Capítulo 2

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  — Pai, você acha que passo muito tempo no trabalho? — é a primeira pergunta que faço quando adentro a sala imensa da mansão um tanto exagerada dele.
  — Eu acho que você é jovem e quer estabilizar sua vida, por quê?
  — É a minha mãe — solto frustrada e sento no sofá. — Ela tá me acusando de passar tempo demais no estúdio... e com você. E pouquíssimo com ela. — Cruzo os braços. — Sabe o que me deixa mais triste? O fato de ela reprovar o que faço e tentar disfarçar, sendo que a decepção fica estampada na cara dela.
  Ele me observa atentamente, para dar um tapinha em meu joelho logo depois.
  — Acho que a decepção da sua mãe é por você ter puxado a mim. Lembra que ela também reclamava de eu passar tempo demais no trabalho? — Olho para ele tentando lembrar de cada briga que tiveram. — Vamos lá, eu sei que você ouvia cada coisa do quarto.
  Sim, eu ouvia quando não estava no meio. Uma experiência terrível que não desejava a ninguém.
  — Eu lembro, mas sei lá... — Franzo o cenho ligeiramente. — Isso não começou só depois que comecei a trabalhar, foi quando contei minha escolha.
  — Uma hora ela entende que o seu trabalho é o que mais gosta de fazer.
  Solto uma risada amarga. Todo mundo dizia isso e todo dia eu sentia estar um passo mais longe dessa exaltação.
  — Ou talvez ela entenderá que nunca devia ter me dado aquela câmera de aniversário.
  Ouço seu suspiro e ficamos em silêncio até que ele levanta beija minha testa e me deixa no sofá encarando o peixe de brinquedo do caçula João.
  Sou arrancada dos devaneios quando Pedro, o enteado do meu pai a quem eu considerava irmão, entra em casa como um furacão de suor e gramado.
  — Tava brincando de minhoca? — brinco.
  — Jogando bola — conta entre uma arfada de ar e outra e desaba no sofá.
  — O que você aprontou? — pergunto desviando do braço que tenta passar em volta de mim.
  — Nada. Tô fugindo daquela menina da casa 42.
  — Quem? — começo a rir.
  — A Geovana que mora na casa 42 do condomínio. Desde a semana passada que ela quer ficar comigo, mas eu não quero.
  — Por quê? Ela parece ser legal, você devia dar uma chance.
  — Ela pode ser legal, mas não é meu tipo.
  — Qual é seu tipo? A Marina da 23?
  Pedro hesita.
  — Talvez.
  Reviro os olhos. Marina era uma riquinha arrogante que precisava de boas lições de vida.
  — Eu não revirei os olhos quando você falou que a Geovana parecia legal.
  — Desculpa. — Aproveito a pausa para continuar: — Se você não quer ficar com ela, é só dizer.
  O garoto mal tem tempo para pensar na sugestão quando é surpreendido.
  — Pedro, o que você está fazendo sujo em cima do meu sofá?! — A voz reprovadora da esposa do meu pai chega até nós e Pedro salta da mobília. — Chuveiro. Agora. — Ordena e ele sobe as escadas resmungando um "Sim, Suzane" no caminho. — Joana, querida. Como vai?
  Cumprimenta ao se aproximar e levanto para abraçá-la.
  — Vou bem, eu acho, e a senhora? Se importa se eu dormir aqui uns dias?
  — Tô ótima. Mas é claro que não. Lembra onde é seu quarto, não lembra?
  Assinto agradecendo. Pego a mochila e subo as escadas para ir ao meu quarto. Faço uma careta após alcançar a metade dos degraus. A essa altura eu já teria comprado um elevador com o dinheiro deles.
  Adentro o quarto e o encontro do jeito como deixei. Jogo a mochila na cama, começando a arrumar o equipamento num armário próximo a ela.
  Pego o notebook e sento encostada na cabeceira para checar a caixa de e-mails, responder e apagar quase todos.
  — Tá trabalhando? — O meu pai pergunta da porta, me tirando a concentração da leitura sobre a casa de recepções onde a festa do príncipe seria realizada. Nego com um menear e fecho a tela, pondo de lado os óculos de descanso. — O jantar tá na mesa, vem.
  Desço para a sala de jantar quase no encalço dele e tomo o assento ao lado do filho mais velho da minha madrasta.
  — Veja só quem tá com um cheiro mais agradável — brinco com relação a Pedro.
  — Tava competindo com um gambá — Suzane entra na brincadeira. — E ainda se achando no direito de sentar no sofá!
  — Eu já pedi desculpa por isso — o garoto se defende.
  — Como foi o trabalho hoje? — Suzane pergunta para mim.
  Pisco, afastando a sensação de ser aquele tipo de conversa que eu gostaria de ter com minha própria mãe. No tom que ela demonstrasse verdadeiro interesse.
  — Foi bom. Tirando a parte de voltar ao ensino fundamental pra estudar os pronomes de tratamento. — E este era o gancho para eu soltar a grande notícia diante da confusão no olhar da maioria. — Não sei se contei... vou fotografar a festa do príncipe.
  Meu pai quase engasga quando pronuncio as palavras e todos abaixam as talheres, carregando semblantes impressionados nos rostos.
  — Surpresa?! — tento.
  — Parabéns! Sempre soube que ia conseguir um trabalho tão importante. — Meu pai parabeniza animado e volta a comer. — Essa é minha garota.
  Não escondi o sorriso. Há quanto tempo eu não me sentia como alguém que inspirava orgulho parental?
  — Parabéns, querida. Já contou pra sua mãe? — Suzane pergunta e com a menção do "sua mãe" meu corpo murcha.
  — Já.
  Remexo a comida no prato.
  — O quê? — Meu pai se sobressalta. — Ela não gostou?
  — Não, ela gostou. É só outra coisa, mas já passou.
  — Hum... — percebo a troca de olhares entre Suzane e o marido — sinto muito.
  A mesa fica em silêncio até que João o quebra.
  — Ei, se você falar com o príncipe, chama ele pra jogar bola comigo.
  Olho para ele incrédula e gargalho. Ah, João, só você mesmo. Mordo a boca para controlar o corpo.
  — Meu amigo, se soubesse as regras que preciso cumprir nessa festa. Capaz de não poder dar uma bolada mesmo que sem querer no príncipe.
  — O quê? — pergunta meio triste e com sua mente fértil me arrependo de ter dito aquilo. Pedro não ajuda.
  — Melhor dar uma por querer, assim vou ser preso com razão.
  Acabo entrando na onda.
  — Deve ser satisfatório bater em político safado.
  — Eles nem são tão ruins assim — defende Suzane.
  — E a covid só ia durar quinze dias — meu pai rebate.
  — O que é covid? — indaga João.
  — Foi o apocalipse — explica meu pai rapidamente. — Tempos sombrios. Me dá nos nervos só de lembrar.
  Dou de ombros, retornando ao assunto principal conforme João se diverte enquanto nosso pai bota medo nele.
  — São tudo farinha do mesmo saco.

Princesa da AlvoradaOnde histórias criam vida. Descubra agora