Se você me erguer

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"Então o sofrimento começa, quando a música acaba"

A porta se fechou, mas poucos segundos depois, escutei o seu rangir. O barulho do salto alto e o reflexo do vestido longo já me deixaram a par de quem estava ali.

- O que a senhora quer agora, Dona Mary? - Me encostei na escrivaninha, ficando de frente para a minha mãe. Cruzei os braços, ergui uma sobrancelha e dei sinal de que estava esperando a sua resposta.

- Conversar! - Se aproximou, ficando poucos centímetros de meu corpo.

- Legal! - fui irônica. - Mas eu não quero! - tentei sair, mas as suas mãos seguraram firmemente o meu pulso.

"Estou abandonada aqui"

- Me deixe ser sua mãe!

- Meio tarde para isso, não? - os nossos olhares não se desviaram, então, encontrei uma semelhança: Tão fortes e intensos... Vazios? talvez!

- Tudo bem! Se você quer me odiar, vai em frente. Siga firme! Mas me diga uma coisa...

- O que a senhora quiser!

- O que eu te fiz?

"Com um fardo maior do que posso suportar"

Abri minha boca por diversas vezes. Era preciso encontrar uma culpa, um erro, um ato egoísta vindo de sua parte... Tentei me lembrar de algum descuido... Qualquer coisa que iria lhe desmerecer como mãe, mas nada me vinha à memória.

- Eu não sei como explicar! - confessei.

- Pois tente!

- A senhora não entenderia! - me soltei de suas mãos - Mas saiba que eu não a odeio! - sua expressão derrotada me incomodou. Me senti um lixo. - Okay, o que a senhora quer que eu fale? Quando eu digo que não sei controlar o que sinto ninguém acredita, mas é verdade!

- Por favor, entenda que é difícil para mim! - uma lágrima escorreu em seu rosto. - Eu ainda não superei a morte de seu pai! Parece que essa é uma dor que irá doer para sempre!

- Infelizmente é isso mesmo... Ela vai doer e somos obrigadas a sentir!

"Se você me erguer"

- Tudo bem. Faz parte! - respirou fundo - Mas sabe o que é pior? O que me mata diariamente? - neguei com a cabeça - Saber que eu falhei como mãe! Não fui capaz de notar quando os olhos da minha menininha demonstraram medo, insegurança, tristeza... Não consegui evitar o seu distanciamento e olha que ele ocorreu de forma lenta e gradual. - desviei o olhar, evitando com que uma lágrima caísse. - Me dói vê-la perdida dentro de você mesma! E o pior é que não posso fazer nada!

- Eu já me acostumei com as minhas constantes variações, não se preocupe!

- Mas eu não! - gritou. - Por favor, volta para mim? Volta a ser aquela menina cheia de sonhos... aquela adolescente apaixonada pela vida, que acreditava nas pessoas...

- Não posso! - não consegui segurar as lágrimas - Quando ele se foi, eu tentei ser forte,ser normal... Tentei gostar das pessoas e o que eu ganhei com isso? Pisaram nos cacos do meu coração!

"Só para sobreviver esta noite"

É caro leitor, nem sempre fui fria, vazia, idiota, mesquinha... Nem sempre fui tudo isso que talvez eu tenha aparentado ser. Em alguns momentos, enfrentei a morte como um elemento natural... Mas no dia em que completei dezoito anos, me permitiram ter acesso ao resultado da perícia... O assassinaram por conta de um maldito emprego! Consegue imaginar isso? Se sim, imagine a minha dor, mas não a sinta... É intensa demais! E se a resposta for não, o problema é seu! Só quero que saiba que foi como se a doce menina tivesse sido assassinada friamente por conclusões efêmeras.

Intensamente VadiaOnde histórias criam vida. Descubra agora