Que mudou o tom

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(Notas autora - obrigada por quem me acompanha. Não desistam de mim. Beijos ❤️)

***

POV - Daniel. - Três dias depois.

(Fala pra ele que ele é um sonho bom)


O sol negava-se a esquentar a minha alma gélida, a minha carne quase morta. Mentiras. Metáforas. Verdades incompreensíveis. O meu coração continua a bombeiar o sangue escuro que corre por entre minhas veias. Os meus olhos ainda são capazes de enxergar a maldade. A minha pele frágil perdendo-se nos meus ossos cada vez mais fracos.

Admirar o lago, os reflexos, as pessoas que por ali caminham, idem a mim. A brisa fria. O vendedor de sonhos. Os passos falhos. A falta de apetite, de sede, de vontade viver.

Por ela. Por mim. Por nós. Fica cada vez mais difícil, mas é necessário se cuidar, se amar. Os frascos de remédios esvaziam-se aos poucos. Espero que ela possa se orgulhar.

(Que mudou o tom da tua vida cumprida)


- Eu não vou morrer. - sussurrei, voltando-se naquela cena onde sua voz acusadora obrigou-me a proferir a promessa da vida. - Mas você também não pode morrer. - engoli em seco, com medo de que nenhuma das frases sejam verdadeiras.

Continuei a caminhar próximo ao lago. Nada era concreto por entre os meus pensamentos desconexos, a não ser a sua imagem, o seu sorriso culpado que pouco se fazia presente, mas que era capaz de iluminar-me por completo.

Aos poucos, eu me sentia mais e mais perdido dentro do meu ser. Eu não quero isso. Ela não iria querer isso. Mas como fugir? Parece ser a minha sina. Eu tentei ser forte. Eu fui. Claro que sim. Tentei não cair por esses anos, não ceder a tentação da morte. Mas agora, pedir o mesmo, és em demasia absurdo.

Uma mão delicada sobre o meu ombro. Duas iris castanhas encarando-me com segurança, tranquilidade, como se tentasse me fazer sentir o mesmo. És incrível como nada desta mulher consegue passar despercebido por nós. A sua pele levemente enrugada, o seu sorriso frouxo, as suas roupas casuais reforçando a ideia da pose de uma mulher destemida e o autoritarismo presente em seus gestos, nos dando a ilusão de estar conhecendo aos poucos, os mistérios de sua pessoa.

(Fala pra ele do disco do Tom Jobim. Do seu apelido  e de mim)


- Creio que ela ficaria muito feliz em ouvir a sua voz. - não sei por qual razão alguns tolos creem ser possível conversar com um moribundo. - Apenas tente. Até mesmo Regina, que não é boa com as palavras, está tentando. Vamos lá. Não é tão difícil. - eu continuava estático, olhando para Cora como se fora necessário para dar um próximo passo. - Está bem. E se você só lhe presentear com a sua presença? Eu sei o quanto é difícil, mas e se ela realmente puder te sentir, hm?

- Não creio que a Senhorita realmente saiba o quanto é difícil. - confessei desapontado. - Dói demais ver a pessoa que tu mais ama, frágil, jogada em uma cama, coberta com um fino lençol branco, dependendo de míseros fios para basicamente tudo. É como se a cada segundo passado ela morresse um pouco mais.

(Chora)


- Acredite quando eu digo que entendo. - a mais velha puxou o ar, soltando-o lentamente. - Olha, Dani, vou lhe contar algo que nem mesmo a minha filha sabe. - indicou-nos um velho banco de madeira. Nós sentamos. Esperei o seu tempo. - Creio que todos saibam da minha origem humilde. O meu pai nos abandonou quando eu tinha apenas apenas dois anos de idade. Aos nove, vi minha mãe morrer em meus braços, por culpa de uma bala perdida. Estávamos comendo pizza, comemorando o meu aniversário. Aos dez, conheci o meu melhor amigo, Killian Jones, que salvou-me de várias encrenca no abrigo, onde, na época, eu morava. Aos quinze, fugimos do lugar por conta de maus-tratos, mas logo perdemos o contato e precisei sobreviver de alguma forma. A única saída fora a prostituição, já que todos me negavam um emprego. Aos vinte, engravidei. Me vi se chão. Não conseguia nem cuidar de mim, imagine de uma criança sem pai. Na gestação, quase a perdi por duas vezes, depois de ser agradida por ex-clientes. Numa dessas vezes, reencontrei Kill. Ele fugia de alguém. O ajudei a se esconder. Não tivemos muito sucesso e ele acabou baleado. O seu estado era grave, e o pior, eu não podia levá-lo para o hospital. Procurei algumas curandeiras. Cuidei dele no casebre onde morava, correndo risco de me encontrarem também. Dia após dia, rezando, pedindo para que Deus não me tirasse a única possível pessoa que estaria ali comigo, sempre. E cá entre nós, essa loucura, fora a melhor coisa que eu fiz. Em uma noite chuvosa, chorei desconsolada. Ele chegou a falecer por alguns milésimos de segundos. Naquele momento, descobri o poder da fé. Um último suspiro e ele regressou. Nunca mais nos separamos. O meu pirata preferido se vingou do homem que quase o matou por conta de uma mulher. Mal sabia ele que era o chefe da máfia. Tomado por uma coragem absurda, revidou a altura e fora condecorado, tomando o posto. Ele, assim como eu havia previsto, sempre esteve ali por mim. Ajudou-me com a gravidez, até acompanhou-me no trabalho de parto. Alguns meses depois, sem que eu soubesse, comprou algumas ações do hospital que beirava a falência. Nós dois, juntos, salvamos o mesmo. Apenas eu levei o mérito. Kill age nas escuras. Aos cinco anos, Regina foi atropelada. Ficou entre a vida e a morte. Acredite, aqueles foram longos dias. O desespero voltou a se fazer presente em mim, como fez-se no dia em que perdi minha mãe... No dia em que quase perdi o meu melhor amigo. Eu e Killian somos tipo você e Emma – Irmãos inseparáveis. Mesmo sendo a maior sócia do local, os médicos não fazia muito pela minha filha. Enquanto ela me deixava aos poucos, os médicos tomavam café da tarde, alegando já terem feito tudo que estava ao vosso alcance. Sabe como aquela situação mudou? Quando Killian interviu. Ficou ao meu lado, deixando-me surtar… até mesmo ameaçar o idiota de jaleco. Depois daquele dia, onde ameacei triturar as suas mãos no ralo da pia, caso minha filha morresse por negligência, ninguém nunca mais ousou me desafiar. Não vou negar –adorei ter se tornado fria, capaz de tudo pelas pessoas que amo… que estão a minha volta. Agora Dani, pense em quantas vezes eu saboreei essa angústia que sentes… não estou falando que és injusto os seus sentimentos... Apenas lhe digo para não perder a fé. Faça o que estás ao seu alcance. Se tu só podes rezar e lhe fazer companhia, o faça. E sinta-se privilegiado por não precisar fazer as ameaças. Essa parte deixe comigo. - por mais que a mulher parecesse tranquila com o relato, pude sentir a sua dor. Sua vida fora uma completa guerra e cá ela está… firme e forte, lutando todos os dias para manter o legado autoritário e respeitoso que construiu… não importa como, mas Cora Mills chegou no topo dos mais poderosos investidores da Itália... Tornou-se a mais temida, a mais foda. E hoje está aqui, me contando o início de tudo. Não é hora de se perguntar o porquê. Eu não precisava saber sobre aquilo. Mas de qualquer forma me senti encorajado.

Intensamente VadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora