Eu nunca lhe prometi amor

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Movimentei os meus lábios algumas vezes tentando formular uma pergunta, mas a minha voz era inexistente. E para ser sincera, eu só queria sentir minha alma extasiada ao lograr roubar sua atenção por mais alguns míseros milésimos de segundos. Se alguém do futuro regressasse só para dizer-me que me tornaria um indivíduo pascácio, minha única resposta seria uma longa gargalhada. Sim, eu debocho dos loucos, assim como os normais caçoam de mim.

O tempo se arrasta e o silêncio é quem dita as nossas ações. Decido arriscar o jogo que  faço com Daniel. Sustento os nossos olhares, que por si só, se prendem e invadem um ao outro. Não há segredos. Ou melhor, é a hora de descobri-los.Passados exatamente dois segundos, ela acabou rindo, consequentemente eu também.

- Eu ganhei! - eu disse.

- Não, não! - respondeu-me.

- E por que não? Posso saber? - perguntei.

- Simples, você ainda está rindo. - respondeu-me como se aquela fosse uma verdade absoluta.

- Não estou não. - segurei o riso.

- Eu sempre estou certa! - disse convicta.

- Okay, você venceu. Boa noite, Linda, durma bem!

- Obrigada, igualmente. Boa noite!

***

Se lhe disserem como o tempo passa rápido demais, por favor, não duvide. Mas também não ouça, apenas. Não é uma citação dita pelos mais velhos por mero capricho. É um conselho, e eu diria ser o mais sábio. Quando proferidas as palavras, soltas estão as frases, os significados… pense nisso como um quebra cabeça pronto para ser montado por suas mãos calejadas, e desfeito pela ventania. Isso lhe dá preguiça, não? É mais fácil acreditar ser uma nova maneira de dizer: “eu inalei oxigênio por mais anos”, do que descobrir as suas demandas. A vida tem prazo de validade. Detalhe: vedado. Lhe dão ela de presente e tu esperas ansiosamente pela morte, mas o que acontece neste meio período? Tudo passa rápido demais, não espere para perceber. As horas são números e ponteiros, cantarolando o seu início e o seu fim.

Mais uma sexta-feira. Onze horas da noite. Uma temperatura amena. As janelas da sala fechadas, o ar-condicionado ligado, a garrafa de vinho em cima da mesa de centro, e Dona Mary sentada no sofá, com a postura ereta e o olhar fixo no líquido vermelho. Balanço a cabeça negativamente. Vou até a cristaleira e pego uma taça para mim.

- Por quê não relaxa, mamãe? - Perguntei, enquanto me servia.

- Eu estou bem. - respondeu-me, brindando.

Me sentei ao seu lado.  Bebiamos o vinho em silêncio. Por um momento, desejei ter um cigarro entre meus dedos para encaixá-lo em meus lábios, soprar a fumaça e ingerir o amargo veneno. Dizem ser um ato poético. Talvez. Ou apenas patético? Não sei, tudo depende do ponto de vista - eu os ouvi dizer, durante a minha nobre existência -.

- Você o amava? - perguntei.

Dou um trago em meu cigarro imaginário, sinto o aroma do vinho e me permito degustar a doce bebida.

- Eu o amarei para todo o sempre! - respondeu-me, olhando diretamente em meus olhos.

Silêncio. Aquela não era uma mentira. Pelo contrário, era a única verdade que sua boca proferia e não era preciso que os meus ouvidos acreditassem. Mas também não era meu direito duvidar, só porque os meus olhos opacos nunca puderam se atentar nos seus gestos e provas. Se os dele se agarraram em tal fato, quem sou eu para contestar?

      - É engraçado, não acha? - ela disse.

- O que? - eu perguntei.

- Nunca precisamos de um padre para nos abençoar e nos ditar as regras. - ela bebeu todo o líquido de sua taça e serviu-se com mais. - O ser humano é tolo!

Intensamente VadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora