Não pensei um segundo sequer antes de envolver o príncipe num abraço depois de abrir a porta. Sabrina faltou ao trabalho e a privacidade consequente foi perfeita para o momento.
O beijo seguinte foi repleto de urgência e saudade. Eu não o via desde o fim da festa quando ele agarrou meu coração, fez parar e depois sacudiu com tanta força que acelerou. Com apenas três palavras.
Quatro dias depois e eu continuava incapaz de respirar sem sorrir.
— Existe forma melhor de começar o dia? — Ele sorri contra meus lábios. Balanço a cabeça em resposta antes de sua língua chocar contra a minha outra vez. Seguro firme sua mão quando nos afastamos e o puxo para o sofá. — Fiz as pazes com a minha irmã.
— E então?
— Sinto que não fui 100% perdoado — ele se curva cobrindo o rosto com as mãos. Apoio uma palma em suas costas e massageio na tentativa de relaxá-lo. — Fiz uma besteira muito grande.
— Fez sim, mas não precisa ficar pra baixo desse jeito. Ela ainda deve estar ressentida, mas com o tempo a mágoa passa... isso se sua irmã não for rancorosa.
Enzo me encara por uns segundos e volta a recostar no sofá sem tirar os olhos dos meus.
— Desde que a Bea voltou, eu tenho conhecido ela de novo. É como se a Europa tivesse construído vários anexos ao prédio principal e deu uma visão totalmente diferente... — ele suspira e deita a cabeça no meu ombro. — Não tenho como ter certeza do nível de rancor dela.
— Dê um tempo a ela e observe o território antes de tentar uma reaproximação.
Sinto o roçar de nariz em meu pescoço e estremeço com o beijo logo após. Abaixo um pouco a cabeça para que sua boca encontre a minha.
Caio do sofá ao ouvir duas batidas na porta de alumínio seguido do barulho dela sendo aberta. Consigo sentar numa cadeira e me recompor um pouco antes que a pessoa desse as caras.
Suspiro ao ver meu pai e finjo termos sido interrompidos numa conversa. Olho de relance e percebo Enzo disfarçar ao ajeitar o cabelo, segurando a risada.
— Oi, princesa — cumprimenta e nota Enzo no instante que esbugalho os olhos de leve, direcionando ao príncipe. — Vossa Alteza.
O rapaz corresponde o cumprimento com um aceno e permanece calado, provavelmente porque se abrisse a boca o que sairia seria risada.
— Oi, pai. A gente tava discutindo sobre qual seria um melhor final pra série Antagonista.
Meu pai olha de mim para ele e de volta.
— Vamos concordar que o principal devia ter ficado vivo. Morrer como um herói tirou a essência da história.
— Tá vendo?! — exclamo apontando para o príncipe e ele me olha como se eu o tivesse acusado de algo terrível.
O homem retoma o foco, olhando para mim.
— Meu carro quebrou aqui perto e esqueci o celular em casa. Posso usar o seu telefone?
— Como se precisasse perguntar. — Abro caminho para a mesa, indicando o aparelho. — Vai em frente.
Chamo Enzo para minha sala quando meu pai se dirige ao telefone. O príncipe segue silencioso no meu encalço e fecha a porta logo após passar. Encosto na mesa enquanto ele se detém perto da porta.
— Eu também não gostei do final daquela série, você acabou de destruir minha imagem na frente do seu pai — cochicha fingindo raiva.
Solto uma risada baixa e me aproximo dele até poder abraçá-lo.
— Foi divertido.
— Ei... — cochicha começando a se desvencilhar de mim. — Essa área não está tão segura.
Dou um passo para trás e indico a impressora. Pego os materiais para fazer um álbum e começo outro trabalho com a ajuda de Enzo.
Parecíamos dois amigos trabalhando em equipe no instante que meu pai abriu a porta. Ele para um momento nos observando.
— Obrigado, filhona. Já consegui falar com o mecânico.
— Sorte a sua ter quebrado aqui perto. — falo e o sigo até a porta de entrada, Enzo vem logo atrás. — Será algum sinal?
— Deus sabe o que faz — diz apenas e ergo as sobrancelhas por uma fração de segundo. — Onde tá sua amiga?
— Ela não vem hoje.
— Ah. — Ele olha acima do meu ombro, eu sabia que encarava o príncipe. — A Sabrina que se cuide pelo visto.
Troco um olhar com Enzo e sorrio antes retornar ao meu pai.
— Jamais. Enzo é um péssimo funcionário.
O homem ri saindo do estúdio.
— Eu não acredito nisso.
Beija minha testa e se vai.
Fecho a porta pensativa. Será que meu pai tinha visto algo? Viro devagar para o príncipe e começo a gargalhar aos poucos. Ele acompanha e me puxa pela cintura antes de me fazer derreter naqueles lábios outra vez.
Minutos mais tarde, acariciava sua cabeça deitada no meu colo e seu telefone tocou.
Enzo pega o aparelho do bolso e atende sentando no sofá. Deslizo para perto, abraçando a cintura dele e deitando a cabeça no ombro como se soubesse que iria embora.
— Sim? — Ouço cada palavra proferida conforme aproveito os segundos ao seu lado. — Certo... — Ele me encara e abre um sorriso largo. — Estou indo.
Arqueio as sobrancelhas quando desliga a chamada.
— Vou pra Nova Iorque. Quer que eu te traga algo?
Desço o corpo devagar, estabelecendo uma distância de centímetros entre as bocas. Nossa respiração misturou no espaço mínimo e eu não sabia para onde olhar.
— Eu quero você — sussurro e ele sorri, me afasto para olhar em seus olhos. — O que tem lá?
— Conferência da ONU. — Enzo entrelaça nossos dedos. — Pra redefinir o acordo de paz mundial, buscar soluções no problema da água e pôr olhos no atrito quase real entre as nações.
Abro um sorriso largo que poderia ser facilmente comparado ao dele.
— O que isso quer dizer? — pergunto, mais como se quisesse ter certeza de que eu tinha ouvido aquilo.
— Isso quer dizer que... — começa fixando o olhar nas nossas mãos e passando o indicador no ponto onde ficava aquele anel de noivado invisível. — Na pior das hipóteses, a relação dos países ficará mais estremecida do que já está, e na melhor, um casamento não será tão necessário.
Aquela sim era a confirmação da qual precisava. Abracei-o forte e beijei tão intensa quanto possível.
Afastei para me recompor.
— Então vá logo e não demore a voltar.
— Mando mensagem assim que pegar um chip novo — declara ao se preparar para partir. Ele interrompe o passo diante da porta fechada e me olha outra vez. Abre o sorriso mais lindo ao dizer as palavras mais lindas: — Amo você.
Como não consegui proferir as palavras de volta. Dei passos até ele e respondi com a boca. Enzo pareceu se dar por satisfeito e abriu a porta do estúdio.
— Princesa — caçoa, lembrando o cumprimento de meu pai.
Faço careta e o empurro para fora, ele vai embora rindo. Me segurei para não gritar em comemoração e fui à minha sala.
Queria sair correndo e saltitando pelo corredor e não via a hora de Enzo voltar com notícias sobre o acordo de paz e principalmente, seu noivado.
À noite quando saí do estúdio, encarei sorridente o céu e agradeci na mente a qualquer um que pudesse ouvir.
No entanto, quando deitei para dormir, frio envolveu meu estômago.
E se Enzo não precisasse casar e anunciasse nosso relacionamento? E se eu precisasse abrir mão de coisas para estar com ele? E se eu não aguentasse a pressão de ser perseguida por paparazzi?
Tentei sem sucesso afastar aqueles pensamentos, o que resultou em apenas um cochilo de duas horas pouco antes de amanhecer.
Despertei de mau humor e demorei para chegar ao estúdio. Enzo ainda não havia mandado mensagem. Nesta época do ano, Nova Iorque estava uma hora atrasada em relação a Brasília.
Ele provavelmente ainda acordava para se preparar para a reunião. Se é que dormira.
— Bom dia — cumprimenta Sabrina e dou um aceno. — Qual o problema? Não dormiu bem?
— Só dormi duas horas — respondo e entro na minha sala.
Eu não via a hora da mensagem dele chegar e minha ansiedade se refletia no ato de pegar o celular várias e várias vezes para checar se havia algo.
Sabia que tinha viajado a noite toda e provavelmente dormira no voo inteiro também, o que me causou uma leve preocupação acerca de se estaria se sentindo bem para passar horas sentado escutando as pessoas falarem e falarem.
Até me perguntei se eu dormiria sem querer na conferência caso estivesse em seu lugar.
Fiquei presa nos devaneios, perguntas sem resposta pelas horas que passaram e a mensagem veio enquanto eu atendia uma cliente.
Vi a tela do celular acender e olhei rapidamente para o aparelho. Optei por guardar na gaveta para evitar a tentação de pegá-lo e fazer a mulher esperar.
Quase derrubei a gaveta ao puxá-la quando a moça se foi e resgatei o celular, apertando a notificação de Enzo antes de tudo.
Pausa pro almoço, desculpa a demora. Suspiro de alívio ao descobrir que estava bem. É um pouco estranho chegar aqui e encontrar fast-food e alguns lanches pra essa refeição.
Perdi a batalha contra o sorriso que se formou em meu rosto enquanto digitava a resposta.
Boa tarde, ou devo dizer, good afternoon? Eu não acharia estranho tendo em vista que extrapolava no fast-food quando comecei com o estúdio.
Quase todo dia, um lanche diferente para almoçar. Isso durou até a taxa de colesterol ruim aumentar e minha mãe gritar no pé do meu ouvido por dias.
Pelo menos o horário de almoço aqui é parecido com o daí.
Sorte a sua. Hesitei antes de mandar a outra mensagem, entretanto não aguentava esperar mais. Estamos tendo bons resultados?
Eles não começaram a discutir sobre isso ainda, mas conversei com alguns representantes e acho que teremos um bom resultado.
Suspiro de alívio.
Ainda bem.
No mesmo instante recebo uma ligação de Joyce e atendo, chateada por ter tido minha conversa com Enzo interrompida.
— Dia 17 é meu aniversário — anuncia. — E você tá convidada pra festa mais badalada do ano, você e a Sabrina. Vai, né?
Que pergunta.
— Claro, onde?
— Lugar de sempre a partir das nove. Todo mundo vai estar lá.
— Medinho ao te ouvir dizer isso.
— Não tem o que temer, só dançar. Vai ter karaokê e jogo de dança, você vai ser a primeira de novo.
— Não, por favor. — Imploro e ouço sua risada. — Foi uma brincadeira de mau gosto da última vez, péssimo gosto.
— Eu sei, mas você até pareceu se divertir. Relaxa, quando eu disse todo mundo não incluía Isabel.
— Sabe que ela não precisa de convite pra entrar em festas.
— Na minha, precisa. — Reviro os olhos. Na prática nunca seria assim. — Preciso chamar os outros, um beijo de sereia.
— Beijo.
Espero que desligue para voltar a conversar com Enzo. Infelizmente ele já havia ido.
Marino ligou para me convidar pro aniversário dela. Você vai?
Xinguei Joyce por ter interrompido nossa conversa e larguei o celular ao levantar para falar com Sabrina.
Cruzei os braços, encostando na porta. A jovem ergue os olhos dos papéis que lia para me olhar como se perguntasse o quê.
— Joyce chamou a gente pro aniversário dela.
— Quando?
— Dia 17.
Ela assente e volta a ler os papéis logo depois. Deito no sofá e fecho os olhos. Sabrina não interrompe meu momento de descanso.
Incrível que em menos de 24 horas eu já sentia falta de Enzo. No que ele tinha me transformado? Aonde meu coração teria me levado?
Suspirei e voltei à sala para escolher uma câmera. Mal conseguiria produzir ficando ali. Fui passear na cidade pelo resto da tarde.
Chequei uma vez o celular para descobrir que não havia mensagem mesmo antes de dormir.
Eu só vi a resposta no dia seguinte e agradeci aos céus por ela.
O primeiro dia de conferência acaba de chegar ao fim e escolhemos até amanhã pra decidir sobre isso. Não sei se vou pra festa da Joyce, eis uma má notícia: vou ficar um tempo fora, mas fazendo o possível pra voltar o quanto antes.
Meu coração murchou ao ler a mensagem. Eu não o veria por um bom tempo. Se em dois dias já morria de saudades, não queria pensar em um tempo, até então, indeterminado.
Me perguntei se ele se sentiu assim quando passei aquela semana fora. Enviei uma resposta rápida e triste.
Tristeza que pintou os dias posteriores. Como se o show pirotécnico que parecia acontecer quando ele estava comigo tivesse acabado.
Nosso contato diminuiu a quase nada com suas viagens, resumido a cumprimentos no amanhecer e anoitecer.
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Princesa da Alvorada
Lãng mạnO ano é 2047 e há 26 anos o Brasil deixou de ser uma república presidencialista para voltar ao sistema de monarquia parlamentarista, através de um plebiscito. Em pouco tempo do novo sistema de governo, um massacre acometeu a família imperial no mesm...