Filme

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Há palavras que não passam de letras vazias, enquanto outras vão além de qualquer mera conclusão. A música faz parte da segunda classe citada. E por esta razão busco decifrá-la, inutilmente.

"E ela só revela o que ela quer que você veja".

A porta do banheiro está fechada. Escuto o barulho da descarga e depois o do chuveiro sendo ligado. 

"Ela se esconde como uma criança".

Abaixo-me e pego uma camisa jogada no chão. Respiro profundamente, inalando o seu perfume. Que tipo de irmã eu me tornei? Ah, droga! Não há respostas. Tão perto, tão longe… Agora só resta saber se sou eu ou se é ele? 

Ainda com a camisa em mãos, levanto-me e me jogo em sua cama. O meu corpo exausto procura relaxar. Os meus olhos começam a lacrimejar. Infelizmente não consigo evitar a crise de pânico. As possíveis futuras verdades me assustam. E talvez, elas sejam inexistentes. Seria este o motivo de eu rir do desespero? Ou seria ao contrário? Desesperada eu "oceano" das incertezas.

"E ela vai te prometer bem mais do que o jardim do Éden… e descuidadamente vai cortá-lo e rir quando estiver sangrando."

Será que a vida debocha de mim, da mesma maneira que a minha alma o faz? Prefiro não saber a resposta. As minhas pálpebras se fecham. A minha cabeça dói. O tic-tac do relógio imaginário criado por minha mente melindrosa, avise-me sobre o se alastrar do tempo. Ilusão. Mera ilusão, pois quando não o estamos cronometrando, ele continua correndo.

- Tata? - a voz de Daniel me desperta. 

O olho de cima abaixo. Engoli em seco o nó que se formou em minha garganta, ao ver o seu corpo nu, magro e pálido. As olheiras cada dia mais evidentes e o seu isolamento cada vez mais nítido. E esses  detalhes são insignificantes…

- Quer assistir um filme comigo e com a Linda? 

- Tata não me leve a mal, mas eu prefiro ficar sozinho… preciso descansar!

- Tudo bem! Só me faz um favor? Pega uma roupa para mim em meu quarto e avisa a ela que estou tomando banho, aqui?!

- Okay! Só vou me trocar e já faço o que me pediu!

- Okay!

- Eu amo você, tata!

- Eu sei!

Levanto-me, beijo-lhe carinhosamente no rosto e vou para o banheiro.  

Assim que entrei, avistei mais frascos jogados pela pia. Prefiro ignorar o conteúdo e me enfiar embaixo do chuveiro, deixando a água quente cair sobre minha pele.

E o pior que você puder ser, culpe a si mesmo”

A tranquilidade em demasia é o aviso  de que o nosso espírito está desprendido da nossa carne. O silêncio é o convite para que os meus fantasmas me ataquem. Sem conclusões e arrependimentos, me perco com as confissões sussurradas pelo meu "eu", ainda lúcido. Seria tal fato, um convite para um novo amanhã? 

Descartes insinuou que: Penso logo existo… Eu vos digo: muitos pensantes, só respiram.

Meu caro leitor, vou lhe contar um segredo: Eu adoro a minha nudez. Saboreio as minhas marcas internas em meu corpo magro, relutante para não cair. Muitos diriam ser esbelto e em algum outro momento eu até poderia pensar em concordar … Mas agora não mais.  O vejo doente. Creio fielmente que a minha alma infectou todas as minhas células.

Escorrem pelo ralo, as minhas lágrimas e água quente que purifica-me. E agora me pergunto: qual é o problema de chorar ajoelhada no piso frio do banheiro molhado? Lhe assevero que a resposta é o medo. Por favor, nunca o deixe ser mais forte. Sentir-se impotente é uma degustação grátis do inferno... Ah, quer saber? Foda-se. Se assim és, brindarei com o diabo.

Intensamente VadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora