas sua assistente vai te ajudar, não vai? Aliás ela tá ali pra te dar assistência.
  Sua ênfase na última palavra denuncia a preocupação que sente sabendo que posso facilmente me sobrecarregar, mesmo não precisando.
  — Sim, mas é que...
  — O quê? — Interrompe. — Você tem que deixar a menina te ajudar, caso contrário não tem motivo de ela estar lá além de só enfeitar. As pessoas cansam de falar ao telefone e mandar e-mail. Motive Sabrina fazendo coisa diferente. Se vê propósito no que faz e se sentir bem, ela vai ter mais vontade de ir trabalhar, fora que isso pode relaxar um pouco mais você.
  — Você tá certa. — Admitir aquilo em voz alta tinha um sabor estranho, geralmente o orgulho me impedia de reconhecer a razão dela. Mas daquela vez era diferente, eu me sentia diferente. — No fim realmente não posso deixar de me divertir. Preciso sair, ver gente, conhecer aqueles seres curiosos da nossa espécie...
  — Humanos? — tenta e sorrio.
  — Isso mesmo. — Uso o silêncio, ainda carregado das nossas palavras ditas para refletir um pouco sobre a vida. — Mãe, quanta coisa eu perdia me prendendo a minha casa e ao trabalho.
  Um sorriso que chegou aos olhos iluminou seu rosto e então eu percebi, ela tentava me dizer isso o tempo todo. Bom, conseguiu.
  Abraço-a de lado e apoio a cabeça em seu ombro vendo mais um avião decolar e apreciando o som das turbinas cortando o ar. A partida anunciada pelo ruído ensurdecedor capaz de fazer o chão tremer.

  Procuro por alguém segurando uma plaquinha com o nome "Joana" escrito na pequena multidão amontoada no portão de desembarque.
  Só encontro meu pai quando escuto um psiu vindo de algum lugar à direita. Viro na direção do sibilo e o vejo abraçando de lado a esposa com um sorriso no rosto. Devolvo o gesto em resposta indo ao seu encontro e abraço cada um.
  — Como foi? Aproveitou a folga?
  Assinto veemente sem conseguir fazer o sorriso sumir.
  — Bastante. As coisas continuam tranquilas por aqui?
  — O de sempre. — Quem responde é Suzane apontando na direção dos caixas eletrônicos.
  Enquanto ela pagava o estacionamento, meu pai me enchia de perguntas sobre a viagem que eu contava com um entusiasmo visto em mim pela última vez há anos.
  — Você parece mesmo mais relaxada. — Comenta Suzane voltando a se aproximar. — E pegou um belo bronze, ficaria ótimo numa sessão de fotos pra moda praia e piscina...
  Percebo a expectativa para que eu aceitasse e permaneço em silêncio por não saber como recusar o convite indireto.
  — Vou pensar nisso.
  Ela assente e chegamos na vaga de estacionamento onde o carro do meu pai se encontra.
  Espero nem sequer lembrar, apenas para o caso de ela comentar sobre e eu alegar de forma verdadeira ter esquecido da proposta.
  Adentro o banco de trás observando pelo retrovisor meu pai colocar as bagagens no porta-malas.
  Passei o resto do dia falando sobre como a viagem foi incrível e que se pudesse ficaria lá para sempre. Também me ocupei em me atualizar do que aconteceu no período em que passara fora.
  Quando a noite caiu estava exausta e com vontade de retroceder no tempo. Porém mesmo os pensamentos de hábitos noturnos não mantiveram minha mente longe do sono profundo.
  Cancelo mais um despertador, que no papo de dormir mais cinco minutos, toca pela terceira vez. Sento olhando para o nada antes de mandar uma mensagem para Sabrina e levantar.
  Desço as escadas me encontrando com uma Suzane na cozinha prestes a terminar de tomar o café para ir ao trabalho.
  — Pensou sobre as fotos? — pergunta com um sorriso.
  Deus, essa mulher nunca esqueceria da minha existência para esse tipo de coisa.
  — Na verdade, não. Falei tanto sobre a viagem ontem que nem cheguei a lembrar.
  Penso se não soou como uma desculpa esfarrapada.
  — Tudo bem, hoje à noite você me dá a resposta, pode ser?
  — Combinado.
  Eu teria que pensar numa desculpa até voltar para casa. Ou nem viria.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora